Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Super-humanos? Talvez em breve https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/21/super-humanos-talvez-em-breve/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/21/super-humanos-talvez-em-breve/#respond Thu, 21 Feb 2019 19:24:28 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/img_0288-320x215.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1079 Ao olhar para os avanços das técnicas de edição genética, como o Crispr, e o nascimento de bebês geneticamente editadas na China é natural supor que um dia haverá super-humanos perambulando pelo planeta Terra. Será?

O colunista Reinaldo José Lopes, um dos melhores jornalistas de ciência do país, escreveu semana passada na Folha que ele não enxerga esses seres geneticamente superiores num horizonte próximo. Discordo. Consigo avistá-los logo ali dobrando a esquina.

A prova de que isso faz sentido são as próprias bebês chinesas: elas teriam sido manipuladas para serem resistentes à infecção por HIV. Bastou alterar um dos cerca de 20 mil genes humanos e voilà, ganha-se uma (pequena) vantagem genética (apesar de esse tipo de experimento ser proibido naquele país e, dado os riscos, eticamente questionável).

Já inteligência e aptidão musical, por exemplo, são características complexas, que dependem da interação de dezenas ou centenas de genes com o ambiente. Com o que sabemos hoje, ainda seria difícil manipular essa teia de informação de modo a gerar resultados previsíveis.

Por outro lado, há um bom punhado de características que podem ser incrementadas a partir de alterações no DNA.

Um exemplo famoso é a miostatina, molécula que tem por papel reduzir a produção de músculo. Suponha que seja possível alterar (ou deletar) o gene da miostatina para torná-la menos eficiente. O resultado: menos gordura, mais músculos e uma clara superioridade física. Veja abaixo imagem de camundongo cujo gene da miostatina foi desativado:

Camundongo normal (à esq.) e camundongo cujo gene da miostatina foi deletado (Crédito: Se-Jin lee)

Outro exemplo é o gene da alfa-actinina 3, uma proteína importante no processo de contração muscular. Alguns indivíduos carregam uma variante do gene que permite um ciclo mais rápido de contração e relaxamento, ou seja, mais velocidade na corrida. Esse mesmo gene pode ter papel importante em outras características, como adaptação ao exercício, recuperação e no risco de lesões.

O DEC2 também é um gene interessante, que, ao que tudo indica, parece ser importante na definição da necessidade de horas de sono para um indivíduo. Imagine dormir apenas 4h para ficar novinho em folha? Algumas pessoas carregam uma mutação que otimiza o período do sono.

A lista poderia se estender: ossos mais duros, imunidade a venenos, resistência aeróbica, maior altura e envergadura… Não faltam oportunidades de otimização da espécie.

Por outro lado, Lopes está coberto de razão ao lembrar que os genes podem ter mais de uma função no organismo, ou seja, que ao mexer numa engrenagem molecular ali, podemos gerar um efeito inesperado e/ou indesejado acolá, como infertilidade ou maior chance de desenvolver câncer. Mas isso não quer dizer que ninguém vá trilhar esse caminho (como mostrou o cientista chinês He Jiankui).

Perguntei a alguns especialistas o que eles pensavam a respeito do tema. Veja as respostas abaixo:

Os avanços da edição genética permitirão a existência de super-humanos no futuro? Por quê?

Se o termo “super-humano” se referir a modificações de genes relacionados com características físicas relativamente bem-definidas, como força, por exemplo, a resposta seria sim. Embora a edição de genes ainda não seja totalmente isenta de falhas, os desafios técnicos deverão ser resolvidos nos próximos anos. Entretanto, se o termo se referir a tentativas de mudar características do indivíduo com vistas a transformações comportamentais, sociais ou morais, imagino que não. A bioética já está se ocupando de discutir esse tema, vide o lançamento da Declaração em Bioética e Edição de Genes em Humanos pelo Observatory of Bioethics and Law (OBD, Barcelona).
Marimélia Porcionatto, professora da Unifesp

Para que isso aconteça, primeiro precisamos conhecer os genes que nos tornariam “super-humanos” (supondo que um super-humano teria grande inteligência, saúde perfeita e uma bela aparência – é isso?!). Hoje ainda não conhecemos os genes que influenciam essas características. Mas um dia conheceremos.  E já quase temos a tecnologia para modificar esses genes. Logo, sim, poderemos criar super-humanos. Iremos? Se a tecnologia/conhecimento de fato existirem, acho quase inevitável. Porém, os super-humanos já existem hoje. Somos todos nós que já temos acesso às maravilhas da medicina moderna, à educação, ao saneamento básico. Compare a saúde (e aparência) das pessoas com nível socioeconômico alto com a média da humanidade. Eis os super-humanos —eles já existem…
Lygia Veiga Pereira, professora da USP

Enquanto a utilização da tecnologia para tratar doenças é justificável, o uso para mudar características de bebês é perigosamente eugênico. Num futuro incerto, poderiam os pais equivocados escolher o fenótipo de seus filhos? Estatura aumentada, visão infra-vermelho, pele altamente resistente, sem contar outras características comportamentais? Qual o limite do uso de uma técnica de consequências tão profundas? Considerando-se apenas as questões técnicas, a imaginação é o limite. Quando lidamos com o bem estar e possível sobrevivência da humanidade, porém, o limite que se impõe é a ética. O mundo como um todo deve discutir profundamente todas as implicações do uso desta tecnologia e que apenas as que tragam o bem estar dos seres humanos sejam permitidas. Cabe a nós decidir o que fazer com o conteúdo da caixa de Pandora…
João Bosco Pesquero, professor da Unifesp

A gente já conseguiria selecionar os embriões perante características físicas bem-definidas. Inclusive a empresa 23andMe já havia avisado que poderia selecionar embriões baseados na cor dos olhos, dos cabelos, pele etc, gerando grande polêmica —isso aconteceu já há algum tempo. Imagine na China, com uma tecnologia que a gente nem conhece tão bem, uma triagem de embriões e, em cima dessa triagem, a edição de alguns genes. Esses indivíduos poderiam ser transformados, deixando-os mais robustos,  modificando até mesmo características comportamentais, reduzindo a capacidade de sentir medo. Eticamente é um assunto complexo. Em teoria, já teríamos metodologia para fazer super-humanos há cinco ou dez anos. Se já foram feitos ou não, é outra história.
Ciro Martinhago, médico geneticista

A resposta mais óbvia é sim. Quando se fala em possibilidades científicas, existem gargalos fundamentais e gargalos tecnológicos. Nós nunca vamos viajar em uma velocidade maior do que a luz, porque isso é uma impossibilidade física fundamental. A edição de genoma, por outro lado, enfrenta apenas limitações tecnológicas, que vêm sendo superadas. A barreira é dada pelo estado atual da técnica, não pela natureza. Ética, moral, religião ou medo nunca foram capazes de conter por muito tempo avanços tecnológicos que podem curar doenças, aumentar a longevidade ou, até mesmo, produzir características físicas mais desejáveis. Se isso é bom ou ruim para a sociedade como a vemos hoje, trata-se de um debate filosófico, não científico.
Natália Pasternak, bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência

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Enfermeiras, psicólogas, nutricionistas e assistentes sociais têm mais desafios na carreira acadêmica https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/25/mulheres-e-desafios-na-academia/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/25/mulheres-e-desafios-na-academia/#respond Mon, 25 Jun 2018 16:00:34 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/40950954424_f5f6238137_k-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=961 Na área da saúde, algumas profissões são predominantemente femininas —nos EUA, as mulheres são 83% dos enfermeiros, 91% dos nutricionistas, 70% dos psicólogos e 82% dos assistentes sociais. No Brasil, o cenário é semelhante.

Segundo as conclusões de um simpósio realizado em Orlando no congresso anual da ADA (Associação Americana de Diabetes), essas profissionais têm um grau de dificuldade aumentado dentro da carreira acadêmica, quando pretendem ser professoras universitárias,  pesquisadoras e líderes científicas em suas áreas.

Um fator que contribui para isso é a prioridade baixa atribuída às disciplinas que elas ministram —a remuneração delas é pior e há o rótulo depreciativo de essas áreas serem “ciências soft”, em oposição às ciências duras (hard), como matemática, física, química ou engenharia.

Não se ganha status por ministrar, por exemplo, cursos com foco na prevenção de doenças, do cuidado com o paciente ou na mudança de hábitos de vida, apesar da importância de iniciativas do tipo. Como existe um estigma de feminização dessas áreas, a participação masculina também é reduzida.

Sem prestígio, é pouco provável que essas profissionais assumam posições de liderança e de gestão de serviços de saúde, por exemplo. No fim das contas, elas acabam muitas vezes tomando papéis secundários, vice-chefias, à sombra dos homens, geralmente médicos.

Felicia Hill-Briggs, presidente da seção de medicina e ciência da ADA e uma das palestrantes do simpósio, enumerou algumas características que fazem diferença na trajetória de mulheres de sucesso:

  • Ter a casca grossa, ou seja, não se deixar abater com facilidade;
  • Ter um mentor forte na instituição;
  • Permanecer flexível e criativa;
  • Criar ela mesma oportunidades de liderança e aproveitar as chances para fazer mudanças no sistema;
  • Alavancar a carreira de outras mulheres.

Homens geralmente dependem mais apenas do próprio esforço do que as as mulheres. Já elas têm praticamente de pavimentar a própria trilha. “Mesmo com um currículo parecido, muitos homens avançam na carreira e as mulheres não. Nós precisamos aprender mais sobre os caminhos institucionais e com quem falar”, diz a psicóloga, que é professora da Universidade Johns Hopkins.

Ela, que é negra, afirma que o preconceito racial pode agravar a situação. “É comum ouvir que ‘alguém como você’ não pode assumir determinada posição de liderança.”

A médica Elizabeth Seaquist, da Universidade de Minnesota, afirma que mesmo com a fração de mulheres em ritmo crescente entre o total de docentes da área médica, nas posições mais altas da carreira, em dados de um conjunto de instituições, elas ainda se encontram subrepresentadas, com a proporção estagnada na casa dos 20%.

Outro grande problema, diz, é a questão do assédio no ambiente acadêmico. “Não é por acaso que grandes revistas médica, Jama e New England Journal of Medicine, recentemente trataram do tema.”

“As mulheres não sabem se é seguro falar a respeito desses assuntos, se não vão sofrer represálias.” Nesse sentido, o impacto do movimento #metoo é bem-vindo e pode fomentar o funcionamento adequado dos comitês institucionais antiassédio, opina.

Em um documento recente lançado pela as academias nacionais de Ciência, Engenharia e Medicina, as instituições afirmam que as ações de combate ao assédio tem falhado e sugeriram reformas profundas  e punições severas para lidar com a questão.

O jornalista viajou a Orlando a convite da Sanofi


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Melhores médicos: por que só há homens na lista do Datafolha? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/04/23/melhores-medicos-datafolha/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/04/23/melhores-medicos-datafolha/#respond Mon, 23 Apr 2018 19:47:17 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/725de6d21c410e53c738603bb6bf7635e9698334c5882a3e20ea9f801482f486_5ad69738b8711-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=926 Neste domingo (22) saiu na revista sãopaulo, da Folha, uma lista com os 27 melhores médicos, em 11 especialidades, apontados por uma pesquisa do Datafolha. Coube a mim entrevistá-los e escrever um pequeno perfil de cada um.

Um fato, claro, chamou a minha atenção e de boa parte dos leitores: nessa lista todos os indicados são homens e apenas um não é branco –o ortopedista Emerson Honda. Muitas pessoas manifestaram em redes sociais sua insatisfação por não haver médicas na lista.

Na pesquisa Datafolha, 34% dos 822 entrevistados eram mulheres –mais de um terço. Na ortopedia, elas eram 6% dos respondentes; 22% da cardiologia; 43% da ginecologia-obstetrícia e 52% entre os pediatras, por exemplo.

Como explicar o “27 a 0” de homens versus mulheres? Por que nem na pediatria a vencedora é uma mulher?

O colega Marcelo Soares, jornalista especializado em análise de dados e fã de rock, faz uma analogia interessante: se perguntarmos a músicos especialistas em rock quem são os melhores em cada instrumento, provavelmente os vencedores seriam homens. “Difícil não dar Jimi Hendrix na guitarra, difícil não dar algo como Freddie Mercury no vocal. Não que não haja mulheres no mesmo nível, não que seja exatamente machismo contra elas, mas porque esses nomes são queridos por todos há muito tempo.”

Como poucos nomes são eleitos por categoria, o “peso da tradição”, como diz Soares, pende para o lado dos homens.

MACHISMO

De forma alguma esse raciocínio invalida a constatação de que ainda vivemos em uma sociedade bastante desequilibrada em termos de gênero e que isso vale também para a medicina. Não é muito diferente do que acontece nas chamadas ciências duras, na qual dificilmente mulheres atingem e se mantém em posições de liderança.

Médicas são, em média, quase 5 anos mais jovens que os médicos e correspondem a apenas 45,6% dos profissionais. Os dados são do levantamento “Demografia Médica do Brasil 2018”.

Entre os profissionais com 65 e 69 anos, apenas 28,3% são mulheres. Entre aqueles com 70 anos ou mais, o número cai para 20,5%.

Os médicos entrevistados pelo Datafolha tinham, em média, 52 anos de idade e elegeram colegas, em média, 17 anos mais velhos.

É possível concluir, apenas olhando para os números, que há ainda poucas mulheres com a experiência que alguns médicos homens têm.

Talvez ainda demore alguns anos para o cenário mudar, mas tudo indica que isso vai acontecer. Mulheres já são a maioria no estrato mais jovem, entre profissionais com 20 e 29 anos: 57,4% do total.

Distribuição de homens e mulheres na medicina de acordo com faixa etária (fonte: Reprodução/Demografia Médica no Brasil 2018)

 

RAÇA

Não há muitos dados sobre o número de médicos negros, especialmente ao longo da história, mas a pesquisa “Perfil e percepção dos recém-graduados em Medicina”, feita com 4.601 novos médicos mostra que apenas 1,8% desses egressos se declaram negros. Pardos somam 16,2%.

A discrepância em relação à população brasileira é visível: no país, 7,8% se declaram negros e 43,1% se declaram pardos.


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Na última segunda (18), saiu na Folha uma reportagem minha sobre os indianos que estão tentando reverter quadros de morte cerebral. A pesquisa conseguiu um inédito registro de ensaio clínico e deve testar quatro abordagens para tentar reviver um cérebro morto. Se você não leu, veja lá (tem até HQ).

Aqui, no blog Cadê a Cura?, quero continuar tratando da questão, e contar um pouco de minha conversa com Ira Pastor, CEO da Bioquark, que patrocina o estudo indiano. O principal interesse da empresa é o teste da Bioquantina, um extrato à base de oócitos (células precursoras do óvulo) de anfíbios.

ZUMBIS

Além do alarde que a notícia causou ao percorrer o mundo, também houve uma chuva de críticas. Uma das mais recorrentes é a de que eles estariam iniciando um “apocalipse zumbi”, tal como vemos em séries e quadrinhos.

A afirmação tem pouco fundamento. A parte verdadeira é que não se sabe em que estado essas pessoas “regressarão” de seu estado prévio de morte cerebral –muito do que elas foram pode ter sido perdido nas várias horas de inatividade cerebral que precederiam as intervenções dos pesquisadores, como células tronco e injeções de Bioquantina).

O resto é mentira: em apocalipses zumbis, o cenário imaginado –e mais plausível– é aquele em que um vírus é responsável por espalhar a “doença zumbi” ou em que zumbis transformam seres humanos em zumbis (mordendo-os, por exemplo), até que quase não existam mais “pessoas não zumbis”. Não dá para misturar alhos com bugalhos. Uma técnica de ressuscitação, por mais bizarra que seja, não é “transmissível”.

ÉTICA

Outra crítica comum foi a ausência de testes em espécies inferiores, como roedores e outros primatas. Como acontece no caso da fosfoetanolamina (“fosfo” ou “pílula do câncer”), a pesquisa estaria pulando etapas.

Difícil escapar dessa, mas Ira Pastor tenta: “De uma perspectiva estritamente bioética, quando você tem o envolvimento dos comitês de ética institucional e regional, a concordância da família, e a longa história desse tipo de pesquisa envolvendo “cadáveres vivos”, nós nos sentimos particularmente seguros.”

Sobre o quão fácil teria sido para vencer as barreiras e leis regulatórias, Pastor diz:

Na maioria dos países, há poucas obrigações regulatórias escritas no que se refere à pesquisa com aqueles que “recentemente faleceram” –claro que, ao trazermos essa questão à tona, não há dúvida de que as regras vão mudar. E quando houver novas regras, nós vamos lidar com elas quando for a hora, da maneira apropriada.

Na nossa opinião, o mais importante é que o mundo está aprendendo que essa maneira de fazer pesquisa existe. E que muitos médicos com os quais estamos lidando (de 18 países até agora) estão explorando maneiras de implementar esse protocolos onde atuam.

Os países podem inclusive desautorizar esse tipo de estudo, o que sem dúvida alguma pode acontecer. No entanto, em uma era de crescente expansão da flexibilidade no âmbito do acesso de pacientes “sem opção”, eu odiaria estar no lugar dos agentes reguladores e ter de explicar as famílias daqueles que acabaram de morrer que seus entes queridos não merecem esse tipo de oportunidade ou o “direito de tentar”.

LIMITES

Sobre estarem “brincando de Deus”, Pastor diz que o argumento foi usado por mais de um século sempre que houve um novo estudo que mudasse um paradigma, como o surgimento dos desfibriladores cardíacos e da respiração mecânica, além do transplante de órgãos.

Nós somos bem abertos à crítica científica em geral. Muitos cientistas  acham que o projeto é “demasiadamente ousado” –e isso não deixa de ser verdade. No entanto, nós antecipamos isso e, francamente, é até divertido sentar com esse povo e explicar nossas ideias. Eles acabam sendo “convertidos” e dizem: “ Wow, isso ainda é muito ousado mas vocês podem estar no caminho certo e, de repente, até conseguir algo.”

Não aceitamos quando dizem “vocês não devem seguir esse caminho por que vocês são capazes de obter sucesso”, o que se traduziria em levar um sujeito com morte cerebral para um estado de coma e assim dar a ele uma baixa qualidade de vida e mais custos para o sistema de saúde.

Esse tipo de crítica é ridículo –será que uma pessoa morta tem uma qualidade de vida melhor que a de um paciente em coma?. Pensando que podemos ter sucesso nessa transição científica monumental, seria ingênuo pensar que tudo estaria acabado e que não faríamos testes em outras condições que afetam o estado de consciência, fazendo eventualmente os pacientes acordarem.

Além disso, em um sistema que gasta trilhões de dólares anualmente, nós achamos que alguns pacientes em coma a mais não farão tanta diferença assim.

E você? O que acha desse projeto?


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Um estudo japonês de 2014 aponta que a chance de um bebê nascido com 37 semanas de gestação ter complicações respiratórias é 3,2 vezes aquela de um bebê de 38 semanas. Aqui estamos tratando de cesáreas eletivas.

Outras complicações são baixo peso, hipoglicemia e maior risco de internação na UTI. O risco diminui um pouco mais quando se escolhe aguardar até a 39ª semana.

Foi isso que motivou o Conselho Federal de Medicina a estabelecer a regra de que, no caso de a grávida querer fazer uma cesárea, ela deve ser informada dos riscos e aguardar até a 39ª semana.

Aqui tem uma excelente reportagem a respeito, da colega Natália Cancian.

Quem ganha e quem perde com a nova medida? Como vai ser o futuro das cesáreas? Vai aumentar?

Para discutir o assunto no “TV Folha ao Vivo” desta terça (22), fomos escalados eu e a Mariana Versolato, editora-adjunta de “Cotidiano”. A entrevistada é Rossana Francisco, coordenadora científica de obstetrícia da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo) e professora da Faculdade de Medicina da USP.

Veja abaixo o vídeo:

http://mais.uol.com.br/view/15903480

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