Por que a Aids é uma questão gay (e não uma ‘doença gay’)
Na Folha desta quarta (3) o leitor encontra uma entrevista (conduzida por mim e pelo meu colega Phillippe Watanabe) na qual o ativista Kevin Frost defende a ideia de que a política antiaids e anti-HIV é indissociável da luta pelos direitos dos gays.
Já houve diversas tentativas de tentar tapar o sol com a peneira e de dizer que todos deveriam se preocupar igualmente com a doença. Um paralelo grosseiro é dizer que os habitantes de um bairro violento devem se preocupar tanto com a violência urbana quanto os habitantes de um bairro que tem índice de roubos e latrocínios próximo de zero (e vice-versa).
Historicamente, cerca de 10% dos gays do país são soropositivos. E os gays formam cerca de 10% da população masculina em cidades como São Paulo, Salvador, Brasília e Rio. Na população em geral, a taxa de contaminados é de 0,6% (dados da Unaids).
Só que muitas vezes os dados são apresentados de forma a poluir a realidade. Um exemplo disso seria o seguinte: contando os casos notificados de Aids e contabilizados pelo Ministério da Saúde desde 1980 até 2016, houve 145.720 casos resultantes de transmissão sexual em homens heterossexuais e 139.865 em homens homo e bissexuais. Pelas porcentagens: 51% contra 49% –empate técnico entre os grupos comparados.
Desconsidera-se na análise que a proporção populacional de homens gays é, nas cidades citadas acima, por exemplo, nove vezes menor que a de heterossexuais. Em tentativas de explicação como a do “empate técnico” parece que o politicamente correto ganha do estatisticamente acurado.
Por outro lado, como se infere pelos dados (aqueles mais acurados), carteirinha de hétero não garante imunidade contra o vírus. Por mais que a chance de contágio seja menor –também por razões biológicas inerentes à modalidade de sexo praticada– quanto mais “bilhetes” se adquire, maior a chance de ganhar na “loteria”. Não se trata de uma “doença gay”, portanto.
A preocupação do ativista Kevin Frost de ter uma política de prevenção direcionada a grupos de risco –gays, garotas e garotos de programa, usuários de drogas injetáveis– faz todo o sentido. O que falta é a sagacidade para saber como chegar a toda essa gente com uma mensagem verdadeiramente efetiva.
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