Doping no esporte: Podemos estar vivendo os últimos anos de competição ‘geneticamente limpa’

Gabriel Alves

Quando tratamos de biotecnologia, o futuro é nebuloso. Alguns contornos dele, porém, já podem ser notados desde já.

O leitor que não é um entusiasta das ciências biomédicas talvez ainda não tenha ouvido falar da tecnologia chamada Crispr (pronuncia-se “crísper”). Grande esperança está depositada em suas possíveis aplicações, que vão desde o fim de mosquitos transmissores de doenças até a cura da Aids.

Parece um pouco otimista demais, eu sei, mas nunca antes houve tamanho sucesso em testes preliminares de uma técnica com os mesmos propósitos de editar o código genético –inserindo, alterando ou deletando genes.

E o que isso tem a ver com a Olimpíada? Provavelmente nada, por enquanto. Mas no futuro a edição genética pode fazer o atual doping parecer inofensivo, e as competições, significativamente diferentes. Isso porque, embora sabidamente algumas substâncias possam aumentar o desempenho (ou mascarar a presença dessas moléculas), nada se compara ao ainda incipiente doping genético.

Já faz décadas que pesquisadores buscam quais genes estão relacionados a uma melhor performance física/esportiva –o volume de informação já é enorme e continua crescendo.

Sabendo onde mexer (quais genes editar), seria possível fabricar Bolts ou Phelps em série –ou mesmo versões melhoradas desses atletas. Genes candidatos, por exemplo, são o da eritropoetina (que aumenta a produção de glóbulos vermelhos e, por conseguinte, a oxigenação dos músculos) e o da miostatina (que faz cessar o aumento de massa muscular).

Ao ajustar essas duas pecinhas, seria possível obter um atleta com grande massa muscular e intensa oxigenação do corpo –extrema força aliada a grande resistência aeróbia.

Usar esteroides, cocaína, maconha, eritropoetina ou qualquer outra substância proibida, mesmo que sistematicamente, não seria sequer comparável a uma vida inteira de “doping” de vários genes finamente sintonizados para uma performance ótima.

Será que estamos vivendo as últimas décadas áureas de uma disputa “geneticamente limpa”? Isso provoca horror ou excitação?

E se essa hipótese significar também menos câncer, artrite e outras doenças? Dá para ser contra a “dopagem” de toda a espécie?

O futuro, veja só, possui contornos, no mínimo, interessantes.


Essa foi a última das três colunas escritas por mim que foram publicadas no caderno “Rio 2016”, da Folha, e aqui no blog Cadê a Cura?

Leia as colunas anteriores:

Será que a Olimpíada vai conseguir tirar o brasileiro do sofá?

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