A não tão simples relação entre o consumo de sódio e a hipertensão
Entre tantos temas possíveis, decidi que o primeiro post do Cadê a Cura? será sobre uma doença emblemática, que aflige 30% dos brasileiros e que tem grande impacto em todo o mundo –a hipertensão.
Um pequeno estudo, publicado recentemente por um grupo da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS), mostrou que, mesmo entre hipertensos, não há um bom conhecimento sobre que alimentos contém alto teor de sal, responsável por agravar a doença.
Poucos sabiam, por exemplo, que sopas instantâneas (somente 52,5% das pessoas), molhos de salada (48,9%), queijo mussarela (43,9%) ou comidas enlatadas (36,7%) teriam alto teor de sódio –a parte “maligna” do sal de cozinha.
Entre os alimentos “do lado negro” mais reconhecidos estavam: linguiça (90,5% sabia), salgadinho industrializado (90,5%), salame (88,2%) e temperos prontos (77,8%).
Por que o sódio faz mal?
No nosso organismo, o íon sódio é capaz de “segurar” uma grande quantidade de água dentro dos vasos sanguíneos. Muito líquido em pouco espaço gera uma pressão elevada. Profissionais da saúde costumam apelar para uma redução do consumo do nutriente, que é importante para o adequado funcionamento do organismo, mas que, em excesso, está associado a complicações graves de saúde.
A pressão excessiva pode causar danos aos vasos, rompendo-os e alterando seu funcionamento. Por exemplo, a formação de placas ateroscleróticas nos vasos é acelerada com a hipertensão. Além de causar doenças renais e cardiovasculares, a hipertensão também é um fator de risco para demência.
Ter pressão descontrolada, em resumo, é um convite para se ter um infarto ou um AVC em algum momento da vida. Das pessoas que sofrem com esses eventos cardiovasculares, 70% e 80%, respectivamente, apresentam a condição.
SÓDIO
Houve um apaixonado debate desde o começo do século passado sobre a relação entre ingestão de sódio e hipertensão. Enquanto cientistas traçavam correlações entre as duas coisas (países com maior consumo de sódio tinham mais casos de hipertensão, por exemplo), outros brigavam para dissuadi-los da ideia de que seria necessário estabelecer um limite diário do nutriente.
Na década de 1970 falava-se em 4,6 gramas diários de sódio (11,8 gramas de sal); hoje, em alguns países, fala-se em um número 10 a 5 vezes menor que esse, ou seja, tão pouco quanto 460 mg de sódio diários (1,2 grama de sal de cozinha). A OMS e Ministério da Saúde sugerem até 5 g de sal diários –uma colher de chá–, que contém aproximadamente 2 g de sódio.
Do lado dos “céticos do sódio”, pesava o argumento de que não havia até então um estudo prospectivo que permitisse bater o martelo sobre a relação (mais ou menos o pé em que há pouco estávamos sobre a relação entre zika e microcefalia). Atualmente ainda permanece um resquício dessa discussão –não sobre a relação entre sódio e hipertensão, que é inquestionável, mas sobre outros fatores também importantes para a condição.
Se fosse o sal o único responsável, bastava parar de ingeri-lo para sanar o problema –o que geralmente não acontece. Estudos indicam que existem, sim, indivíduos cuja pressão arterial responde muito bem à mudança de sódio na dieta.
Em algumas pessoas, a quantidade de sódio no organismo pode influenciar na fabricação de uma proteína que provoca sua eliminação pelo sistema renal. Em outras, esse caminho não funcionaria tão bem, explicando porque nem sempre reduzir o sódio, mesmo drasticamente, resolve o problema.
Ao contrário: o organismo poderia trabalhar, inclusive, para aumentar a pressão sanguínea.
Um estudo de 1979 mostrou que aumentar a ingestão diária de sódio de 230 mg (baixíssima) para 6900 mg (6,9 g, o que equivale a 17,7 g de sal, altíssima para os padrões atuais) tanto poderia aumentar quanto diminuir a pressão sanguínea. O efeito era muito variável.
A lição: mesmo que o estudo apresentasse problemas, não é tão óbvio que mexer na ingestão de sódio vá trazer grande benefício. Na verdade, um grande estudo concluiu que esse benefício fica na casa de 1 mmHg, ou seja, a pressão de 14 por 9 cairia, em média, para 13,9 por 8,9 –irrisório.
Existe mais coelho nesse mato: problemas de equilíbrio hormonal, “versões problemáticas” de algumas proteínas do organismo (herança genética).
Já que tenho que tomar remédio mesmo, posso abusar do bacon e da salsicha?
Claro que não. Apesar das dúvidas que alguns lançam sobre a relação entre sódio e hipertensão, uma coisa é certa: o excesso não ajuda em nada, sobrecarrega os rins e altera o funcionamento do cérebro (uma correlação foi encontrada entre consumo de sódio e declínio cognitivo).
Tudo bem que correlação não implica causalidade, mas, com tudo jogando contra, melhor não arriscar, não é?
ESTATÍSTICAS
Todo ano, em torno de 10 milhões de pessoas morrem por consequência da pressão arterial elevada.
Um dado um tanto chocante é que, na média, o homem brasileiro já é pré-hipertenso (ou seja, pressão arterial sistólica entre 120 e 140 mmHg e diastólica entre 80 e 90 mmHg). Se ainda não for, o risco de se tornar hipertenso é elevado para boa parte da população.
A hipertensão é caracterizada por pressão maior que 14 por 9 (sistólica de 140 mmHg e diastólica de 90 mmHg), mas seu diagnóstico pode requerer testes de esforço (em esteira ergométrica, por exemplo) e medição em diferentes momentos e circunstâncias.
No país, estima-se que 30% das pessoas sejam hipertensas (embora boa parte, talvez mais que a metade delas, ignore o fato). Conforme a vida passa, a chance de a hipertensão aparecer aumenta:
Como se vê no gráfico, homens mais novos têm uma propensão maior à hipertensão que mulheres, o que se reverte na terceira idade (mas elas ainda estão na vantagem, já que vivem, em média, uns bons aninhos a mais). Negros têm uma chance até 40% maior de serem atingidos pela condição. Olhe só:
Para melhorar a pressão arterial, a receita é aquela mesma de sempre: emagrecer, fazer exercícios três vezes por semana, não fumar, não beber muito, não se estressar à toa… e mesmo assim não é garantido que ela vá embora.
Os tratamentos com medicamento envolvem tanto a estratégia de relaxar os vasos sanguíneos, diminuir o conteúdo deles (diuréticos), reduzir o bombeamento do coração ou impedir que o organismo atue aumentando a pressão das veias e artérias, por exemplo.
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