Futebolização do debate sobre a maconha não ajuda a entender ou resolver a questão
No último sábado (11), a Folha publicou uma reportagem que escrevi sobre os efeitos físicos do uso de longo prazo da maconha.
Um estudo relatou um acompanhamento de 20 anos (dos 18 aos 38 anos de idade) de um grupo de cerca de mil pessoas da Nova Zelândia que nasceram entre 1971 e 1972.
Se de um lado a robustez (tempo de estudo e número de participantes) impressiona, do outro, os quase nulos efeitos na saúde física da maconha, também. Para mais detalhes, recomendo a leitura do texto.
Um comportamento comum, despertado por textos de temas mais polêmicos, como o uso de maconha, é uma leitura viciada, incompleta e predisposta a “comprar” ou “refutar” o que se afirma no título, a depender de convicções prévias.
É um problema. Em ambos os casos, perde-se a parte mais valiosa da reportagem que é o questionamento do paradigma e a adição de novos fatos a serem considerados em uma análise de um tema complexo, debatido há décadas.
Claro, por mais isenta e precisas que sejam as informações do artigo da revista “JAMA Psychiatry”, ainda é um único estudo, em uma única população, feito uma única vez, em um determinado período da história.
A postura correta, para quem quer realmente aprender mais sobre o assunto é guardar esses indícios com carinho e cautela e realizar ou aguardar novos estudos observacionais de longo seguimento.
O que nem todos percebem, é que esse tipo de informação é preciosa. Como é possível decidir uma diretriz nutricional para uma população baseada em um estudo de 8 semanas feito em ratos? E se óleo de peixe que reduz colesterol causa uma séria reação alérgica?
Voltando à maconha, como fazer uma política de drogas sem saber exatamente seus efeitos? Do ponto de vista antidrogas: como alocar recursos e desenhar estratégias para combatê-las? Do ponto de vista liberacionista: o que deve ser considerado para o cálculo de um eventual imposto sobre o comércio de maconha?
Independente da bandeira que se levante, mais dados e análises aprofundadas são necessários para chegar a algo próximo do que pode ser a “verdade”. Acreditar e principalmente “torcer” somente por estudos que corroborem um ponto de vista é contraproducente.
Quando os milhões de técnicos de futebol se transformam em especialistas instantâneos em maconha, o QI despenca –mesmo sem o uso nenhum tóxico.
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