Como é pesquisar ao lado de um Nobel de medicina?

No dia 1º de outubro de 2018, uma segunda-feira, a aposta de boa parte dos cientistas e médicos se concretizou: o Prêmio Nobel reconhecia a área da imunoterapia, que abriu avenidas de novas possibilidades para o tratamento do câncer. 

Os vencedores foram o americano James Allison e Tasuko Honjo. Você pode ler um pouco mais sobre a pesquisa deles na reportagem publicada pela Folha nesta segunda (1º) no em seu site e na edição impressa desta terça (2).  Agora trago um relato um pouco mais emotivo.

O biomédico Jorge Scutti teve a chance de trabalhar diretamente com Allison no MD Anderson Cancer Center, no Texas. Ele conta para o Cadê a Cura? um pouco de sua trajetória e como foi conviver com o célebre imunologista.

Leia abaixo:

Como acabei trabalhando com James Allison, Nobel de medicina de 2018, por Jorge Augusto Borin Scutti

Imerso no mundo do “Laboratório de Dexter” (desenho animado bastante conhecido entre quem cresceu na década de 1990) e do “Mundo de Beakman” (série educativa talvez ainda mais famosa), tinha certeza que meu destino tinha a ver com ciências.

Certa vez, na quinta série, lembro-me de ser o único a me candidatar para permanecer os três períodos em pé em um estande para apresentar um projeto de ciências sobre fertilização in vitro.

Aos 18 anos comecei a cursar biomedicina no interior de São Paulo. Lá conheci a imunologista Renata Dellalibera-Joviliano: cada explicação sobre o sistema imune me fascinava. Foi amor à primeira vista!  Tornei-me monitor de imunologia, ciência que estuda o comportamento do sistema imune na saúde e nos diferentes estágios das doenças.

Formado, me mudei para São Paulo e consegui passar no temido e concorrido processo seletivo de mestrado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Lá fui orientado por Luiz Travassos, um dos principais nomes da ciência brasileira, parceria que se repetiu no doutorado.

Minha linha de pesquisa abrangia o estudo do modelo de melanoma murino [em camundongos] e da imunologia de tumores —a meta era entender como o sistema imune poderia ser modulado por peptídeos (pedaços de proteínas, por assim dizer) não oriundos de células cancerosas. A ideia era elaborar um modelo de vacina que pudesse ser usado em pacientes com melanoma (uma ideia parecida havia vingado nos EUA, mas com peptídeos originários de células de melanoma).

Após cinco anos na Unifesp, comecei meu período de pós-doutorado (período de aperfeiçoamento usual na carreira de pesquisadores) no departamento de pediatria do MD Anderson Cancer Center em Houston, um dos centros de pesquisa e atendimento oncológico mais importantes no mundo, localizado no Texas.

Durante um ano desenvolvi um modelo de imunoterapia (em que o organismo é estimulado reagir ao câncer) baseado em células NK (que destroem células infectadas ou cancerosas) para combater um tipo de câncer cerebral infantil conhecido como glioma pontino difusamente intrínseco (DIPG).  

Findo o pós-doc, teve início em 2015 minha carreira como pesquisador da plataforma de imunoterapia do MD Anderson, liderada pelo agora nobelista James Allison.

Na época estávamos tentando entender por que razão alguns pacientes e alguns tipos de tumores respondiam melhor a determinados tratamentos baseados em imunoterapia, principalmente no caso de drogas como pembrolizumabe, nivolumabe e ipilimumabe —que mudaram o panorama do tratamento de vários tipos de câncer, reduzindo muito a mortalidade sem trazer tantos efeitos colaterais.

A ideia era encontrar marcadores que pudessem predizer quais pacientes teriam mais chance de sucesso.

Eu me encontrava com Jim Alisson periodicamente em nossa reunião semanal. É um sujeito inteligentíssimo, cavalheiro e extremamente humilde, apesar do vasto conhecimento. Ele adorava que os pesquisadores trouxessem desafios, sentia-se bem ao ser estimulado intelectualmente.

Foram três anos de muito aprendizado, de noites sem dormir, de viagens a congressos, de discussões longuíssimas… Mas tudo valeu pena.

Meu sonho é um dia acordar e descobrir que a cura para o câncer foi encontrada. Mas certamente uma parte do meu sonho foi realizada ao trabalhar com Jim (aqui um artigo que publicamos juntos). Nada mal para um menino que cresceu em Matão, no interior de São Paulo: guiado pelas mãos de Deus tive a honra de contribuir com os estudos de um ganhador do prêmio Nobel de Medicina.

Outras pessoas que me ajudaram e me inspirarem no caminho foram os colegas pesquisadores e amigos Mariana Conde Pineda e Luis Miguel Vence, além de minha esposa Yasmim e meus filhos Catharina e Thales.

Os pesquisadores Jim Allison e Jorge Scutti
Os pesquisadores Jim Allison e Jorge Scutti (crédito: Arquivo pessoal)

 

 


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