Como regenerar o cérebro após um AVC? Resposta depende da manutenção de bolsas de pós-graduação, diz cientista

Com os recentes congelamentos de bolsas e de verbas para a pesquisa, cientistas veem ameaças ao futuro de estudos que podem ajudar a encontrar tratamentos para condições de grande interesse, como danos ao tecido cerebral. Marimélia Porcionatto, biomédica e professora associada de biologia molecular da Unifesp, escreve para o blog Cadê a Cura? sobre sua trajetória e sobre o atual panorama da pesquisa científica no país.

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Por que o cérebro não se regenera? O que podemos fazer para contornar esse problema?

São questões importantes. Depois de uma pancada forte ou de um AVC, por exemplo, funções cerebrais importantes como raciocínio lógico e memória podem ser afetadas. Há ainda o envelhecimento, que muitas vezes traz consigo doenças neurodegenerativas.

O nosso grupo já fez importantes contribuições para a compreensão dos mecanismos celulares e moleculares que levam à ausência de regeneração cerebral.

Identificamos, por exemplo, uma molécula que induz a morte de neurônios imaturos que migram de uma zona neurogênica (onde neurônios se formam) para o local de uma lesão, o que pode ser entendido como uma tentativa de regeneração.

A morte desses neurônios antes que possam substituir aqueles que foram perdidos por lesão parece ser um dos processos que impedem a regeneração do cérebro. Já vimos também que a presença de cicatriz numa região do tecido nervoso também pode atrapalhar a entrada de novos neurônios naquela região.

Esses e outros trabalhos que realizamos nos levaram a sugerir algumas estratégias que poderão se tornar tratamentos para sequelas neurológicas no futuro. Entre elas está o emprego de uma combinação de células-tronco com microfibras compostas de ácido poliláctico, um composto biocompatível e biodegradável, que pode ser implantado no local da lesão e promover a sobrevivência de neurônios.

Mais recentemente, começamos a estudar maneiras de produzir partes do cérebro usando bioimpressoras 3D que usam materiais como biotintas e células-tronco. Pretendemos com isso mimetizar partes do cérebro tanto para realizar estudos do surgimento e progressão de doenças neurodegenerativas (alzheimer e parkinson, por exemplo) quanto para buscar uma maneira de repor o tecido nervoso perdido por um trauma, AVC ou neurodegeneração.

Vivo no mundo da pesquisa científica desde 1982, quando estava no segundo ano da faculdade. Fiz mestrado em biologia molecular com bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e doutorado com bolsa do CNPq (Conselho Federal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Foram dois estágios de pós-doutorado, o primeiro na Unifesp, com bolsa Fapesp, e segundo, em neurobiologia, no Dana Farber Cancer Institute, afiliado à Harvard Medical School, em Boston, EUA, com bolsa da Lefler Foundation for Neurodegenerative Disorders.

Durante minha formação, da graduação ao pós-doutorado, fui bolsista, e hoje sou professora associada da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.

Os cortes orçamentários impostos pelo governo já estão diminuindo a formação de recursos humanos, e muitos jovens talentosos deixarão de realizar pós-graduação. Esse período é fundamental para a formação do cientista, é quando se aprende a fazer ciência —a interação com orientadores, com colegas, com a comunidade científica está na base da formação de um cientista crítico, ético, inovador, desafiador e ávido por novas descobertas.

Cortar o fluxo de formação de novos cientistas é criar uma lacuna no desenvolvimento do país, que poderá levar décadas para ser revertida.

As perguntas que temos ainda demorarão anos para serem respondidas, e, claro, levantarão novas questões. A manutenção do fomento à ciência e das bolsas para pós-graduandos e pesquisadores é fundamental para que esses estudos não sejam interrompidos.

Este é um momento de defesa da ciência e da manutenção das condições para realização dos estudos que fazemos na Unifesp e de milhares de outros em andamento no país.

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