Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Cientistas lançam observatório de Covid-19 no Brasil em tempo real e dizem que casos podem chegar a 1.600 em quatro dias https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/03/18/cientistas-lancam-observatorio-de-covid-19-no-brasil-em-tempo-real-e-dizem-que-casos-podem-chegar-a-1-600-em-quatro-dias/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/03/18/cientistas-lancam-observatorio-de-covid-19-no-brasil-em-tempo-real-e-dizem-que-casos-podem-chegar-a-1-600-em-quatro-dias/#respond Thu, 19 Mar 2020 00:21:28 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/2020-03-18T205347Z_1558208637_RC2KMF93VQQF_RTRMADP_3_HEALTH-CORONAVIRUS-BRAZIL-320x215.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1309 Um grupo de pesquisadores brasileiros lançou nesta quarta (18) o Observatório Covid-19 BR, que, além de apresentar os dados da epidemia em tempo real no Brasil, traz informações como o tempo que o número de infectados leva para dobrar e o número reprodutivo, que indica para quantos outros indivíduos uma pessoa infectada em média transmite o vírus.

Segundo as projeções da ferramenta, com dados de até terça (17), o país terá, em 22 de março, daqui a quatro dias, entre 854 e 1618 pessoas com a doença. A previsão não vai além porque a incerteza para a estimativa seria muito grande —assim com o número de infectados, o tamanho da incerteza cresce exponencialmente.

Um dos cientistas envolvidos é Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp. “ Acreditamos que a máximo de transparência é a melhor política a ser adotada”, diz.

Gráfico e projeção na plataforma nesta quarta (18) (Reprodução)

“É uma iniciativa superimportante e que pode trazer um pouco de senso de realidade para os não crentes na enorme crise que se aproxima”, diz Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, que não participa do projeto.

É interessante que se montem essas iniciativas, mas é preciso sempre muita cautela em ler os dados. A gente tem visto mudanças no perfil de transmissão desde o surto italiano. Vai ser interessante poder avaliar a validade das predições ao longo do tempo –pode vir a ser um material valioso”, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Ele afirma que  a ferramenta pode ser importante para mensurar o efeito prático de medidas como o distanciamento social.

O observatório não recebeu apoio financeiro direto, mas é tocado por pesquisadores cujos trabalhos são bancados por Fapesp, Capes e CNPq. Os dados são obtidos do Ministério da Saúde e os métodos são abertos para quem tiver interesse. “O que mais necessitamos neste momento é que os dados sobre os casos sejam disponibilizados o mais rápido possível”, diz Kraenkel.

Em média, segundo os cálculos do grupo, no Brasil uma pessoa propaga o vírus para 3,2 outras (com um intervalo de confiança que varia entre 2,3 e 4,4 indivíduos), algo parecido com que vem sendo observado em outros países.

Outra análise que ajuda a entender como está a situação do Brasil é a do tempo que leva para os casos confirmados duplicarem (2,54 dias no país, segundo o cálculo mais recente), é sumarizada no gráfico abaixo:

 

Evolução na velocidade da epidemia em diferentes países; quanto menor tempo de duplicação, mais rápido a epidemia se desenvolve (Vítor Sudbrack/Observatório Covid-19 BR)

“Uma das lições interessantes do gráfico é que há sempre um atraso: os efeitos das medidas de distanciamento social surgem dias após serem tomadas. Isso porque o reflexo no número de infectados é alimentado pelas pessoas ditas em período de incubação, elas já têm o vírus, porém sem sintomas”, diz o físico Vítor Sudbrack, mestrando e pesquisador do Observatório Covid-19 BR.

Segundo Sudbrack, o fato de países europeus apresentarem taxas de duplicação próximas reflete a similaridade das sociedades —estrutura, medidas e protocolos de testagem. “Lentamente, Itália e Espanha estão reduzindo a velocidade de propagação, mas os reflexos das medidas severas tomadas semana passada ainda estão por vir.”

Também é notável a diminuição dessa taxa na Coreia do Sul, reflexo de seu abrangente programa de testagem. O fato de o Brasil ter a política de testar somente casos graves, avalia Kraenkel, introduz ainda mais incerteza nas projeções do observatório.

Já o Irã, um dos países com maior número de infecções e de mortos, teve seu início de epidemia em velocidade altíssima, mas hoje esse número estacionou. A diminuição se deve, diz Sudbrack, a medidas de isolamento tomadas semanas atrás .

“No Brasil, a velocidade de propagação —especialmente em São Paulo e Rio, as regiões de transmissão comunitária— está semelhante à da Espanha, por exemplo. Adotar as medidas de isolamento social é fundamental para que essa velocidade de espalhamento mude até o fim desta semana”, especula Sudbrack.

Uma das questões ainda sem respostas é o impacto de pessoas assintomáticas nessa dinâmica. “Estudos com dados da China mostram que ao menos 25% dos casos teremos origem em alguém sem sintomas, mas que depois os apresentaram”, diz Kraenkel.

Fazem parte do esforço também os pesquisadores Caroline Franco, do IFT-Unfesp; Paulo Guimarães Jr e Paulo Inácio Prado, do Instituto de Biologia da USP; Rodrigo Corder, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e Renato Coutinho, do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC, entre outros.


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Entenda o que é crescimento exponencial e o que ele tem a ver com a pandemia de coronavírus https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/03/16/entenda-o-que-e-crescimento-exponencial-e-o-que-ele-tem-a-ver-com-a-pandemia-de-coronavirus/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/03/16/entenda-o-que-e-crescimento-exponencial-e-o-que-ele-tem-a-ver-com-a-pandemia-de-coronavirus/#respond Mon, 16 Mar 2020 09:02:35 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2020/03/2020-03-16T044949Z_78103133_RC2SKF94N63U_RTRMADP_3_HEALTH-CORONAVIRUS-SOUTHKOREA-320x215.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1290 “A maior falha da raça humana é a nossa incapacidade de entender a função exponencial”, disse certa vez Al Barlett (1923-2013), professor emérito de física na Universidade do Colorado em Boulder.

Em tempos de pandemia, talvez ele esteja mais certo do que nunca. Se você ainda tem alguma dificuldade no tema, vamos tentar resolver isso.

Comecemos com um tipo de crescimento ao qual estamos mais acostumados, o linear. Por exemplo: a cada dia surgem dois novos casos de pessoas infectadas com o novo coronavírus. A relação matemática entre tempo e número de pessoas infectadas recebe o nome de função —no caso, uma função linear. O número de casos pode sempre ser calculado multiplicando o número de dias decorridos por 2.

Mas nem sempre a natureza é tão simples assim. Existem algumas formas de crescimento que se dão de forma mais rápida. Vamos supor que uma função quadrática comandasse essa relação entre tempo e número de infectados: no dia 0, teríamos 0 infectados; no dia 1, teríamos 1²=1×1=1 infectado; no dia 2, teríamos 2²= 2×2=4 infectados; no dia 3, 3²=3×3=9 infectados, e assim por diante; no dia 10, teríamos 10²=10×10=100 infectados. O gráfico ficaria da seguinte aparência (com a função linear para comparação):

A vida real, porém, é ainda mais cruel. O número de infectados costuma crescer de acordo com uma função exponencial, isto é, o expoente é que varia (cresce) ao longo do tempo. Mas o que isso quer dizer? Baseado nos mesmo tempos dos exemplos anteriores seria algo como o seguinte: no dia 0, teríamos uma base b (2, digamos), elevada ao expoente 0, ou seja, b⁰ = 2⁰ = 1; no dia 1, teríamos b¹= 2¹=2; no dia 2, teríamos b²=2²= 2×2=4; no dia 3, teríamos b³=2³=2×2×2=8; no dia 10, teríamos b¹⁰=2¹⁰ =2×2×2×2×2×2×2×2×2×2=1.024 infectados. Já deu para ter uma ideia de que a curva exponencial pode ser muito maior do que a curva quadrática, certo? Vejamos no gráfico abaixo:

A seguir vamos apresentar um exemplo gráfico de como o começo da epidemia está se desenrolando na Itália, que já superou a marca dos 24 mil infectados (para quem estiver interessado, a função ajustada é esta: y= 3,28*exp(0,2x), em que x é o número de dias e y é o número de infectados; ainda não há dados brasileiros suficientes que permitam fazer uma comparação adequada, mas até agora não há qualquer razão para achar que estamos melhores que o país da bota.)

A partir desse exemplo também dá para entender como algumas medidas podem ajudar a frear a epidemia —como identificação rápida de doentes e isolamento adequado. No início, observa-se há pouca diferença. mas veja o efeito pronunciado depois de uns 20 dias (a função seria y=3*exp(0,18x)):

É esse tipo de cálculo que justifica o alerta de especialistas para a necessidade de adotar rapidamente medidas que contenham a disseminação do vírus, assim achatando a curva epidêmica da Covid-19.


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A depender do material avaliado, o Sars-CoV-2 permanece íntegro por horas e até dias, aponta novo estudo, publicado na forma de pré-print (sem revisão por outros cientistas) na plataforma medRxiv no último dia 9.

Na forma de aerossol, ou seja, dentro de microgotículas no ar, a meia-vida do vírus, ou seja, tempo necessário para sua quantidade cair pela metade, é de 2,74 horas. Isso equivale a dizer que a quantidade de vírus chegaria a 1% da inicial em 18 horas.

Sobre superfícies como papelão, aço e plástico a quantidade de partículas virais demoraria 2,3, 3,6 e 4,4 dias para chegar a um centésimo da inicial, respectivamente.

Em comparação ao Sars-CoV-1, parente do novo coronavírus causador da síndrome respieratória aguda grave, que assustou o mundo entre 2002 e 2004, houve mais semelhanças do que diferenças. Só a sobrevida no papelão do novo patógeno é maior do que a do predecessor.

“Nossos resultadas indicam que tanto a transmissão tanto por meio de aerossol quanto por objetios são plausíveis, já que o vírus permanece viável em aerossóis por horas e em superfícies por dias”, concluem os pesquisadores.

Participaram do trabalho pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, da Universidade de Princeton, da Califórnia (em Los Angeles) e dos Centros de Controles de Doenças do país.

O biólogo Pablo Ramos me escreveu para lembrar algumas das maneiras de se livrar dos vírus: “Neste artigo cientistas fazem um levantamento da literatura sobre biocidas em diversos materiais. Vários deles apresentam a capacidade de matar o vírus, não apenas o álcool a 70% ou superior. Como está difícil de encontrar (e caro) em muitos lugares, uma alternativa eficaz seria o hipoclorito. Aqui no país o hipoclorito é vendido em concentração de 2-2.5%. Uma diluição de 1:4 em água (ou seja, uma parte de hipoclorito para três de água) já daria uma solução com concentração no mínimo 0.5%, adequado para desinfecção. Isso pode ser colocado em borrifador e utilizado.”

Até esta quinta (12), mais de 127 mil pessoas já foram diagnosticadas com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus; mais de 4.700 morreram.


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Pesquisadores da China analisaram 1.070 amostras biológicas de 205 pacientes infectados, que, em média, tinham 44 anos de idade. A maioria apresentava febre, tosse seca e fadiga. Eles estavam internados em hospitais nas províncias de Hubei e Shandong e na cidade de Pequim.

As amostras podiam ser as seguintes::

  • lavado broncoalveolar (soro fisiológico é instilado e aspirado do pulmão, 93%)
  • esfregaço nasal  (63%) ou da faringe, (32%)
  • catarro (75%)
  • biópsia do pulmão (46%)
  • fezes (29%)
  • sangue (3%)
  • urina (0)

Os valores entre parênteses mostram a fração de amostras positivas para a presença do vírus em cada categoria.

Como era de se esperar, o patógeno é muito presente em amostras do trato respiratório. A grande surpresa é a existência de partículas nas fezes.

“É importante ressaltar que o vírus vivo foi detectado nas fezes, o que implica que o Sars-CoV-2 pode ser transmitido pela via fecal. Uma pequena porcentagem de amostras de sangue apresentou resultados positivos no teste de PCR [que amplifica o material genético e identifica a presença do vírus], sugerindo que a infecção às vezes pode ser sistêmica”, escrevem os cientistas.

“A transmissão do vírus por vias respiratórias e rotas extrarrespiratóriaspode ajudar a explicar a rápida disseminação. Além disso, o teste de amostras biológicas distintas pode melhorar a sensibilidade [casos corretamente classificados como positivos] e reduzir número de falsos negativos.”


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Já se sabia há tempos que uma das principais formas de transmissão de germes é pelo contato com pessoas infectadas, mas não havia um experimento que fizesse a comparação entre as diferentes modalidades.

A referência é o aperto de mão moderado, marcado como 100%. Em relação a ele, um aperto de mão vigoroso chega a transmitir o dobro de bactérias (o teste foi feito com bactérias E. coli não patogênicas). Um high-five, cumprimento com as mãos espalmadas, transmite um pouco menos. Por fim, um soquinho, ou “fist bump”, transmite apenas uma pequena fração das bactérias, menos de um quarto do cumprimento-referência.

Comparação entre a transmissão de bactérias entre diferentes formas de cumprimento com as mãos (American Journal of Infection Control/Reprodução)

A conclusão é que, além da superfície de contato, a duração do cumprimento e a força empregada também influenciam no espalhamento dos micróbios.

Os cientistas alertam que outras variáveis podem atuar na transmissão: partes diferentes da mão podem abrigar micróbios distintos e em diferentes quantidades; a localidade pode influenciar no tipo de germes a serem transportados, assim como a profissão; e os hábitos de higiene têm um papel crucial, por motivos óbvios.

“Embora tenhamos investigado a transferência de uma bactéria não patogênica, seriam esperados resultados semelhantes para outros microrganismos patogênicos (incluindo vírus como o influenza), alguns dos quais são muito custosos em termos humanos e econômicos. […] É improvável que uma saudação sem contato possa suplantar o aperto de mão; no entanto, para melhorar a saúde pública, incentivamos a adoção adicional do ‘fist bump’ como uma alternativa simples, gratuita e mais higiênica ao aperto de mão”, escrevem no artigo.

Em tempo de coronavírus, é uma dica de ouro.

Curiosamente nesta terça (10) o primeiro ministro holandês, Mark Rutte, advogou pela suspensão dos apertos de mão. Ele contudo, esqueceu da regra que acabara de estipular e deu a mão a Jaap van Dissel, chefe do Instituto Nacional de Saúde Publica e Ambiente do país. Veja o vídeo abaixo:


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Cada Passo Importa, da farmacêutica Sarepta, conta a história de Edu, um menino com distrofia muscular de Duchenne, uma doença genética que afeta principalmente os músculos e que tem sérias consequências na expectativa de vida. Nas historinhas, o novo personagem da Turma da Mônica encara situações comumente enfrentada por esses meninos, como perda de fôlego e uso de cadeira de rodas, além de dar boas explicações sobre a origem, progressão e tratamento da doença.

Edu protagoniza história da Turma da Mônica (Reprodução)

Outra iniciativa é a das estudantes Carolina Viana, Deborah Cunha e Dayse Santana, da Escola Paulista de Enfermagem da Unifesp. A história de Mendelino busca explicar a síndrome de Marfan, que provoca alterações na visão e problemas cardíacos. Os pacientes tendem a ser altos e magros, com dedos e membros compridos.

HQ sobre síndrome de Marfan (Reprodução)

Aqui no blog também já falamos sobre a série DII Sem Máscaras, uma iniciativa da farmacêutica Takeda que ajuda a entender as doenças inflamatórias intestinais como a doença de Chron e a retocolite ulcerativa.


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O primeiro conceito importante é o de endemia. Trata-se de uma certa quantidade de casos que historicamente já ocorrem em determinada região do país. Exemplos brasileiros: doença de Chagas e esquistossomose (barriga d’água).

Quando esse nível endêmico (que pode ser 0) é rompido pelo aumento de casos, pode-se considerar que há um surto ou uma epidemia

Geralmente fala-se em “surto” para designar que novos casos estão concentrados em determinada região, como um bairro de uma cidade ou uma região metropolitana. 

A palavra “epidemia” costuma ser reservada para quando a delimitação geográfica (uma vila ou um bairro, por exemplo) já não ajuda a definir tão bem onde os casos da doença estão acontecendo e/ou quando muitas pessoas são afetadas.

A distinção é algo cinzenta, mas uma infecção que pode ajudar a ilustrar o problema é o sarampo. Os surtos recentes de sarampo mataram 140 mil pessoas só em 2018, segundo a OMS. Calcula-se que as epidemias de sarampo na década de 60 chegaram a matar 2,5 milhões de pessoas.

Quando a epidemia afeta vários países ou continentes, trata-se de uma pandemia. Um caso ou outro de uma doença fora do local onde houve inicialmente o surto não implica necessariamente uma pandemia. Outros fatores, como a capacidade de disseminação do agente infeccioso (como no vírus da gripe) e presença de vetor (mosquito Aedes aegypti, no caso de arboviroses como dengue e zika) contribuem para a contenção ou espalhamento da moléstia.

Mas em que momento exatamente uma grande epidemia se transforma numa pandemia? Quantos países têm de ser afetados? Em que proporção? A gravidade da doença importa?

Há um consenso de que a gripe espanhola, que há cem anos matou pelo menos 50 milhões de pessoas, pode ser chamada de pandemia. Também se diz que o surto de gripe suína, em 2009, que matou 200 mil pessoas em todo o mundo, foi uma pandemia. 

Em um artigo publicado no periódico The Journal of Infectious Diseases, em 2009, os autores, entre eles Anthony Fauci, diretor do Niaid (Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA) fazem uma reflexão do que seria necessário para atestar esse patamar extremo:

  • Grande distribuição geográfica: um dos consensos é que a doença tem que afetar uma grande porção territorial, como no caso da peste negra, da gripe (influenza) e de HIV/Aids.
  • Rastreabilidade do movimento da doença: é possível identificar para o caminho percorrido pela doença, como no caso da influenza, transmitidas por via respiratória, da cólera, pela água, ou da dengue, que se dá de acordo com a presença de vetores (mosquitos do gênero Aedes).
  • Alta taxa de infecção: quando a taxa de transmissão é fraca ou há baixa proporção de casos sintomáticos, raramente uma doença é tratada como pandemia, mesmo com grande disseminação. A febre do Nilo Ocidental saiu do Oriente Médio e foi parar na Rússia e no Ocidente em 1999, mas nunca carregou a alcunha de epidemia
  • Imunidade populacional baixa: É maior a chance de haver uma pandemia quando a imunidade da população for baixa para o patógeno
  • Novidade: o uso do termo pandemia está associado ao risco de novos patógenos (caso do HIV, nos anos 1980) ou novas variantes (caso do vírus influenza, da gripe, que apresenta sazonalmente novas configurações)
  • Infecciosidade: o termo “pandemia” é menos comumente ligado a doenças não infecciosas, como obesidade, ou comportamento de risco, como tabagismo. Quando isso ocorre, a ideia é destacar aquele problema como uma área que merece atenção, mas, segundo os autores do artigo, trata-se de um uso coloquial, não tão científico.
  • Tipo de contágio: a maioria dos casos de epidemias é de doenças transmitidas entre pessoas, como a gripe (influenza).
  • Gravidade: geralmente a palavra “pandemia” é associada a moléstias graves, capazes de matar, como peste negra, HIV/Aids e SARS (síndrome respiratória aguda severa). Mas doenças menos severas, como sarna (causada por um ácaro) ou conjuntivite hemorrágica aguda (provocada por vírus), também foram consideradas pandemias.

A principal forma de se prevenir contra os efeitos de uma pandemia é com sistemas vigilância para detectar rapidamente os casos, ter laboratórios equipados para identificar a causa da doença, dispor de uma equipe habilitada para conter o surto, evitando novos casos e sistemas de gerenciamento de crise, para coordenar a resposta.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), por sua vez, emprega termos específicos para classificar certas situações. Uma emergência se dá quando uma autoridade decide que é hora de tomar medidas extraordinárias, como restrição de viagens e de comércio e estabelecimento de quarentena. Essa mesma autoridade também pode suspender esse estado de emergência. Geralmente uma emergência é bem-definida no tempo e no espaço e depende de um certo limiar para ser declarada. Esse limiar pode ser definido como uma taxa de mortalidade de 1 para cada 10.000 pessoas por dia ou mortalidade de 2 crianças abaixo de 5 anos a cada 10.000 pessoas por dia.

Crise é uma situação classificada como difícil, difícil de se estudar, classificar e combater. Uma crise pode não ser necessariamente evidente e necessita de um trabalho de análise para ser totalmente conhecida e e combatida.

Outras fontes consultadas: Ministério da Saúde, Fredi Alexander Diaz Quijano (Faculdade de Saúde Pública – USP), CDC


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Por Dayane Machado e Leda Gitahy, respectivamente doutoranda e professora livre-docente do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp

Cento e setenta países registraram casos de sarampo em 2019. O Brasil não só perdeu o certificado de erradicação da doença, como se tornou o sexto país em número de casos registrados. Devido a esses e outros acontecimentos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a hesitação a vacinas uma das maiores ameaças à saúde de 2019.

A hesitação a vacinas é um conjunto diverso de atitudes relacionadas à imunização: há quem recuse apenas algumas vacinas; quem adie o calendário vacinal; quem obedeça ao calendário, mas não se sinta seguro, entre outras variações.

Essa falta de confiança coloca os mais frágeis em perigo e pode impactar as taxas de vacinação, aumentando o risco de epidemias de doenças preveníveis por vacina, como é o caso da poliomielite e do próprio sarampo.

As redes sociais também têm responsabilidade na disseminação dessa desconfiança, como indica uma pesquisa recente da Avaaz. Quase 90% dos vídeos do YouTube em português analisados pela organização apresentaram alguma desinformação sobre vacinas. Esse resultado se torna ainda mais preocupante se considerarmos que das pessoas entrevistadas pela pesquisa, 57% dos que deixaram de se vacinar alegaram algum boato sobre vacinas como o principal motivo para essa decisão.

O Facebook é uma das plataformas mais utilizadas para espalhar informações falsas sobre vacinas. Uma pesquisa americana revelou que dois únicos compradores são responsáveis pela maior parte dos anúncios antivacinação em inglês que circulam na rede social.

Larry Cook é um desses clientes. Ele administra o Stop Mandatory Vaccinations (site e comunidade no Facebook), que além de desinformação e teorias conspiratórias, promove uma loja da Amazon, onde livros antivacinação e produtos “alternativos” são comercializados.

Outro empresário beneficiado pelo discurso antivacinação é Joseph Mercola. Em seu site, ele ataca vacinas e anuncia produtos “alternativos” à imunização. Uma investigação realizada pelo Washington Post revelou ainda que o milionário é o principal apoiador do grupo antivacina mais antigo dos Estados Unidos, tendo doado mais de US$ 2 milhões (algo como R$ 8,35 milhões) à associação ao longo da última década.

Esse movimento também tem se fortalecido no Brasil por meio das redes sociais. Um dos maiores grupos do Facebook contrários à vacinação reproduz argumentos de conspiracionistas, compartilha conteúdo de sites negacionistas americanos e realiza até transmissão online de eventos problemáticos como o AutismOne.

Esse “congresso” se propõe a falar de autismo, mas tem sessão dedicada a criticar vacinas, oferece treinamento para “ativistas da saúde”, recebe gurus do movimento antivacina como palestrantes, além de promover terapias e produtos duvidosos.

Quando confrontadas publicamente com esses tipos de dados, as plataformas prometem combater a desinformação sobre vacinas, mas a constância nas denúncias de jornalistas a respeito desse tema indica o baixo nível de comprometimento de grande parte dessas empresas. Mark Zuckerberg, por exemplo, já disse que não incentiva o festival de desinformação dentro do Facebook, mas também não se opõe caso “alguém quiser postar conteúdo antivacinação ou quiser se juntar a um dos grupos que discutem esse tipo de ideia”.

Redes sociais são movidas a atenção e engajamento, de modo que conteúdos antivacinação também podem se tornar lucrativos para essas empresas. Enquanto isso, os grupos antivacina se organizam e se fortalecem, disseminando dúvidas e criando novas ondas de hesitação.


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Os pesquisadores, coordenados por Patrícia Garcez, da UFRJ, relatam os novos achados na última edição da revista Science Advances.

Já se sabia que a maior parte dos casos da síndrome congênita da zika (ou SCZ, cujos efeitos vão além da microcefalia) surgiram no Nordeste, especialmente em regiões pobres. Os cientistas calcularam que existe uma correlação baixa, porém significante (ou seja, que não pode ser desprezada) entre as taxas de crianças nascidas com microcefalia e de pessoas desnutridas em 24 estados com áreas na região tropical.

Na primeira etapa da pesquisa, 83 mães de crianças com SCZ residentes no Ceará foram entrevistas para avaliar seus hábitos alimentares durante a gestação. Dessas, 37% tinham uma ingestão proteica abaixo do recomendado (61 gramas ao dia). A ingestão das mães da amostra em média era de 64 g/dia, abaixo da média regional, de cerca de 70 g/dia.

A proteína é um macronutriente está presente em quase todos os alimentos, mas em maior quantidade em carnes, ovos, iogurte, queijo, ervilha, feijão e soja, por exemplo.

Trata-se de uma das frações mais valiosas da dieta de uma pessoa, tanto no sentido monetário quanto metabólico. No caso de desnutrição proteica, é possível que a pessoa esteja até mesmo acima do peso, por causa do excesso dos outros macronutrientes (carboidratos e gorduras). Seu organismo, contudo, se ressente, com a imunidade e funções de reparo e regeneração prejudicadas.

Numa segunda etapa do estudo, foram utilizados camundongos para entender experimentalmente se a desnutrição materna poderia de alguma maneira favorecer a infecção pelo vírus da zika em fetos.

Havia quatro grupos: grupo controle (camundongos sem intervenção), grupo infectado com zika, grupo com dieta de baixa proteína e o grupo infectado e que recebeu dieta de baixa proteína.

Alguns animais do grupo infectado submetido a dieta hipoproteica apresentaram anormalidades da placenta, com uma estrutura degenerada que permitia uma mistura do sangue da mãe com células do feto.

Faz sentido pensar que essa degeneração pode funcionar como uma avenida para o vírus da zika infectar o feto. E os filhotes, de fato, apresentaram um cérebro menor, com menos proliferação celular, e cortex cerebral (área considerada mais nobre) reduzida.

Figura mostra diferença no tamanho do cérebro e na espessura do córtex em filhotes de camundongos provocada pela infecção pelo vírus da zika associada à dieta materna com pouca proteína (Reprodução/Science Advances)

“A infecção pelo vírus da zika é um processo patológico complexo no qual a magnitude das anomalias congênitas não está somente associada à carga viral em cada tecido. Fatores indiretos como o dano à placenta também pode ter papel importante”, escrevem os autores no artigo. Para eles, aprofundar o conhecimento da síndrome é crucial para encarar futuras epidemias.

“Só melhorar a dieta não vai ajudar a proteger contra as infecções pelo vírus da zika, mas ela pode determinar a severidade da síndrome congênita”, diz Zoltán Molnár, professor de fisiologia de Oxford, em comunicado à imprensa.

Além da desnutrição, outros fatores podem ajudar a explicar a síndrome congênita da zika: carga genética, infecção anterior pelo vírus da dengue e até mesmo contaminação por uma toxina.


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Por Saulo Nader, neurologista

Enquanto o Uber rasgava o trânsito da metrópole com a agilidade de uma tartaruga, me perdia contemplando as varandas gourmet. Tanta vida ocorrendo naqueles espacinhos iluminados que se apinham no horizonte da capital.

Um casal parecia discutir em uma; em outra, crianças corriam animadas; em uma lá no meio do prédio vermelho, uma cena que me captou: um homem de cadeira de rodas segurava o celular e navegava entorpecido em sua telinha. Seu olhar cansado exalava curiosidade. Será que buscava informação sobre saúde no mundo virtual?

Talvez ele procurasse no cyberespaço dicas para saber mais de sua vertigem (uma doença traiçoeira) ou simplesmente como lidar com o desafio de ser deficiente na cidade dos buracos. Escrevi um lembrete para gravar um vídeo sobre o assunto.

Naquela noite, eu comemorava o marco de mil pacientes atendidos em meu consultório, mil vidas que esbarraram na minha e que tive a oportunidade de, por meio da ciência médica, tentar ajudar.

Mil vidas, mil histórias, mil doenças… O número chacoalhava dentro do meu cérebro. Em meu canal no YouTube, contudo, tenho vídeos já com mais de um milhão de visualizações. Ou seja, somente por essa portinha mágica do smartphone, esbarrei em mais de um milhão de vidas.

Um milhão de pessoas é mais do que qualquer médico atenderá em toda sua carreira, por mais trabalhador que seja. De fato, a tecnologia quebra barreiras.

Um vídeo não substitui o médico, lógico que não. Mas leva informação às pessoas que anseiam por ajuda, dá um caminho para chegar à sonhada melhora. Tomara que um bom vídeo ajude aquele senhor ali parado, divagando no seu celular, ter ajuda para aliviar suas tonturas e a viver melhor com sua aliada de rodinhas.

O primeiro passo em busca da sonhada melhora é o conhecimento.

Ali, sentado no banco de um carro qualquer, em uma rua conturbada, pensei no poder que as mídias sociais podem dar a algumas pessoas e como muita gente usa esse poder para o mal, infelizmente.

Uma informação desencontrada, de má fé ou exploradora pode deixar um grande estrago nessas vidas, como as que vejo nas varandinhas.

Curas impossíveis, orientações equivocadas e causas inexistentes de doenças podem devastar uma existência. Crendices e achismos disfarçados com a roupagem professoral da ciência abundam por aí. Charlatões maquiados com a pompa e o jargão médico enganam livremente.

Tem de tudo: ervas milagrosas, vitaminas mágicas, Pedro de Jesus, o louco da vitamina D, o insano da glutamina, as pílulas da inteligência, a fosfoetalamina, o ódio contra vacinas e os chás de rosas. Obscurantismo e ocultismo vendendo falsa saúde, o mundo assombrado por demônios. Esse livro, “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, escrito pelo incrível Carl Sagan, expõe o capeta que ganhou asas no mundo digital: a pseudociência.

Essas pessoas que usam da fé para enganar e em, boa parte das vezes, para enriquecer não se importam com o ser humano, apenas com o bolso. Em tom messiânico, prometem a cura por vias anticientíficas, místicas e irreais. Esse discurso entorpece os sentidos e engana a alma.

Ninguém está imune à pseudociência, mas, quanto mais boa informação houver, maior a esperança de que os dias adiante serão melhores. Existe muito conteúdo médico e de saúde com qualidade nessa galáxia confusa que é a internet, não tenha dúvida — conhecimento bom, baseado em evidência científica.

“Chegamos, amigo”, despertou-me dos meus pensamentos a voz rouca do motorista. Há um provérbio chinês que diz que mais vale acender uma vela do que lamentar a escuridão. Acendi a minha. E, nas varandas gourmet, vida acontecendo.

 


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