Falta de ar e cansaço sem motivo podem indicar hipertensão pulmonar, que mata em poucos anos

Gabriel Alves

Recentemente tive a chance de conhecer melhor a hipertensão pulmonar. A doença aparece de repente, não tem necessariamente uma relação direta com a “tradicional” hipertensão arterial, é mais rara e pode ser mais letal.

Estima-se que há de 15 a 50 casos em cada 1 milhão de pessoas, embora esse número possa ser muito maior –um estudo australiano viu sinais de hipertensão pulmonar em 9,1% dos participantes de um estudo.

Triste é o fato de que médicos ainda estão pouco treinados para reconhecê-la, fazendo os doentes peregrinarem muito antes de saberem o que têm –piorando o prognóstico e perdendo tempo de vida.

Uma oficina sobre a hipertensão pulmonar que reuniu médicos e pacientes aconteceu no começo do mês na sede da Fundação Favaloro, em Buenos Aires, na Argentina. A fundação tem uma atuação sólida no país tanto na detecção quanto no tratamento da doença.

Basicamente o que acontece é que, por algum motivo, os vasos que levam o sangue venoso do coração ao pulmão são obstruídos. Pode ser um coágulo, uma má-formação ou uma contração indevida (vasos têm músculo em sua composição). A partir daí, o trecho de pulmão adiante deixa de operar adequadamente.

Para o organismo, isso significa menos oxigênio da atmosfera trocado pelo gás carbônico produzido pelo corpo –o que resulta facilmente em cansaço ao se executar alguma atividade física, como andar ou subir uma escada.

O sangue que vai para o pulmão é bombeado pelo coração direito –que é fisiologicamente menor que o coração esquerdo, que se liga à aorta e bombeia sangue para todo o resto do corpo. Com uma oclusão no caminho natural do sangue, o coração direito tem que se adaptar a essa sobrecarga, aumentando patologicamente de tamanho, e gerando a hipertensão pulmonar. Veja no esquema abaixo:

Pulmão doente (esq) e pulmão saudável (dir). Na hipertensão pulmonar a obstrução das artérias (em vermelho) faz o lado direito do coração (lado esquerdo na figura) ficar hipertrofiado.
Pulmão doente (esq) e pulmão saudável (dir). Na hipertensão pulmonar a obstrução das artérias (em vermelho) faz o lado direito do coração (lado esquerdo na figura) ficar hipertrofiado. Fonte: CDC

A pressão arterial de um pessoa (aquela medida na farmácia, que aumenta no caso de hipertensão arterial) fica na casa dos 120 mmHg por 80 mmHg (12 por 8), podendo variar um pouco para mais ou menos. A pressão da artéria pulmonar (que sai do ventrículo direito do coração e leva sangue venoso aos pulmões) deve ficar na faixa de 15-25 mmHg por 8-15 mmHg, bem menor do que a das outras grandes artérias do organismo (está aí uma das explicações para o coração esquerdo ser fisiologicamente, ordinariamente, maior que o direito).

CANSAÇO

Deixando a aula de fisiologia de lado, o que interessa é que, se essa pressão passar muito dos 25 mmHg, é sinal que algo está  errado. Para aferir essa pressão só tem um jeito: enfiar um cateter lá dentro da artéria pulmonar, o que não é trivial. Antes disso, há exames físicos, laboratoriais e de imagem que podem ser feitos, mas eles não dão a última palavra no diagnóstico.

Para os especialistas da Fundação Favaloro, o maior problema da hipertensão pulmonar é que muitos morrem sem nem terem sido diagnosticados. O maior gargalo a ser superado é justamente a educação de cardiologistas, pneumologistas e outros médicos para detectar precocemente a doença e encaminhar os pacientes para centros de excelência.

Além de falta de ar, os primeiros sinais da doença podem envolver tontura e cansaço, que vão aumentando conforme o tempo passa. A hipertensão pulmonar pode aparecer como uma fadiga sem causa aparente, explica Francisco Klein, chefe do Departamento de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da fundação. Em algum momento a pessoa pode precisar usar oxigênio e limitar suas atividades diárias. “É necessário ter um ‘estalo’ que permita o diagnóstico, o que geralmente acaba demorando entre 2,5 e 3 anos”, afirma Klein.

Na média, morria-se após 2,8 anos do diagnóstico. Hoje, esse número é de 5 anos. A enorme fração não diagnosticada (até 80%, segundo estimativas) acabam nem entrando nas estatísticas.

TRATAMENTOS

Existem diversas possibilidades de tratamentos para os também diversos tipos de hipertensão pulmonar. Uma delas é a cirúrgica: os médicos acessam os vasos entupidos com coágulos e os desentopem “na marra”, restabelecendo boa parte do fluxo sanguíneo. Há, claro, os casos em que não dá para mexer muito –o tecido já estaria bastante prejudicado; os coágulos, inacessíveis. Aí só com medicamentos ou, em alguns casos, transplante de pulmão.

A abordagem medicamentosa basicamente tenta dilatar os vasos, fazendo com que o sangue passe com menos dificuldade pelas regiões obstruídas. Nessa linha, uma das novidades é a molécula riociguate, droga de uma nova classe de medicamentos que age na maquinaria regulatória das células musculares, auxiliando o músculo a manter um tônus mais baixo.

O remédio vem competir com o sildenafil (princípio ativo do Viagra) e de vários outros de um grupo de drogas que atuam no relaxamento dos vasos. Para os pacientes, o principal entrave do novo tratamento é o preço, que fica na casa de R$ 30 mil mensais (e há ainda drogas mais caras). Para ter acesso às drogas mais novas, se não forem comprá-las, os pacientes ou entram em programas patrocinados pelas indústrias farmacêuticas ou tem de recorrer à justiça.

O riociguate é particularmente eficaz, indicam estudos, para a versão tromboembólica crônica da hipertensão pulmonar (HPTEC), responsável por uma pequena porcentagem dos casos da doença. Já se estuda fazer terapias combinadas (e.g. riociguate + sildenafil), visando melhores resultados, mas ainda faltam estudos conclusivos que avaliem a performance e o risco da alternativa.

*O blogueiro participou do Workshop Latinoamericano de Hipertensão Pulmonar, em Buenos Aires, a convite da Bayer

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