Cesárea pode ter alterado a evolução do homem ao anular potencial prejuízo do cabeção do bebê

Gabriel Alves

Na intersecção entre gravidez e evolução, existe um problema geométrico: às vezes a cabeça do feto é simplesmente grande demais.

Se por um lado quanto maior o feto maior a chance de sobrevivência, por outro a dificuldade de encaixe pode ser letal tanto para o bebê quanto para quanto para a mãe. A taxa de ocorrência dessa desproporcionalidade cefalopélvica está entre 3% e 6% se olharmos para a média global.

Desse modo, faria sentido que em algum momento da história humana as mulheres de quadris largos tenham tido maior sucesso reprodutivo (fitness, evolutivamente falando) que as de quadris estreitos. 

(Há, no entanto, vantagens evolutivas em ter um quadril estreito, como a melhor dissipação de calor em ambientes quentes, mas nessa disputa os quadris grandes parecem ter levado vantagem por um um bom tempo.)

Por causa das cesáreas, mulheres de quadris estreitos, que antes tinham elevada chance de ter complicações no parto, conseguem fazer com que essa “desvantagem” evolutiva fosse praticamente anulada.

Se antes uma área de passagem do canal pélvico pequena demais perante o tamanho do bebê significava a morte de ambos, agora existe uma grande chance de uma mãe pequenina parir sem qualquer prejuízo.

Ou seja, se antes havia o que os biologistas chamam de “pressão evolutiva” a favor da permanência e disseminação de quadris grandes, hoje essa força da natureza não anda valendo grande coisa.

Curiosamente, trata-se de uma questão tipicamente humana –outros primatas e mamíferos não têm filhotes tão desproporcionalmente grandes.

HISTÓRIA

A técnica cirúrgica para realizar a cesárea é bastante antiga, embora não haja consenso exatamente onde surgiu primeiro. O método, claro, melhorou muito com o tempo: supõe-se que em seus primórdios, há mais de mil anos, ela era usada apenas para remover bebês de ventres de mães já mortas (já que não haveria outra maneira de ele sair dali).

Não seria difícil ter essa ideia já que, ao menos internamente, nossa anatomia se parece com a de outros mamíferos, como porcos –já comumente caçados, eviscerados e partidos com maestria por antigos caçadores.

Ilustração de uma cesárea, com um bebê nascendo do ventre de uma mãe já morta
Ilustração de uma cesárea, com um bebê nascendo do ventre de uma mãe já morta (Vida dos Doze Césares, de Suetônio)

QUADRIL FÊMEA

Também é tipicamente humano o “dilema obstétrico” de que nossa pelve teria sua forma moldada pelo conflito de dois fatores principais: a bipedalidade (que surgiu entre 4 e 5 milhões de anos atrás) e a capacidade de dar à luz a grandes bebês.

Cientistas analisaram a maneira com que a região se desenvolve ao longo da vida e a conclusão foi a de que a pelve feminina atingiria a conformação ótima para ter bebês com cabeças e corpos avantajados durante o ápice do período fértil. Depois disso, talvez por uma questão hormonal ou mesmo energética/nutricional, a pelve na mulher acaba perdendo essas propriedades e se “masculiniza”.

Ao por em perspectiva a história evolutiva das espécies, é possível admirar as sofisticadas soluções que a natureza trouxe para nossos problemas mais essenciais, como dar à luz.


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