Entenda como a vacina da dengue pode dar errado e o que a zika tem com isso

Gabriel Alves

Na Folha desta sexta (24), peguei carona na reportagem do excelente Reinaldo José Lopes e discuti um pouco do que pode dar errado com as vacinas contra a dengue.

Em seu texto, Reinaldo conta a respeito de um novo estudo, que revelou que a infecção prévia por dengue pode facilitar uma outra posterior por zika.

Minha parte foi lembrar que isso não seria completamente inesperado. Outros cientistas já haviam visto isso mesmo entre os subtipos do vírus da dengue (o que seria a explicação para a chance de dengue hemorrágica, mais grave, aumentar conforme aumenta o número de infecções).

Esse efeito é chamado de pontecialização dependente de anticorpos. Vou tentar ser didático (digam-me se consegui nos comentários):

  • Imagine que você foi infectado por dengue (pela primeira vez) e que o subtipo do vírus é o 3 (são quatro possíveis).
  • Se você for infectado por uma segunda vez pelo mesmo tipo 3 (DENV3), os anticorpos que seu organismo criou em resposta (você sobreviveu, estamos supondo), darão cabo rapidamente desse repetido invasor.
  • No entanto, se o vírus dessa segunda infecção é do subtipo 1 (DENV1), os anticorpos contra o DENV3 não terão grande afinidade contra ele. Pior: eles vão ajudá-lo a invadir as células do hospedeiro (você).
  • Se os vírus fossem bandidos, no caso o veneno contra o primeiro bandido (DENV3) acaba virando uma arma no arsenal do segundo malfeitor(o DENV1).

 

E AS VACINAS?

Nessa história, imagine um organismo bem protegido contra três dos quatro subtipos virais de dengue, e mais ou menos conta um quarto tipo (no caso, o DENV2, como contei antes).

Se o DENV2 não pôde ser neutralizado, esse bandinho ganhou de presente três tipos de armas (os anticorpos contra DENV1, DENV3 e DENV4 e passou a ser especialmente virulento.

O problema, você talvez já saiba, é que a vacina que vem por aí (já aprovada pela Anvisa) tem relativamente baixa proteção contra o tal do DENV2, que é meio diferentão dos demais em sua morfologia.

Quando tentam fazer uma vacina quadrivalente, a ideia é que os vírus modificados geneticamente (que compõem a vacina) consigam cutucar o sistema imunológico e fazer o organismo fabricar anticorpos que ataquem os quatro subtipos de vírus –o que acontece, mas não com a mesma eficácia para todos eles.

O que nos resta é torcer para não vir uma epidemia de dengue cuja principal cepa é o DENV2.

 

ZIKA? ZICA!

Com o vírus da zika (ZIKV), a zica é a mesma –o jeitão dele lembra bem os da dengue. Anticorpos contra os vírus da dengue potencializam a infecção por ZIKV, o que poderia, ao menos em parte, explicar o fenômeno brasileiro com epidemia de microcefalia.

Uma teórica cura pra esse problema seria um antígeno universal, um pedaço de vírus que nos fizesse produzir anticorpos tão espetaculares que atacariam indistintamente todos esses malditos flavivírus que nos atazanam a vida.

O problema é que esses teóricos pedaços não são bons o suficiente (por enquanto, pelo menos) para produzir anticorpos –não dá para ter sorte em tudo, não é?


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