Médicos defendem combinação de drogas no início do tratamento contra diabetes
Um consenso entre profissionais de saúde com relação ao diabetes é que esperar as complicações aparecerem para só então tomar alguma providência é péssima ideia.
Geralmente as abordagens iniciais envolvem mudanças de hábitos alimentares e introdução ou intensificação da prática de exercícios. Às vezes, porém, pode ser vantajoso usar combinações de medicamentos logo após o diagnóstico, defendem médicos ouvidos pela reportagem. Esse foi um dos temas discutidos no congresso anual da ADA (Associação Americana de Diabetes, na sigla em inglês), que aconteceu em Orlando no final de junho.
A doença mata cerca de 61 mil brasileiros ao ano, número comparável ao de assassinatos (cerca de 60 mil ao ano) e quase o dobro de pessoas mortas em acidentes de trânsito (33 mil ao ano).
Com um tratamento mais efetivo logo após o diagnóstico, diferentemente do que acontece quando os medicamentos são empregados na base de tentativa e erro, o paciente teria mais chance de manter a doença sob controle, evitando complicações.
Para quem tem a doença, a principal meta é manter a hemoglobina glicada, um exame de sangue, abaixo de 7% (de preferência abaixo de 6,5%, mas isso pode ser flexibilizado em pacientes com complicações graves; a faixa de normalidade para quem não tem a doença é de 4% a 5,6%). Conseguir manter baixo esse índice é o objetivo das diversas modalidades de tratamento e, via de regra, o que vai definir a dosagem e o número de medicamentos a serem tomados ou aplicados.
O problema, diz Levimar Rocha Araújo, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, é a grande resistência dos pacientes, que não gostam de tomar medicamentos logo de cara para tratar uma condição aparentemente inicial, e também de médicos, que têm medo de perder clientela. Outra questão é que, sobretudo no sistema público, os profissionais têm pouco tempo para ensinar o paciente a lidar com o diabetes, uma condição complexa.
“No fim das contas, a grande questão é a falta de educação com relação ao diabetes”, afirma Araújo. Ele, que também é diabético, promove acampamentos para jovens com a ideia de ensiná-los a lidar com a doença em situações do dia a dia. Um exemplo: em um dia de atividades físicas intensas, é possível reduzir a quantidade de insulina (hormônio cuja atividade está prejudicada na doença) a ser administrada, já que o exercício também tem efeito hipoglicemiante –ou seja, reduz a concentração de glicose no sangue.
“Como muitas vezes o paciente com diabetes não tem nenhum sintoma, para ele não faz sentido já começar a usar medicamentos”, explica Solange Travassos, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, que foi diagnosticada com diabetes tipo 1 aos 14 anos. Ela e Araújo afirmam que é preciso avaliar a possibilidade de usar desde cedo todas as armas que podem ajudar o doente.
“O organismo tem uma espécie de memória metabólica, ou seja, o começo do tratamento e a maneira como o corpo responde a ele são fatores muito importantes para o prognóstico. Se o organismo é forçado a viver com a doença por muito tempo, ele se exaure, perdendo a capacidade de se recuperar”, diz Araújo.
As alternativas farmacológicas incluem a tradicional metformina (há mais de 60 anos no mercado) e suplementação de insulina por meio de injeções, para tentar normalizar a função do hormônio, de reduzir a glicemia sanguínea e prevenir efeitos como impotência, AVC e amputações.
Algumas opções podem ajudar os pacientes a simplificar o cuidado, como medicamentos combinados em uma mesma injeção. É o caso do Xultophy, combinação de insulina e liraglutida, princípio ativo do medicamento Victoza, que tem obtido bons resultados na redução da glicose sanguínea, com boas chances de evitar o ganho de peso, algo comum na doença.
Outra possibilidade, ainda em estágio experimental, é uma nova formulação de insulina para ser administrada por via oral. Cientistas da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara e de Harvard publicaram recentemente na revista PNAS um artigo explicando como isso poderia acontecer.
Um líquido seria capaz de impedir a degradação da molécula no aparelho digestório e de promover a absorção dela pela via paracelular, ou seja, por entre as células que revestem o trato gastrointestinal. Um dos obstáculos à adesão do tratamento com insulina é justamente a necessidade de injeção.
Capazes de monitorar o nível de glicose e até de ajudar nas injeções de insulina, equipamentos de monitorização e bombas também têm ganhado espaço. Alguns aparelhos produzem um gráfico com a variação da glicemia ao longo do dia, o que permite fazer ajustes de dose de insulina e refinar o tratamento. No fim de junho a FDA (agência regulatória americana) aprovou um sensor implantável que pode ficar imerso na pele por 90 dias consecutivos.
Um estudo da empresa Abbott apresentado no ADA mostrou que um monitoramento frequente pode ajudar a reduzir o tempo do paciente em hipoglicema, outro fantasma para quem depende de insulina.
As bombas são especialmente úteis para pacientes com diabetes tipo 1 e, no país, muitas pessoas têm obtido acesso a elas por meio de decisões da Justiça.
Muitos profissionais de saúde, porém, tendem a fugir dos medicamentos por causa do perigo de interações com outras drogas e dos efeitos colaterais. O caminho padrão ainda é a mudança dos hábitos de vida: comer melhor (e, geralmente, menos) e praticar exercícios físicos; a obesidade também agrava a condição.
A favor dessa abordagem está o fato de que a contração muscular promovida nos exercícios e a perda de peso fazem o organismo responder melhor à insulina, ou seja, pode retardar a introdução de medicamentos ou reduzir a dose de quem já está em tratamento, embora os médicos concordam que mudanças do estilo de vida sejam apenas o mínimo a ser feito.
Por fim, existe a possibilidade de realizar uma cirurgia bariátrica (chamada de metabólica quando o objetivo é combater o diabetes) para resolver o problema. Apesar da agressividade e da grande chance de resolução, é necessário um enorme esforço posterior do paciente para atingir as diversas metas propostas, que também incluem ingestão de vitaminas e manejo da saúde mental, além do tratamento do diabetes propriamente dito.
O jornalista viajou a convite da Sanofi
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