Aspirina pode aumentar risco de morte por câncer em idosos, sugere estudo
Após quase cinco anos tomando aspirina diariamente, um grupo de idosos teve um aumento de 31% nas mortes causadas por câncer em relação ao grupo placebo. Se levarmos em conta que em cada grupo há mais de 9.500 pessoas, trata-se de um resultado robusto.
Um grande estudo sobre os efeitos do uso de longo prazo de aspirina (ácido acetilsalicílico), que contou com a participação de 19.114 idosos saudáveis, foi publicado na prestigiosa revista New England Journal of Medicine nesta quinta (18).
Participaram americanos com mais de 65 anos e australianos com mais de 70 anos, que recebiam os comprimidos inertes ou a medicação, fornecida pela farmacêutica alemã Bayer, que patenteou o produto no final do século 19. A empresa não participou da elaboração do desenho experimental ou da interpretação dos resultados.
O número de mortes por câncer do dos grupos teste e placebo no período foram, respectivamente, 295 e 227. Não foi possível afirmar com rigor estatístico quais tipos de câncer em especial seriam os culpados. Entre os mais frequentes estão colorretal, mama e melanoma.
“Outros estudos de uso preventivo de aspirina não identificaram resultados similares a esses, o que indica que esses resultados de mortalidade […] devem ser interpretados com cautela”, escrevem os autores, de diversas instituições australianas e americanas. Há de se considerar a possibilidade também de um viés racial, já que a grande maioria dos participantes era branca.
Questionada pela reportagem, a Bayer respondeu em nota que “essa conclusão não está relacionada à indicação do medicamento na prevenção primária de doença cardiovascular” e que os pacientes incluídos no estudo não tinham esse risco em particular. “O estudo não altera o perfil de risco-benefício de Aspirina Prevent de baixa dose [formulação usada na pesquisa].”
“[A droga] é um antiagregante plaquetário e sua indicação é para pessoas que apresentem dor no peito causada pela má circulação do sangue, que tiveram infarto agudo do miocárdio, para redução de risco de um novo infarto e que passaram por cirurgias ou outras intervenções nas artérias para evitar a ocorrência de distúrbios transitórios da circulação cerebral”, diz o texto.
As más notícias relacionadas à aspirina não pararam por aí. As demais conclusões do estudo Aspree (acrônimo em inglês para ASPirin Reducing Events in the Elderly, ou aspirina reduzindo eventos em idosos, em tradução livre) mostram que nesses idosos que tomaram o remédio não houve ganho de expectativa de vida livre de limitações (como demências ou deficiência física).
Também não houve prevenção de eventos cardiovasculares (lembrando que os pacientes do estudo eram saudáveis). Os autores argumentam que a boa forma dos pacientes pode ter impedido que efeito positivo da aspirina fosse observado para nesse quesito. As demais causas de mortalidade não se alteraram nesse estudo.
Um outro estudo, publicado na mesma edição da revista, demonstra esse potencial protetor do remédio.
O Ascend (A Study of Cardiovascular EveNts in Diabetes, ou um estudo dos efeitos cardiovasculares em diabetes, em tradução livre, no qual 15.480 adultos de meia idade com diabetes foram acompanhados por quase sete anos e meio) indicou redução de 12% nos eventos cardiovasculares em pacientes diabéticos que tomavam aspirina em relação ao grupo placebo (658 contra 743, ou 8,5% contra 9,6%).
Tanto no Ascend quanto no Aspree —ambos randomizados e controlados— foi observado um aumento de eventos hemorrágicos (361 contra 265 e 314 contra 245, respectivamente), como os acidentes vasculares encefálicos (derrames) e sangramentos no sistema gastrointestinal.
Esses efeitos indesejados acontecem porque, além de aliviar vários tipos de dores, a aspirina também tem propriedades antitrombóticas e anticoagulantes, ou seja, tem potencial para evitar o entupimento de vasos por trombos e facilitar a circulação. Ao impedir a coagulação, a aspirina acaba facilitando o escape do sangue pelas veias e artérias, gerando a indesejada hemorragia.
Trabalhos que já haviam sido publicados anteriormente apontam benefícios do uso do remédio, como a redução do risco de infarto, AVC e outros problemas vasculares em pessoas de meia idade (assim como observado no Ascend, comandado por cientistas do Reino Unido).
Outros estudos sugerem a possibilidade de o uso contínuo de baixas doses de aspirina prevenir perda cognitiva, depressão e alguns cânceres, como o colorretal.
Observa-se que nem sempre os resultados de diferentes estudos convergem. No estudo Ascend, inclusive, não houve qualquer efeito da aspirina no aparecimento ou na prevenção de cânceres.
Considerando tudo o que foi publicado nos últimos 150 anos sobre o remédio, em editorial o NEJM conclui que, para pacientes com aterosclerose, os benefícios compensam o risco. “Por outro lado, para a prevenção primária […] a razão benefício/risco na prática corrente é excepcionalmente pequena.”
Para a maioria das pessoas, a melhor maneira de prevenir problemas cardiovasculares graves se dá com exercício físico, interrupção do tabagismo e, eventualmente, com a prescrição de estatinas —classe de medicamentos que também já foi pivô de discussões acirradas.
Convém lembrar que o uso de aspirina para qualquer indicação ou a interrupção do tratamento devem ser feitos apenas sob orientação médica.
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