Cientistas lançam observatório de Covid-19 no Brasil em tempo real e dizem que casos podem chegar a 1.600 em quatro dias
Um grupo de pesquisadores brasileiros lançou nesta quarta (18) o Observatório Covid-19 BR, que, além de apresentar os dados da epidemia em tempo real no Brasil, traz informações como o tempo que o número de infectados leva para dobrar e o número reprodutivo, que indica para quantos outros indivíduos uma pessoa infectada em média transmite o vírus.
Segundo as projeções da ferramenta, com dados de até terça (17), o país terá, em 22 de março, daqui a quatro dias, entre 854 e 1618 pessoas com a doença. A previsão não vai além porque a incerteza para a estimativa seria muito grande —assim com o número de infectados, o tamanho da incerteza cresce exponencialmente.
Um dos cientistas envolvidos é Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp. “ Acreditamos que a máximo de transparência é a melhor política a ser adotada”, diz.
“É uma iniciativa superimportante e que pode trazer um pouco de senso de realidade para os não crentes na enorme crise que se aproxima”, diz Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, que não participa do projeto.
É interessante que se montem essas iniciativas, mas é preciso sempre muita cautela em ler os dados. A gente tem visto mudanças no perfil de transmissão desde o surto italiano. Vai ser interessante poder avaliar a validade das predições ao longo do tempo –pode vir a ser um material valioso”, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Ele afirma que a ferramenta pode ser importante para mensurar o efeito prático de medidas como o distanciamento social.
O observatório não recebeu apoio financeiro direto, mas é tocado por pesquisadores cujos trabalhos são bancados por Fapesp, Capes e CNPq. Os dados são obtidos do Ministério da Saúde e os métodos são abertos para quem tiver interesse. “O que mais necessitamos neste momento é que os dados sobre os casos sejam disponibilizados o mais rápido possível”, diz Kraenkel.
Em média, segundo os cálculos do grupo, no Brasil uma pessoa propaga o vírus para 3,2 outras (com um intervalo de confiança que varia entre 2,3 e 4,4 indivíduos), algo parecido com que vem sendo observado em outros países.
Outra análise que ajuda a entender como está a situação do Brasil é a do tempo que leva para os casos confirmados duplicarem (2,54 dias no país, segundo o cálculo mais recente), é sumarizada no gráfico abaixo:
“Uma das lições interessantes do gráfico é que há sempre um atraso: os efeitos das medidas de distanciamento social surgem dias após serem tomadas. Isso porque o reflexo no número de infectados é alimentado pelas pessoas ditas em período de incubação, elas já têm o vírus, porém sem sintomas”, diz o físico Vítor Sudbrack, mestrando e pesquisador do Observatório Covid-19 BR.
Segundo Sudbrack, o fato de países europeus apresentarem taxas de duplicação próximas reflete a similaridade das sociedades —estrutura, medidas e protocolos de testagem. “Lentamente, Itália e Espanha estão reduzindo a velocidade de propagação, mas os reflexos das medidas severas tomadas semana passada ainda estão por vir.”
Também é notável a diminuição dessa taxa na Coreia do Sul, reflexo de seu abrangente programa de testagem. O fato de o Brasil ter a política de testar somente casos graves, avalia Kraenkel, introduz ainda mais incerteza nas projeções do observatório.
Já o Irã, um dos países com maior número de infecções e de mortos, teve seu início de epidemia em velocidade altíssima, mas hoje esse número estacionou. A diminuição se deve, diz Sudbrack, a medidas de isolamento tomadas semanas atrás .
“No Brasil, a velocidade de propagação —especialmente em São Paulo e Rio, as regiões de transmissão comunitária— está semelhante à da Espanha, por exemplo. Adotar as medidas de isolamento social é fundamental para que essa velocidade de espalhamento mude até o fim desta semana”, especula Sudbrack.
Uma das questões ainda sem respostas é o impacto de pessoas assintomáticas nessa dinâmica. “Estudos com dados da China mostram que ao menos 25% dos casos teremos origem em alguém sem sintomas, mas que depois os apresentaram”, diz Kraenkel.
Fazem parte do esforço também os pesquisadores Caroline Franco, do IFT-Unfesp; Paulo Guimarães Jr e Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biologia da USP; Rodrigo Corder, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e Renato Coutinho, do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC, entre outros.
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