Microambiente tumoral pode esconder resposta contra o câncer
Quando uma pessoa descobre o câncer, uma das maiores torcidas é para que ele seja operável. Um procedimento cirúrgico rápido e bem feito aumenta muito a chance de cura, especialmente em casos iniciais.
Depois vem outras formas de tratamento, como a temida quimioterapia (que funciona muito bem em alguns casos, diga-se), a radioterapia e a recente imunoterapia, que também tem bons resultados em alguns tumores.
Em algumas situações, porém, nenhuma dessas estratégias funciona. Vou pegar emprestado um trecho adaptado de um texto da colega Ruth Helena Bellinghini para definir o que é câncer:
“A doença é complexa e envolve uma série de mutações genéticas que se acumulam ao longo de décadas. Além disso, um grande número de pessoas acredita que câncer é uma doença só, que aparece em diferentes partes do corpo, e não 200 doenças diferentes que têm em comum a proliferação desenfreada de células. Visto desse ângulo, faz sentido acreditar que se trata de uma doença simples, que deveria ser curada por uma única droga ou duas ou três, quem sabe.”
Claro que não é tão simples. O arsenal anticâncer tem ganhado reforços de peso nas últimas décadas, mas ainda falta muito para que a doença não seja mais uma preocupação.
Daí a importância das pesquisas que buscam meios de lidar com a doença. Entre elas está a do biomédico e professor da UFMG Alexander Birbrair, que investiga se alguns elementos do microambiente do tumor podem ser manipulados para lidar com a moléstia. Ele escreve abaixo para o blog Cadê a Cura?:
Microambiente permite crescimento do câncer, mas pode ser também seu carrasco, por Alexander Birbrair
Todos já ouvimos falar de câncer e, provavelmente, conhecemos alguém que tem ou já teve a doença. Até hoje algumas pessoas têm medo de dizer o nome. Usam a expressão “aquela doença”…
E na verdade, existem vários tipos diferentes de câncer. O que eles têm em comum é a presença de células cancerosas.
Nosso corpo é composto por bilhões de células. As saudáveis crescem, se dividem normalmente e sabem exatamente a hora de parar de crescer. Já as células cancerosas, graças a alterações em seu material genético, crescem e se dividem descontroladamente. Esse comportamento acontece por causa de transformações no material genético dessa células.
Uma vez transformadas, as células cancerosas destroem as células normais ao seu redor e isso causa o tão temido câncer. Mas o que realmente define se ocorrerá a proliferação das células cancerígenas é o ambiente onde elas estão localizadas no nosso organismo.
No passado, a célula tumoral era o único alvo das terapias. No entanto, quando o tratamento tem como foco sua replicação, várias outras células normais do nosso organismo que tem essa característica de proliferação também são afetadas, como as do sangue e as da pele. Daí a toxicidade nos tratamentos de quimioterapia e radioterapia.
Com a meta de evitar esses efeitos negativos e ter tratamentos mais eficazes, vários estudos que estão em andamento buscam criar maneiras mais eficientes e menos tóxicas de eliminar o câncer.
Imagine que retiramos cirurgicamente uma parte do tumor de um paciente. Ao analisá-lo, veríamos que somente 50% das células ali são cancerosas. O restante delas forma o chamado microambiente tumoral. A maioria dessas células vêm do sistema imunológico e migram para dentro do tumor, ajudando a compor seu volume, a massa tumoral. (Esse é o caso, por exemplo, dos linfócitos, neutrófilos, macrófagos, células dendríticas, etc.)
Os nutrientes que alimentam o câncer vêm pela corrente sanguínea, por meio de vasos que adentram o tumor. Note-se que um tumor não consegue crescer mais do que 2 milímetros sem esse tipo de auxílio. Como os vasos sanguíneos são formados por vários outros tipos celulares, isso aumenta ainda mais a complexidade do microambiente tumoral.
Os demais componentes desse microambiente não estão simplesmente inertes dentro do tumor, eles também podem influenciar seu crescimento: alguns ajudam nas atividades das células tumorais, enquanto outros as bloqueiam. Conhecer esse comportamento permitiu o desenvolvimento da imunoterapia, forma de tratar cânceres, cujas descobertas iniciais renderam o Prêmio Nobel de Medicina deste ano.
Ao olharmos os outros elementos desse microambiente, notamos que ali também existem nervos. Curioso: se o sistema nervoso regula diversas funções do nosso corpo, como os batimentos cardíacos, será que ele também, de alguma forma, controla se o câncer vai crescer ou não dentro de nós? É uma pergunta que ainda estamos tentando responder, estudando tumores de mama, próstata e melanoma.
Nessa linha de pesquisa, desenvolvida na UFMG e apoiada pelo Instituto Serrapilheira, o que vimos até agora é que, alterando esses nervos geneticamente (modulando seu papel de dentro do tumor), conseguimos afetar o crescimento das células malignas.
Isso abre as portas para uma possibilidade futura de tratamento que pode agir justamente no papel desses nervos no microambiente tumoral . Imagine manejar um tumor de forma que ele promova a própria extinção?
Descobrimos que um tipo de célula que geralmente está associada aos nervos, as células de Schwann, se separam deles durante a progressão do câncer e vão se ligar aos vasos sanguíneos que estão dentro do tumor, estrangulando a fonte de suprimentos e, portanto, bloqueando seu crescimento.
Conhecendo esses mecanismos, com alguma sorte, será possível achar um jeito de tratar o câncer de forma mais eficaz e específica, com mínimos efeitos colaterais. Mas ainda há muito trabalho pela frente.
No vídeo abaixo, Birbrair explica resumidamente a ideia de sua pesquisa:
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