Abordagem ‘agnóstica’ é a nova maneira de estudar (e talvez tratar) o câncer

Gabriel Alves

A estatística é no mínimo curiosa: metade de nós terá câncer um dia. E talvez todos tivéssemos, se não morrêssemos de infecções, doenças cardiovasculares, de acidentes ou de “morte matada”. O câncer, de alguma forma, está na nossa essência.

Para resolver o problema dessa doença, as soluções estão cada vez mais criativas. Algumas delas eu mencionei em reportagens que já saíram ou ainda vão sair na Folha (leia no fim do post). Quero tratar aqui de um novo paradigma que pode ser o futuro do tratamento oncológico.

Em um estudo patrocinado pela Asco (Sociedade Americana de Oncologia Clínica), pacientes em estado grave vão receber algumas das drogas mais recentes contra o câncer, responsáveis pelo que é chamado de terapia-alvo.

A novidade não está nas drogas, mas no desenho do estudo: os pacientes serão medicados de acordo apenas com os marcadores celulares, e não com o local de origem do tumor. Por exemplo, um câncer de mama pode ser tratado com uma droga que só foi testada em câncer de pulmão.

Geralmente os estudos são feitos para tratar “câncer do órgão X do tipo Y”. Pular a parte do “órgão X”, na cabeça dos oncologistas, começou a fazer cada vez mais sentido. Um teste genético pode denunciar a “cara” do tumor e indicar as drogas que mais têm chance de funcionar, independentemente de o tratamento ser não ser consagrado. É o que está sendo chamado de abordagem tumoral agnóstica ou histológica agnóstica

TAPUR

O Tapur é um estudo de fase 2, ou seja, ainda está um pouco longe de mostrar a real eficácia das terapias, mas já vai dar para ter uma ideia se essa abordagem tem futuro. As expectativas estão nas alturas.

O acrônimo significa Targeted Agent and Profiling Utilization Registry, algo como registro de uso e caracterização de terapias-alvo. Eu já escrevi um pouco a respeito desse mesmo assunto na reportagem sobre a visita do vice-presidente americano na reunião da Asco.

O maior benefício, ao meu ver, é dos pacientes participantes, que poderão ter uma oportunidade de tratamento depois de terem passado pela triste experiência do insucesso em uma terapia prévia –no caso, eles não serão randomizados.

Outro possível ganho é o aprendizado dos médicos e pesquisadores, que poderão se inspirar para elaborar protocolos mais criativos, a fim de encontrar evidências robustas com menos recursos. As empresas, claro, ganham novas indicações para medicamentos já existentes e economizam milhões de dólares em ensaios clínicos superespecíficos.

Recentemente, MSD e Bayer se uniram a Astellas, AstraZeneca, Bristol-Myers Squibb, Eli Lilly, Genentech, e Pfizer, totalizando oito farmacêuticas na iniciativa capitaneada pela Asco.

Eu gosto da ideia porque tenho a impressão de que ninguém vai ficar vendendo resultados pequenos (ganho de 15 dias de sobrevida) como se fossem uma mudança de paradigma.

No caso, há 17 moléculas a serem testadas (incluindo alguns anticorpos monoclonais –medicamentos anticâncer mais novos e mais caros), distribuídas entre 15 possíveis tratamentos (ou braços) desse estudo que mais se parece com um polvo gigante.

Abaixo dá para ter uma ideia da diversidade de drogas da área. Quem sabe todas elas entrem no Tapur (que é desenhado de forma a facilitar inclusões de medicamentos e companhias farmacêuticas).

O estudo está sendo festejado: com 49 paciente e mais de 100 centos de pesquisa querendo participar, o motivo é justo. Quem sabe em algum deles não está a cura para nossos futuros (ou atuais) cânceres?


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