Quando o assunto é saúde, desconfie dos atalhos e das terapias rápidas
Se uma coisa é certa no mercado da saúde, é que abundam incertezas e falcatruas. Toda semana surge um novo boato sobre algum “tratamento milagroso”, muitas vezes acompanhado de uma teoria da conspiração explicando por que ninguém nunca ouviu falar a respeito.
Nesses tempos digitais também proliferam profissionais que alegam ter achado respostas completas e incontestes para levar saúde integral e até mesmo felicidade para seus clientes. No texto abaixo, feito especialmente para o Cadê a Cura?, a professora de dança e estudiosa de yoga Sylvia Maria fala sobre o assunto.
No mercado das terapias instantâneas, sobra marketing e falta embasamento, por Sylvia Maria
“A ansiedade é o mal da atualidade”; “A depressão atinge um recorde de pessoas”. Já ouviu algo assim? À primeira vista parece que estamos mais doentes do que nunca. Será que é esse mesmo o caso ou nossa percepção sobre o que é estar enfermo é que não está muito bem das pernas? Se for esse o caso, quem está lucrando?
Eu voltava de uma corrida no parque quando passei por uma banca de jornal. Vi várias revistas que falavam de bem-estar, atividade física e alimentação saudável. No dia seguinte, parei na mesma banca e fiz uma rápida contabilidade das capas: 40% eram relacionadas à questão corporal (atividade física e modalidades esportivas), à alimentação saudável (novas dietas e receitas) ou a técnicas de relaxamento (meditação, yoga, atividades de concentração).
Isso me incomodou. Por que tantas pessoas têm buscando essas fórmulas prontas para se cuidar? Estamos realmente doentes ou tudo isso não passa de um novo mercado que cria dificuldades para vender facilidades?
A depressão é o tema da OMS no Dia Mundial da Saúde em 2017. É um problema de saúde pública e o número de afastamentos são evidência disso: 75 mil brasileiros foram afastados em 2016. Somos líderes, temos o maior número de casos de depressão entre os países em desenvolvimento.
Os índices de pessoas em depressão que tentam suicídio pode chegar a 24%, apontam estudos americanos. A doença é grave e há pouca discussão e conscientização. Vale ressaltar que trata-se de algo bem diferente de tristeza (uma dica de filme que explica bem as emoções é o “Divertida Mente”; também há um ótimo relato sobre o que é ter depressão que foi publicado aqui no Cadê a Cura?).
Mas um problema que geralmente passa batido são as pessoas que abusam do momento frágil de outras para lucrar com técnicas superficiais, recém-aprendidas, sem conteúdo nem embasamento científico –e ainda por cima em um ritmo “fast”.
De repente a pessoa olha, vê aquele método rápido-fácil-cool e mergulha de cabeça. Nesse processo voraz, ela perde a chance de olhar pra dentro e, de fato, descobrir e tentar resolver os problemas que estão escondidos.
E também existe a ansiedade, que afeta mais de um terço da população mundial pelo menos uma vez na vida. O sentimento pode até mesmo afastar as pessoas do trabalho, causando prejuízos diretos e indiretos. Vale ressaltar que a região metropolitana de São Paulo têm a maior incidência de perturbações mentais do mundo, de acordo com o relatório São Paulo Megacity Mental Health Survey.
Às vezes precisamos de uma pausa para cuidar das plantas, ler um livro e viajar em vez de ficar comparando a própria vida com o que é compartilhado minuto a minuto em redes sociais. Sem essa consciência, acabamos nos obrigando a (fingir) ter um status de alegria permanente.
No mundo real, resta a tristeza. Nos sentimos menos desejados e clamamos por um consolo instantâneo. De repente alguém tem a brilhante ideia de pegar uma técnica centenária ou milenar, dá um nome chique (molecular-funcional-coach-full), coloca um preço astronômico e… Puf! Eis a nova terapia do momento, feita sob medida para você. Será?
Não para por aí. Existe uma pressa enorme em formar os novos “terapeutas” –há cursos de cinco semanas, com formação on-line e por aí vai.
O que não se pode permitir é que pessoas despreparadas, sem vivência real da filosofia ou da técnica em que se baseiam essas novas modalidades continuem vendendo e reproduzindo suas invencionices em escala industrial e sem o cuidado verdadeiro com quem realmente precisa de ajuda. Não se forma um terapeuta em meses, muito menos semanas.
Qualquer método, seja secular ou religioso deve ser vivido antes de ser ensinado. A medicina chinesa é estudada por anos pelo menos dois anos e tem de haver muita prática antes de o terapeuta ensinar alguém; os monges tibetanos meditam por horas, dias, semanas, para então serem considerados iniciantes –e a rotina é diária.
Na dança, ao aprender um passo, ele é testado no nosso corpo, treinamos, só então passamos pro aluno. Até que ele possa ensinar alguém? Meses! O ditado “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço” não funciona quando alguém precisa de apoio e de uma mudança verdadeira.
*SYLVIA MARIA é bióloga ambientalista, professora de danças árabes, estudiosa do yoga e curiosa da mente humana; e-mail: sylsaghira@gmail.com
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