Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Morre o cardiologista Antonio Carlos Carvalho, que ajudou a reduzir mortes por infarto https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/morre-o-cardiologista-antonio-carlos-carvalho-que-ajudou-a-reduzir-mortes-por-infarto/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/01/09/morre-o-cardiologista-antonio-carlos-carvalho-que-ajudou-a-reduzir-mortes-por-infarto/#respond Wed, 09 Jan 2019 23:06:44 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/647468-work-320x213.jpeg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1062 Morreu nesta nesta terça (8), aos 71 anos, o médico Antonio Carlos Carvalho, um dos principais nomes na área de emergência cardiovascular do país. A causa da morte não foi divulgada pela Unifesp, onde atuava como professor titular. A reitoria informou, em um email interno, que o corpo foi cremado e que a cerimônia foi fechada para os mais íntimos.

“O professor Carvalho foi um dos cardiologistas mais completos que conheci, exemplo de profissional, dedicado ao paciente, com extrema compaixão. Era excelente professor e ensinou, orientou e estimulou um número enorme de médicos que tiveram o prazer do seu convívio”, diz o cardiologista Fernando Bacal, professor da USP e responsável pelo setor de transplantes do Incor.

O cirurgião Fábio Jatene, também da USP e do Incor, conta que conhecia bem o professor Carvalho. “Fomos colegas de diretoria, em um mandato na Socesp [Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo]. Era uma pessoa muito equilibrada, de enorme capacidade, querido e respeitado por todos, uma grande liderança. A comunidade cardiológica brasileira está de luto pela perda de um grande colega.”

Suzi Kawakami, que conviveu com Carvalho durante a residência médica, afirma que o professor era generoso, dedicado e muito querido por todos ao seu redor. “O professor Carvalho adorava ensinar, era uma pessoa maravilhosa.”

Nascido em Campinas em 13 de setembro de 1947, Antonio Carlos Carvalho teve infância simples em Leme, no interior paulista, com seus três irmãos. O pai era farmacêutico e a mãe, funcionária pública dos Correios.

Seu pai tem uma história digna de ser lembrada: segundo Carvalho contou a este repórter pouco mais de um ano atrás, seu avô foi um grande proprietário rural, muito rico, e que morreu tragicamente, com uma picada de cascavel. Sua avó, que não tinha nenhum documento, acabou sendo despejada da fazenda, junto com seus oito filhos. O pai teve os estudos bancados por um padre de Campinas até entrar na faculdade.

Foi observando o pai que desenvolveu interesse pela medicina. Aos 7 anos já preparava injeções e a fazer curativos.

Ele amava o campo e tentou de todo jeito fugir da cidade grande. Na hora de prestar vestibular tentou Unicamp, Botucatu (hoje Unesp) e a USP de Ribeirão Preto. Passou em Botucatu, onde também começou a residência em clínica médica, primeiro passo para se tornar cardiologista.

Mesmo depois de ganhar uma bolsa do Rotary International para estudar na Universidade da Califórnia, em Davis, ele planejava voltar para Botucatu. E tudo seguia conforme o planejado: ele passou num concurso para trabalhar na faculdade de medicina e antecipou o regresso ao país

Mas, segundo seu próprio relato, todos os concursos da época foram suspensos e ele acabou vindo para São Paulo junto com a mulher, Teresa. Começou como médico voluntário na Escola Paulista de Medicina (que deu origem à Unifesp), onde conhecia alguns colegas especialmente no departamento de cirurgia. Só depois de alguns anos apareceu a oportunidade de iniciar ali a carreira docente.

O cardiologista Antonio Carlos Carvalho em ensaio para edição especial da revista sãopaulo, com os melhores médicos de São Paulo (Keiny Andrade/Folhapress)

Começou como professor assistente e, em 1997, tornou-se titular. No começo da carreira dedicou-se ao cateterismo (modalidade de intervenção que, por exemplo, permite a desobstrução de vasos entupidos e a correção de defeitos de válvulas do coração, entre outras) em adultos e bebês.

Com o tempo, acabou migrando para a área de UTI, urgência e emergência, dedicando-se às chamadas síndromes cardiovasculares agudas. Ele foi um dos idealizadores da Rede de Infarto, que conseguiu reduzir o índice de mortalidade em até 74% em algumas unidades de saúde. Entre as medidas estava o treinamento de equipes, sistema de transferência rápida de doentes graves e emissão de laudos de eletrocardiogramas a distância.

Segundo dizia, o maior gargalo da área ainda é a integração entre poder público, sociedade médicas e unidades de saúde. “Nós temos ótimos profissionais ligados à Sociedade de Cardiologia, mas quem atende lá em Ermelino Matarazzo [distrito da zona leste de São Paulo, distante da região central] não é o cardiologista. Se ninguém fizer essa ponte, o conhecimento não chega na ponta, em quem mais precisa.”

Ele, que não teve filhos, se orgulhava da marca que deixava em seus alunos e residentes. “Esse pessoal é a continuidade do que a gente quer fazer, das coisas direitas, corretas. Algumas flores brotam e os lugares vão ficando mais bonitos. Fico feliz de poder ter participado disso.”

Uma de suas atividades favoritas era cuidar de um sítio, no interior de São Paulo, onde contabilizou ter plantado, junto com a mulher, mais de 5.000 árvores. Outro hobby era a astronomia. “O Universo é tão incrível, tão grande, com tanta coisa, que, ao observá-lo, ele te torna mais humilde”, disse o médico, que, de criação católica, dizia acreditar em Deus e admirar diversas religiões, como budismo e hinduísmo.

Carvalho deixa a esposa, a decoradora Teresa, que também foi atingida com o ônus da medicina. “A grande sacrificada foi a minha esposa”, contou. “Sacrifícios têm que ser feitos. Os médicos mais novos, que estão chegando, precisam dessa orientação: o paciente geralmente está mais necessitado que você. É só por acaso que você está do outro lado da mesa. Hoje o paciente não consegue nem contar a história dele direito —e muitas coisas poderiam ser resolvidas de forma simples, só ouvindo-o.”

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Como é pesquisar ao lado de um Nobel de medicina? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/como-e-pesquisar-ao-lado-de-um-nobel-de-medicina/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/10/02/como-e-pesquisar-ao-lado-de-um-nobel-de-medicina/#respond Tue, 02 Oct 2018 21:16:03 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/58266d3f0c60258e968583da55b917636df8e83aeb6432d7e3a2dc48de3f7503_5bb2a7edc2f20-320x213.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1011 No dia 1º de outubro de 2018, uma segunda-feira, a aposta de boa parte dos cientistas e médicos se concretizou: o Prêmio Nobel reconhecia a área da imunoterapia, que abriu avenidas de novas possibilidades para o tratamento do câncer. 

Os vencedores foram o americano James Allison e Tasuko Honjo. Você pode ler um pouco mais sobre a pesquisa deles na reportagem publicada pela Folha nesta segunda (1º) no em seu site e na edição impressa desta terça (2).  Agora trago um relato um pouco mais emotivo.

O biomédico Jorge Scutti teve a chance de trabalhar diretamente com Allison no MD Anderson Cancer Center, no Texas. Ele conta para o Cadê a Cura? um pouco de sua trajetória e como foi conviver com o célebre imunologista.

Leia abaixo:

Como acabei trabalhando com James Allison, Nobel de medicina de 2018, por Jorge Augusto Borin Scutti

Imerso no mundo do “Laboratório de Dexter” (desenho animado bastante conhecido entre quem cresceu na década de 1990) e do “Mundo de Beakman” (série educativa talvez ainda mais famosa), tinha certeza que meu destino tinha a ver com ciências.

Certa vez, na quinta série, lembro-me de ser o único a me candidatar para permanecer os três períodos em pé em um estande para apresentar um projeto de ciências sobre fertilização in vitro.

Aos 18 anos comecei a cursar biomedicina no interior de São Paulo. Lá conheci a imunologista Renata Dellalibera-Joviliano: cada explicação sobre o sistema imune me fascinava. Foi amor à primeira vista!  Tornei-me monitor de imunologia, ciência que estuda o comportamento do sistema imune na saúde e nos diferentes estágios das doenças.

Formado, me mudei para São Paulo e consegui passar no temido e concorrido processo seletivo de mestrado da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Lá fui orientado por Luiz Travassos, um dos principais nomes da ciência brasileira, parceria que se repetiu no doutorado.

Minha linha de pesquisa abrangia o estudo do modelo de melanoma murino [em camundongos] e da imunologia de tumores —a meta era entender como o sistema imune poderia ser modulado por peptídeos (pedaços de proteínas, por assim dizer) não oriundos de células cancerosas. A ideia era elaborar um modelo de vacina que pudesse ser usado em pacientes com melanoma (uma ideia parecida havia vingado nos EUA, mas com peptídeos originários de células de melanoma).

Após cinco anos na Unifesp, comecei meu período de pós-doutorado (período de aperfeiçoamento usual na carreira de pesquisadores) no departamento de pediatria do MD Anderson Cancer Center em Houston, um dos centros de pesquisa e atendimento oncológico mais importantes no mundo, localizado no Texas.

Durante um ano desenvolvi um modelo de imunoterapia (em que o organismo é estimulado reagir ao câncer) baseado em células NK (que destroem células infectadas ou cancerosas) para combater um tipo de câncer cerebral infantil conhecido como glioma pontino difusamente intrínseco (DIPG).  

Findo o pós-doc, teve início em 2015 minha carreira como pesquisador da plataforma de imunoterapia do MD Anderson, liderada pelo agora nobelista James Allison.

Na época estávamos tentando entender por que razão alguns pacientes e alguns tipos de tumores respondiam melhor a determinados tratamentos baseados em imunoterapia, principalmente no caso de drogas como pembrolizumabe, nivolumabe e ipilimumabe —que mudaram o panorama do tratamento de vários tipos de câncer, reduzindo muito a mortalidade sem trazer tantos efeitos colaterais.

A ideia era encontrar marcadores que pudessem predizer quais pacientes teriam mais chance de sucesso.

Eu me encontrava com Jim Alisson periodicamente em nossa reunião semanal. É um sujeito inteligentíssimo, cavalheiro e extremamente humilde, apesar do vasto conhecimento. Ele adorava que os pesquisadores trouxessem desafios, sentia-se bem ao ser estimulado intelectualmente.

Foram três anos de muito aprendizado, de noites sem dormir, de viagens a congressos, de discussões longuíssimas… Mas tudo valeu pena.

Meu sonho é um dia acordar e descobrir que a cura para o câncer foi encontrada. Mas certamente uma parte do meu sonho foi realizada ao trabalhar com Jim (aqui um artigo que publicamos juntos). Nada mal para um menino que cresceu em Matão, no interior de São Paulo: guiado pelas mãos de Deus tive a honra de contribuir com os estudos de um ganhador do prêmio Nobel de Medicina.

Outras pessoas que me ajudaram e me inspirarem no caminho foram os colegas pesquisadores e amigos Mariana Conde Pineda e Luis Miguel Vence, além de minha esposa Yasmim e meus filhos Catharina e Thales.

Os pesquisadores Jim Allison e Jorge Scutti
Os pesquisadores Jim Allison e Jorge Scutti (crédito: Arquivo pessoal)

 

 


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‘Hoje, HIV é problema mais social do que de saúde’, diz youtuber que se descobriu soropositivo aos 20 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/12/01/hiv-youtuber/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/12/01/hiv-youtuber/#respond Fri, 01 Dec 2017 18:36:30 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/comicholi-180x114.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=837 O youtuber Gabriel Comicholi resolveu contar para o mundo que tem HIV. De uma vez, assim que soube. Isso faz um ano e meio.

Em abril de 2016 ele estreava seu “HDiário”, onde relata e mostra como são os primeiros momentos de quem, de repente, se descobre com o vírus. No caso dele, o achado veio em um exame “de rotina” por conta de uma suspeita de caxumba.

As histórias passam por vários pontos, como o desastroso primeiro encontro com um infectologista (ele trocou de médico) e os efeitos dos remédios antivirais, como “grogueza”, moleza, calor e tontura (que somem depois de um tempo –hoje ele diz não sentir efeito colateral algum). 

Em uma avaliação sucinta dessa breve trajetória, Gabriel conta ao blog Cadê a Cura? que todas essas mudanças em sua vida o deixaram mais humano e o fizeram ter muito mais cuidado com a saúde.

Hoje, aos 22, ele se sente satisfeito por agir como uma espécie de “ponte para a informação”, atingindo pessoas que dificilmente receberiam a mensagem por meios tradicionais.

“O número de jovens em risco é grande e eles consomem mídia de maneira muito diferente hoje em dia. Não adianta fazer campanha para jovens em um canal de TV se o público-alvo dele são mulheres entre 54 e 70 anos”, diz.

Uma tecla em que Gabriel bate frequentemente é o uso de camisinha. “Todo mundo sabe que existe, mas poucos sabem todas as suas funções. O que mais aparece é o uso dela para prevenir gravidez precoce. Aí, um mês antes do Carnaval, aparece uma campanha. Mas ninguém consegue assimilar da forma como é colocado”.

Quanto à origem de sua própria infecção, o youtuber diz até tê-la investigado, mas não se recorda de nenhum possível deslize. “Nunca tive relação sem camisinha”. O que importa para ele, no entanto, é o que ele pode fazer para si mesmo e para os outros a partir de agora.

ORGÂNICA

Ele defende que no tema HIV/Aids haja uma comunicação “mais orgânica” e eficaz. “A informação que chega para mim não é a mesma que chega para uma travesti negra de periferia.”

Em sua avaliação, a principal questão é que o HIV e a Aids hoje se tornaram um “problema mais social do que físico, de saúde”.  “Não existe mais uma ‘cara’ da doença, o tratamento está avançado. O que precisamos é realmente lutar contra o preconceito e a falta de informação que faz os números ainda hoje crescerem. Não é algo que se possa jogar para debaixo do tapete. Precisamos curar o preconceito e quebrar o estigma para falarmos mais sobre isso”.

Nesta sexta, 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, Gabriel participou de uma ação da marca de maquiagens MAC, que reverte toda a renda da linha de batons Viva Glam para instituições que atuam na causa. A arrecadação mundial anual fica na casa das centenas de milhões de dólares, segundo a empresa.

Veja abaixo dois vídeos de Gabriel Comicholi: a primeira entrada em seu “HDiário” e o vídeo publicado nesta sexta (1º).

 

 


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Elas nem acabaram a faculdade e já publicaram um artigo sobre zika na ‘Nature’ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/16/elas-nem-acabaram-a-faculdade-e-ja-publicaram-um-artigo-sobre-zika-na-nature/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/16/elas-nem-acabaram-a-faculdade-e-ja-publicaram-um-artigo-sobre-zika-na-nature/#respond Mon, 16 May 2016 09:06:39 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/nath-e-cecis-180x116.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=100 Cecília Benazzato, 25, e Nathalia Almeida, 21, ainda nem se formaram na faculdade. Isso, no entanto, não impediu que elas conquistassem algo que muitos pesquisadores de longa trajetória não têm: um artigo na revista “Nature”.

Os parentes e os amigos sem muito contato com a área acadêmica nem sempre entendem o que isso significa, mas vou arriscar uma metáfora futebolística: é como marcar um gol na Copa do Mundo.

Elas fizeram parte do grupo que publicou, na última semana, o estudo que mostrou, pela primeira vez, que a infecção com vírus da zika pode causar microcefalia em um modelo experimental animal (camundongos). O leitor caiu de paraquedas no assunto? Leia o post do Cadê a Cura? a respeito.

Neurosferas normais

Neurosferas após ação do vírus da zika
Acima, neurosferas-controle; abaixo, neurosferas após a ação do vírus da zika (crédito: Nathalia Almeida e Cecília Benazzato)

Antes de embarcarem na jornada que resultou na memorável publicação, cada uma tinha seu projeto, e eles não tinham nada a ver com zika. Cecília conta que sempre teve um fascínio por neurociência, particularmente por autismo e Alzheimer –a doença neurodegenerativa seria tema de sua pesquisa.  Nathalia tinha a ideia de estudar culturas de células neuronais na forma de agregados conhecido como neurosferas (pequenas bolotas de neurônios), entender melhor e caracterizar esse modelo experimental.

O mundo delas virou de cabeça para baixo quando, alguns meses atrás, a professora da USP Patrícia Beltrão Braga, resolveu mudar a linha de pesquisa de todos os seus alunos. O autismo, as neurosferas e o Alzheimer ficaram de lado para dar lugar ao vírus da zika e sua ligação com a microcefalia.

“É a hora dos cientistas brasileiros brilharem”, teria dito a professora a seus orientados.

MUDANÇAS

E deu no que deu. Mas a jornada ate lá, afirmam as jovens alunas, não foi fácil. Cecilia largou o trabalho na área de TI para poder frequentar o laboratório de dia e a faculdade à noite; Nathalia mudou de casa, de Guarulhos para perto da Cidade Universitária (zona oeste da capital), para não perder tempo com deslocamento. Em ambos os casos, foram escolhas financeiramente custosas.

Após o início da força-tarefa da zika, o bicho pegou. “Muitas vezes a gente entrava às 7h e saia só meia-noite”, relata Nathalia.

“A gente perdeu a liberdade de ‘poder errar’, que um aluno de iniciação científica geralmente possui –tínhamos de fazer tudo muito concentradas para evitar atrasos na publicação”, conta Cecília, que diz ter perdido algumas aulas por causa dos experimentos.

Foram várias indas e vindas, com sucessivas reanálises e novos experimentos, sempre contra o relógio.  A revista recebeu o artigo pela primeira vez em 8 de março de 2016, a publicação saiu dois meses depois, no dia 11 de maio.  Não é tanto tempo, mas, tratando-se de uma área competitiva e de interesse internacional como a zika, qualquer atraso pode significar a obsolescência.

As intrépidas graduandas de biomedicina (Nathália é da Unifesp e Cecília, da FMU) ficaram responsáveis pela manutenção das neurosferas e dos minicérebros (organoides cerebrais, leia mais aqui) usados na pesquisa. Elas também cuidaram da confecção das figuras do artigo científico.

Nahalia Almeida, 21, e Cecília Benazzato, 25
As futuras biomédicas Cecília Benazzato, 25, e Nathalia Almeida, 21 (crédito: Arquivo pessoal)

Outra parte que ficou por conta das meninas foi a extração de RNA de células nervosas. “Eu ia dormir e fica pensando em RNA, Trizol [reagente usado para extrair RNA]…”, diz Nathalia. “Aluno de Iniciação Científica não tem muita experiência… Eu fiz o que pude, dei minha vida. Tinha uma doutoranda responsável, a gente fazia de tudo para ajudar: extraia [RNA], quantificava, limpava o laboratório, acompanhava…”

As duas se consideram “sortudas”, por terem estado no lugar certo, no momento certo –não é sempre que surge a oportunidade de participar de um “projeto expresso” que tem chances de publicação na “Nature”. Elas foram parar no laboratório da professora Patrícia por indicação de colegas que já haviam passado por ali.

INGLATERRA

Para o futuro, Cecília planeja continuar os estudos na USP. Ela deve se formar no final do semestre e fazer a prova de seleção para o mestrado.

Nathália planeja se formar no final do ano, embora não tenha nem começado o projeto de caracterização das neurosferas, que seria seu TCC. Vai ficar um pouco corrido, mas ela acredita que dá tempo.

Depois, ela pretende voltar para a Inglaterra, onde estudou pelo programa Ciência sem Fronteiras por um ano, na Universidade de Sheffield. “Lá, o pesquisador não precisa esperar por reagentes e material de pesquisa –dá pra compeçar um projeto no mesmo dia em que você tem a ideia”.

Para se manter no exterior, ela deve buscar financiamento de agências de fomento ou de pesquisadores que dispõem de verba já aprovada, “Agora, com a ‘Nature’ no currículo, as chances aumentam”.

 


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