Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Enfermeiras, psicólogas, nutricionistas e assistentes sociais têm mais desafios na carreira acadêmica https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/25/mulheres-e-desafios-na-academia/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/25/mulheres-e-desafios-na-academia/#respond Mon, 25 Jun 2018 16:00:34 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/40950954424_f5f6238137_k-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=961 Na área da saúde, algumas profissões são predominantemente femininas —nos EUA, as mulheres são 83% dos enfermeiros, 91% dos nutricionistas, 70% dos psicólogos e 82% dos assistentes sociais. No Brasil, o cenário é semelhante.

Segundo as conclusões de um simpósio realizado em Orlando no congresso anual da ADA (Associação Americana de Diabetes), essas profissionais têm um grau de dificuldade aumentado dentro da carreira acadêmica, quando pretendem ser professoras universitárias,  pesquisadoras e líderes científicas em suas áreas.

Um fator que contribui para isso é a prioridade baixa atribuída às disciplinas que elas ministram —a remuneração delas é pior e há o rótulo depreciativo de essas áreas serem “ciências soft”, em oposição às ciências duras (hard), como matemática, física, química ou engenharia.

Não se ganha status por ministrar, por exemplo, cursos com foco na prevenção de doenças, do cuidado com o paciente ou na mudança de hábitos de vida, apesar da importância de iniciativas do tipo. Como existe um estigma de feminização dessas áreas, a participação masculina também é reduzida.

Sem prestígio, é pouco provável que essas profissionais assumam posições de liderança e de gestão de serviços de saúde, por exemplo. No fim das contas, elas acabam muitas vezes tomando papéis secundários, vice-chefias, à sombra dos homens, geralmente médicos.

Felicia Hill-Briggs, presidente da seção de medicina e ciência da ADA e uma das palestrantes do simpósio, enumerou algumas características que fazem diferença na trajetória de mulheres de sucesso:

  • Ter a casca grossa, ou seja, não se deixar abater com facilidade;
  • Ter um mentor forte na instituição;
  • Permanecer flexível e criativa;
  • Criar ela mesma oportunidades de liderança e aproveitar as chances para fazer mudanças no sistema;
  • Alavancar a carreira de outras mulheres.

Homens geralmente dependem mais apenas do próprio esforço do que as as mulheres. Já elas têm praticamente de pavimentar a própria trilha. “Mesmo com um currículo parecido, muitos homens avançam na carreira e as mulheres não. Nós precisamos aprender mais sobre os caminhos institucionais e com quem falar”, diz a psicóloga, que é professora da Universidade Johns Hopkins.

Ela, que é negra, afirma que o preconceito racial pode agravar a situação. “É comum ouvir que ‘alguém como você’ não pode assumir determinada posição de liderança.”

A médica Elizabeth Seaquist, da Universidade de Minnesota, afirma que mesmo com a fração de mulheres em ritmo crescente entre o total de docentes da área médica, nas posições mais altas da carreira, em dados de um conjunto de instituições, elas ainda se encontram subrepresentadas, com a proporção estagnada na casa dos 20%.

Outro grande problema, diz, é a questão do assédio no ambiente acadêmico. “Não é por acaso que grandes revistas médica, Jama e New England Journal of Medicine, recentemente trataram do tema.”

“As mulheres não sabem se é seguro falar a respeito desses assuntos, se não vão sofrer represálias.” Nesse sentido, o impacto do movimento #metoo é bem-vindo e pode fomentar o funcionamento adequado dos comitês institucionais antiassédio, opina.

Em um documento recente lançado pela as academias nacionais de Ciência, Engenharia e Medicina, as instituições afirmam que as ações de combate ao assédio tem falhado e sugeriram reformas profundas  e punições severas para lidar com a questão.

O jornalista viajou a Orlando a convite da Sanofi


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Campanha no Paraná é chance de ouro para fabricante de vacina contra a dengue https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/campanha-no-parana-e-chance-de-ouro-para-fabricante-de-vacina-contra-a-dengue/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/26/campanha-no-parana-e-chance-de-ouro-para-fabricante-de-vacina-contra-a-dengue/#respond Tue, 26 Jul 2016 23:45:34 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/13383578915_a94b2952ae_k-180x145.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=281 A campanha de vacinação contra a dengue pela qual passará Paranaguá e outras 29 cidades do Paraná será uma oportunidade de ouro para que a multinacional francesa Sanofi mostre a que veio.

A região concentra a maior parte dos casos do Estado e espera-se grande benefício no controle da doença, que assusta a população e o governador Beto Richa (PSDB).

Há uma limitação inicial de 500 mil doses, que serão adquiridas a R$100 cada –menos do que o preço oficial de R$ 138,53.

O investimento não é tão pesado, e o preço pago por dose, especialmente se considerarmos trata-se de um lançamanto, não é tão salgado. Uma única dose de vacina quadrivalente contra a gripe custa esse mesmo tanto.

Mas há problemas. Uma das principais desvantagens da vacina é a necessidade de três doses para que seja atingido um patamar “aceitável” de proteção.

Digo aceitável porque a proteção fornecida não é completa (fica na casa dos 66%. Há um sorotipo da dengue (de quatro existentes), o DENV2, para o qual a proteção é de 47%. –a circulação atual da região, segundo informa reportagem da Folha, é formada predominantemente de DENV1, contra o qual a  proteção fornecida pela vacina é de 58%.

(Vale registrar aqui que a proteção da vacina da Sanofi Pasteur contra o DENV3 e o DENV4 são de 73% e 83%, respectivamente.)

O argumento que sempre é e que sempre poderá ser usado pela Sanofi (até que alguma vacina concorrente seja lançada) é o da redução das internações (80%), de casos graves de dengue e de dengue hemorrágica (93%).

As cidades da campanha de vacinação abrangem 80% dos casos do Paraná, que teve um aumento no número de casos de 60% em relação ao ano anterior. Houve 61 mortes.

É a chance de ouro que a Sanofi tem para provar que, apesar do baixo índice de proteção, que vale a pena investir algumas centenas de reais por pessoa imunizada contando com a economia em hospitalizações. O governador diz que o prejuízo com a dengue já superou os R$ 330 milhões em 2016. Não está claro como foram feitas as contas, mas a construção dos argumentos faz a vacina parecer uma boa ideia.

Claro que aqui estamos só tratando da briga contra o vírus, impedindo que ele circule em parte da população. Para vários especialistas, o combate aos vetores, em especial o Aedes aegypti, é a principal arma para acabar com a doença, mas estamos falhando há décadas nesse cabo de guerra contra os aedes. No meio de tanta descrença, quem sabe a vacina mostre que há uma luz no fim do túnel.

 


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Médicos de 18 países estão tentando reviver cérebros mortos https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/22/medicos-de-18-paises-estao-tentando-reviver-cerebros-mortos/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/22/medicos-de-18-paises-estao-tentando-reviver-cerebros-mortos/#respond Fri, 22 Jul 2016 15:43:32 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/quatro-180x125.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=272 Quem quer viver para sempre? Difícil dizer. Quase todos, no entanto, adorariam estender a vida um pouquinho mais, ainda mais no caso de uma morte trágica, como em um acidente de moto.

Na última segunda (18), saiu na Folha uma reportagem minha sobre os indianos que estão tentando reverter quadros de morte cerebral. A pesquisa conseguiu um inédito registro de ensaio clínico e deve testar quatro abordagens para tentar reviver um cérebro morto. Se você não leu, veja lá (tem até HQ).

Aqui, no blog Cadê a Cura?, quero continuar tratando da questão, e contar um pouco de minha conversa com Ira Pastor, CEO da Bioquark, que patrocina o estudo indiano. O principal interesse da empresa é o teste da Bioquantina, um extrato à base de oócitos (células precursoras do óvulo) de anfíbios.

ZUMBIS

Além do alarde que a notícia causou ao percorrer o mundo, também houve uma chuva de críticas. Uma das mais recorrentes é a de que eles estariam iniciando um “apocalipse zumbi”, tal como vemos em séries e quadrinhos.

A afirmação tem pouco fundamento. A parte verdadeira é que não se sabe em que estado essas pessoas “regressarão” de seu estado prévio de morte cerebral –muito do que elas foram pode ter sido perdido nas várias horas de inatividade cerebral que precederiam as intervenções dos pesquisadores, como células tronco e injeções de Bioquantina).

O resto é mentira: em apocalipses zumbis, o cenário imaginado –e mais plausível– é aquele em que um vírus é responsável por espalhar a “doença zumbi” ou em que zumbis transformam seres humanos em zumbis (mordendo-os, por exemplo), até que quase não existam mais “pessoas não zumbis”. Não dá para misturar alhos com bugalhos. Uma técnica de ressuscitação, por mais bizarra que seja, não é “transmissível”.

ÉTICA

Outra crítica comum foi a ausência de testes em espécies inferiores, como roedores e outros primatas. Como acontece no caso da fosfoetanolamina (“fosfo” ou “pílula do câncer”), a pesquisa estaria pulando etapas.

Difícil escapar dessa, mas Ira Pastor tenta: “De uma perspectiva estritamente bioética, quando você tem o envolvimento dos comitês de ética institucional e regional, a concordância da família, e a longa história desse tipo de pesquisa envolvendo “cadáveres vivos”, nós nos sentimos particularmente seguros.”

Sobre o quão fácil teria sido para vencer as barreiras e leis regulatórias, Pastor diz:

Na maioria dos países, há poucas obrigações regulatórias escritas no que se refere à pesquisa com aqueles que “recentemente faleceram” –claro que, ao trazermos essa questão à tona, não há dúvida de que as regras vão mudar. E quando houver novas regras, nós vamos lidar com elas quando for a hora, da maneira apropriada.

Na nossa opinião, o mais importante é que o mundo está aprendendo que essa maneira de fazer pesquisa existe. E que muitos médicos com os quais estamos lidando (de 18 países até agora) estão explorando maneiras de implementar esse protocolos onde atuam.

Os países podem inclusive desautorizar esse tipo de estudo, o que sem dúvida alguma pode acontecer. No entanto, em uma era de crescente expansão da flexibilidade no âmbito do acesso de pacientes “sem opção”, eu odiaria estar no lugar dos agentes reguladores e ter de explicar as famílias daqueles que acabaram de morrer que seus entes queridos não merecem esse tipo de oportunidade ou o “direito de tentar”.

LIMITES

Sobre estarem “brincando de Deus”, Pastor diz que o argumento foi usado por mais de um século sempre que houve um novo estudo que mudasse um paradigma, como o surgimento dos desfibriladores cardíacos e da respiração mecânica, além do transplante de órgãos.

Nós somos bem abertos à crítica científica em geral. Muitos cientistas  acham que o projeto é “demasiadamente ousado” –e isso não deixa de ser verdade. No entanto, nós antecipamos isso e, francamente, é até divertido sentar com esse povo e explicar nossas ideias. Eles acabam sendo “convertidos” e dizem: “ Wow, isso ainda é muito ousado mas vocês podem estar no caminho certo e, de repente, até conseguir algo.”

Não aceitamos quando dizem “vocês não devem seguir esse caminho por que vocês são capazes de obter sucesso”, o que se traduziria em levar um sujeito com morte cerebral para um estado de coma e assim dar a ele uma baixa qualidade de vida e mais custos para o sistema de saúde.

Esse tipo de crítica é ridículo –será que uma pessoa morta tem uma qualidade de vida melhor que a de um paciente em coma?. Pensando que podemos ter sucesso nessa transição científica monumental, seria ingênuo pensar que tudo estaria acabado e que não faríamos testes em outras condições que afetam o estado de consciência, fazendo eventualmente os pacientes acordarem.

Além disso, em um sistema que gasta trilhões de dólares anualmente, nós achamos que alguns pacientes em coma a mais não farão tanta diferença assim.

E você? O que acha desse projeto?


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A estranha história do vírus bovino que, até agora, não explicou microcefalia nenhuma https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/08/a-estranha-historia-do-virus-bovino-que-ate-agora-nao-explicou-microcefalia-nenhuma/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/08/a-estranha-historia-do-virus-bovino-que-ate-agora-nao-explicou-microcefalia-nenhuma/#respond Fri, 08 Jul 2016 20:58:24 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/sorofetal-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=246 Em algumas cidades do Nordeste, o índice de microcefalia é notório, muito maior que em outros lugares onde também há mosquitos aedes e vírus da zika circulantes.

A vontade de muitos pesquisadores é explicar essa situação. Será que em alguns locais a microcefalia é mais grave que em outros? Por que há mais casos no Nordeste do que no Sudeste, por exemplo, sendo que nas bandas de cá também há mosquitos e vírus aos montes?

Hoje ninguém discute que o vírus da zika causa microcefalia: já há evidência acumulada equivalente há décadas de pesquisas anteriores no mesmo tema. No entanto, ainda há uma grande lacuna: explicar essa discrepância geográfica em relação às consequências da infecção. Vale lembrar que os danos da zika podem ser muito mais sutis do que a alteração da circunferência da cabeça e do tamanho do cérebro.

As hipóteses são as mais variadas. Nutrição inadequada, background genético e coinfecção viral são algumas delas. Nesta última se ancora a recente polêmica a respeito de que um vírus bovino (VDVB –vírus da diarreia viral bovina) poderia agravar os efeitos da zika.

Os cientistas, segundo informações que chegaram à imprensa, teriam achado vestígios do VDVB em tecidos de fetos e recém-nascidos com zika que morreram.

O problema, como mostrado em reportagem minha publicada na última quarta na Folha, é que existe uma grande chance de esses achados se deverem a um produto muito usado em laboratório, o soro fetal bovino.

Resumindo a ópera, os cientistas teriam, primeiro, que descartar qualquer chance de contaminação laboratorial das amostras antes de dizer que havia chance de infecção pelo vírus bovino.

Não parece ser o caso, porém. Se fosse real, seria um senhor achado científico –nunca antes foi detectada uma infecção humana, conta o virologista especializado em VDVB da UFRGS Paulo Roehe.

Como hipótese e resultado vazaram (concomitantemente a uma reunião sobre o tema entre pesquisadores e representantes do governo), era esperado que o alarmismo, como sempre acontece, ocupasse o espaço da prudência.

Resta-nos torcer para que os cientistas, jornalistas e população não caiam nas ciladas das explicações fáceis e que o governo mais ajude do que atrapalhe nesse processo de descoberta.


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Em atenção ao meu último post, quando discuti um pouco do imbróglio científico brasileiro, o professor de filosofia (e de filosofia da ciência) Wagner de Campos Sanz, da Universidade Federal de Goiás, escreveu o e-mail abaixo. Volto adiante.

 

Caro Sr. Gabriel Alves,

De modo geral, podemos dizer que o senhor coloca-se do lado correto no campo da disputa entre aqueles que defenderiam mais verbas para a pesquisa e aqueles que como o governador de São Paulo estariam em contra. Como o governador não se manifestou publicamente, a filtração tem que ser tomada com muito cuidado, pelas razões que exporei abaixo

Adicionalmente, a saraivada disparada pela profa. Suzana Houzel deve ser tomada com cuidado. Ela é apreciada no país, mas tomou a decisão de se afastar do Brasil e dirigir-se aos EUA e certamente ela precisa produzir algum tipo de justificativa perante a comunidade na qual ela atua de forma imediata.

Não acredite que o Brasil é pior país do mundo para fazer pesquisas. Se você olhar para a península ibérica verá dois países que vivem uma crise brutal, muito maior que a nossa, sofrem uma redução muito mais drástica em suas verbas e ainda assim possuem pesquisadores gabaritados. Ninguém simplesmente troca de país para outro pelo fato de que as verbas para pesquisa não são suficientes e isso vale na maior parte dos países do mundo! As trocas como a da profa. Houzel costumam envolver uma grande dose de ambição e motivação estritamente pessoal, incluindo as finanças pessoais. Não queremos com isso dizer que não existam razões objetivas para a troca. Todavia, diferentes atores vêm a situação de modo diferente.

O que é inaceitável na argumentação de Houzel, na sua própria e na do governador é o fato de assumir que uma parcela pequena e não expressiva da comunidade acadêmica poderia decidir o que é e o que não é relevante na pesquisa e, assim, decidir quem recebe e quem não recebe financiamento. Aliás, essa foi uma das características do PSDB na administração federal que criou a excrescência dos chamados centros de excelência. O partido favoreceu vários grupos politicamente próximos a ele que foram tratados como centros de excelência sem ter as condições para isso, ou seja, sem ter o reconhecimento internacional para tanto. E esses centros não estiveram restritos a área biológica.

Porém, o que parece-me mais notável como lacuna no seu texto é o fato de que o problema das verbas vem a público intimamente alinhado com um ambiente político mais e mais influenciado pela religião e sobretudo em uma área muito sensível ao debate metafísico-teológico, as biomédicas. Não só cogita-se um ministro criacionista como o próprio governador é reconhecidamente um cristão ligado a movimentos de direita dentro da igreja, coisa que você não comentou.

 

Saudações,

Wagner Sanz

Dr. em Filosofia, UFG

 

Retorno. De fato, eu, Suzana Herculano e o governador Geraldo Alckmin temos (aparentemente) um ponto comum de pensamento: os melhores devem ter mais verba. Para um leigo, existe um jeito melhor de buscar uma cura ou de entender um fenômeno do que apostar as fichas no melhor cientista da área?

A  métrica utilizada, contudo, deveria contemplar tanto áreas “estratégicas” quanto a produtividade do pesquisador. Claro que decidir o que é ou não estratégico cabe a um bom gestor, e é essa a parte da equação que provavelmente traria mais erros, ou injustiças, na distribuição do dinheiro.

Dar mais para os melhores não significa que os menos excelentes devam ser limados –o que existe na academia hoje é muita gente acomodada atrás da “isonomia”. Marcelo Leite, em sua coluna desta segunda (9), intitulada “Fracos e Medíocres”, trata muito bem do tema.

Sobre a possível falta de nacionalismo de Suzana, não gosto do julgamento. Mayna Zatz, uma dos melhores pesquisadoras na área de doenças neuromusculares (como a distrofia de Duchenne), resolveu ficar no país, na USP; o geneticista Alysson Muotri é professor da Universidade da Califórnia em San Diego, onde pesquisa, entre outras coisas, as mudanças neuronais do autismo. É possível listar inúmeros exemplos de ótimos cientistas que ficaram ou que foram.

Eu só lamento a nossa capacidade de retenção não ser maior do que a atual. Com a evasão, o país perde a chance de avançar cientificamente mas a cura para uma doença não deixará de ser encontrada por falta de motivação.

CRIACIONISMO

Toma-se como prudente a separação entre ciência e religião. Difícil discordar ao ver absurdos científicos como a “Teoria do Design Inteligente” (nome quase palatável do criacionismo científico).

Em política, estamos sujeitos aos achismos de quem quer que seja –ateu ou bispo. Encontrar os coeficientes (ou pesos) adequados para cada elemento da somatória de considerações de cada ponto de vista está longe de ser uma ciência exata.  

A ciência não vai se livrar da influência da religião (como já aconteceu no caso das células-tronco embrionárias) assim como a religião não vai deixar de ser questionada pela ciência (quando se nega a evidência da diversificação das espécies por um mecanismo não divino ou quando se afirma que a Terra tem 10 mil anos de idade).

Não acho impossível que um religioso possa ser um bom gestor científico, mas o tom de enfrentamento de colocar um criacionista no MCTI certamente não foi salutar para a ainda teórica gestão Temer. Se consolidada, a indicação não agregaria valor à pasta e sinalizaria (mais uma vez) o quão desimportante é a ciência para nossos políticos. Atualmente já hipotetiza-se um “desconvite” Marcos Pereira (PRB) para a Ciência no também hipotético governo.

Enfim, o erro de impedir que o povo se beneficie de uma boa ciência no país não muda de tamanho por ter vindo de um cristão da Opus Dei ou de uma revolucionária marxista.

 


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Se quiserem saber mais sobre a terra de ninguém entre ciência e religião, leiam o blog “Darwin e Deus”, do excelente Reinaldo José Lopes.

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A crise e os tropeços científicos no Brasil: Alckmin, ‘fosfo’, Suzana Herculano e ministro criacionista https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/#respond Fri, 06 May 2016 09:30:02 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/Creación_de_Adán_Miguel_Ángel-180x82.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=59 O melhor jeito de encontrar novos tratamentos para doenças, entender as relações humanas de uma comunidade pré-histórica ou decifrar as forças que regem o Universo é por meio da pesquisa científica. Para isso, são necessários alguns ingredientes fundamentais: pessoas com boa formação, interessadas em dedicar-se ao ofício; verba; acreditação e estímulo do poder público e da sociedade.

Os problemas não são de hoje, mas os últimos dias foram notáveis –sofremos golpes em cada uma dessas cláusulas pétreas.

Comecemos pelo dinheiro. Ao dizer que muitos dos estudos apoiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) não tinham finalidade prática e que não deveriam ser financiados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) revelou um pouco mais de como sua cabeça funciona nas questões de ciência e saúde.

A resposta foi dura e veio de todos os lados, inclusive da Fapesp –que faz uma análise estratégica e meritocrática de quais projetos vai apoiar. Chega a ser curioso: é o próprio governador quem escolhe o presidente da fundação. O comentário de bastidor revela a lamentável falta de sintonia do mandatário com a agência de fomento.

O governador também foi um dos primeiros a abraçar a popular causa da fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, cuja efetividade, ao menos por ora, é meramente especulativa e pouco respalda por experimentos científicos.

Criticar a pesquisa básica, um dos motores do desenvolvimento cultural e social, e apoiar estudos desacreditados e a produção de um remédio incerto não condizem com a formação na área médica e com a longa trajetória política de Alckmin.

A pesquisa científica no Brasil já anda despriorizada, subfinanciada. Com a crise, milhares de mestrandos e doutorandos (que são os que realmente põem a mão na massa) ficaram sem bolsas de estudos da Capes, fundação ligada ao MEC, afetando a formação da próxima geração de pesquisadores do país.

Em São Paulo, o dinheiro destinado pela Fapesp para bolsas de pesquisa está sujeito a um ajuste (para mais ou para menos) de acordo com a receita do Estado –e o panorama não é favorável.

Os professores universitários e pesquisadores também viram os financiamentos para seus estudos minguarem. O dinheiro é essencial para comprar reagentes, equipamentos e custear viagens, por exemplo.

JEITINHO AMERICANO

Até a criatividade do brasileiro tem limites. Depois de ter de lançar mão de uma campanha de crowdfunding para manter seu laboratório funcionando por algum tempo, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel anunciou sua saída da UFRJ para a Universidade Vanderbilt, nos EUA (bom para os irmãos do norte, ruim para a gente).

Além do financiamento parco, ela reclama do engessamento da carreira acadêmica –não é possível negociar salários ou usar dinheiro de pesquisa de uma maneira eficiente (leia aqui entrevista dada à Folha).

Para quem fica nesta terra, o cenário acaba de piorar um pouco mais. O provável governo Temer já está negociando entregar o ministério da Ciência e Tecnologia ao comando do PRB. O assunto veio à tona com força porque o favorito a assumir a pasta, o deputado federal Marcos Pereira, presidente nacional do partido, é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

Ele se declara criacionista –o criacionismo nega a evolução das espécies e ignora a maioria do conhecimento biológico obtido no último século. Se existe algo que deixa biologistas (e outros, como geólogos) furiosos –a esmagadora maioria não criacionista– é ver essa “teoria” ganhar espaço na ciência. Imagine como esses pesquisadores se sentem com a verossímil hipótese de um criacionista no comando do ministério, escolhendo projetos prioritários…

Muita gente, de novo, ficou brava. Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência queria alguém mais técnico e lamentou o troca-troca na pasta. Em nota que não citava explicitamente o nome de Pereira, a Sociedade Brasileira de Física declarou: “Nos parece inaceitável a indicação de um ministro com posições ideológicas ortogonais às da ciência moderna.”

Por mais que Pereira possa ser um bom gestor, o talvez futuro presidente Michel Temer já começa dando um passo atrás nas relações com a comunidade científica, já tão abalada e renegada.

Para a Saúde, ele cogita nomes de médicos importantes, de fora da política partidária. Por que não manter esse critério para a Ciência? A proposta até então aventada é a de que seu possível governo seria de coalizão, para botar a casa em ordem.

Concluindo: toda essa fragilidade atravanca o progresso e adia ainda mais o sonho brasileiro de se tornar um país desenvolvido, capaz de brigar em pé de igualdade por descobertas científicas, inclusive novos remédios e tratamentos para as diversas doenças que nos afligem. A cura para nossa ciência, ao que tudo indica, ainda está um tanto distante.

Enquanto o país sofre para achar algum caminho viável, só resta desejar boa sorte para Suzana lá nos EUA. Por favor, não se esqueça de nós.


Leia mais sobre esse mesmo assunto: A crise e os tropeços científicos no Brasil 2: religião, nacionalismo e desenvolvimento

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