A estranha história do vírus bovino que, até agora, não explicou microcefalia nenhuma
Em algumas cidades do Nordeste, o índice de microcefalia é notório, muito maior que em outros lugares onde também há mosquitos aedes e vírus da zika circulantes.
A vontade de muitos pesquisadores é explicar essa situação. Será que em alguns locais a microcefalia é mais grave que em outros? Por que há mais casos no Nordeste do que no Sudeste, por exemplo, sendo que nas bandas de cá também há mosquitos e vírus aos montes?
Hoje ninguém discute que o vírus da zika causa microcefalia: já há evidência acumulada equivalente há décadas de pesquisas anteriores no mesmo tema. No entanto, ainda há uma grande lacuna: explicar essa discrepância geográfica em relação às consequências da infecção. Vale lembrar que os danos da zika podem ser muito mais sutis do que a alteração da circunferência da cabeça e do tamanho do cérebro.
As hipóteses são as mais variadas. Nutrição inadequada, background genético e coinfecção viral são algumas delas. Nesta última se ancora a recente polêmica a respeito de que um vírus bovino (VDVB –vírus da diarreia viral bovina) poderia agravar os efeitos da zika.
Os cientistas, segundo informações que chegaram à imprensa, teriam achado vestígios do VDVB em tecidos de fetos e recém-nascidos com zika que morreram.
O problema, como mostrado em reportagem minha publicada na última quarta na Folha, é que existe uma grande chance de esses achados se deverem a um produto muito usado em laboratório, o soro fetal bovino.
Resumindo a ópera, os cientistas teriam, primeiro, que descartar qualquer chance de contaminação laboratorial das amostras antes de dizer que havia chance de infecção pelo vírus bovino.
Não parece ser o caso, porém. Se fosse real, seria um senhor achado científico –nunca antes foi detectada uma infecção humana, conta o virologista especializado em VDVB da UFRGS Paulo Roehe.
Como hipótese e resultado vazaram (concomitantemente a uma reunião sobre o tema entre pesquisadores e representantes do governo), era esperado que o alarmismo, como sempre acontece, ocupasse o espaço da prudência.
Resta-nos torcer para que os cientistas, jornalistas e população não caiam nas ciladas das explicações fáceis e que o governo mais ajude do que atrapalhe nesse processo de descoberta.
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