Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Falta de proteína na dieta está associada à síndrome da zika em bebês https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/falta-de-proteina-na-dieta-esta-associada-a-sindrome-da-zika-em-bebes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/falta-de-proteina-na-dieta-esta-associada-a-sindrome-da-zika-em-bebes/#respond Tue, 14 Jan 2020 10:06:09 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/zika1-320x215.png https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1232 Cientistas do Brasil, Argentina, EUA e Inglaterra conseguiram adicionar mais uma peça ao quebra-cabeça da zika. Eles descobriram que a falta de proteína na dieta da mãe está associada a uma maior chance de o filho sofrer com os efeitos da infecção.

Os pesquisadores, coordenados por Patrícia Garcez, da UFRJ, relatam os novos achados na última edição da revista Science Advances.

Já se sabia que a maior parte dos casos da síndrome congênita da zika (ou SCZ, cujos efeitos vão além da microcefalia) surgiram no Nordeste, especialmente em regiões pobres. Os cientistas calcularam que existe uma correlação baixa, porém significante (ou seja, que não pode ser desprezada) entre as taxas de crianças nascidas com microcefalia e de pessoas desnutridas em 24 estados com áreas na região tropical.

Na primeira etapa da pesquisa, 83 mães de crianças com SCZ residentes no Ceará foram entrevistas para avaliar seus hábitos alimentares durante a gestação. Dessas, 37% tinham uma ingestão proteica abaixo do recomendado (61 gramas ao dia). A ingestão das mães da amostra em média era de 64 g/dia, abaixo da média regional, de cerca de 70 g/dia.

A proteína é um macronutriente está presente em quase todos os alimentos, mas em maior quantidade em carnes, ovos, iogurte, queijo, ervilha, feijão e soja, por exemplo.

Trata-se de uma das frações mais valiosas da dieta de uma pessoa, tanto no sentido monetário quanto metabólico. No caso de desnutrição proteica, é possível que a pessoa esteja até mesmo acima do peso, por causa do excesso dos outros macronutrientes (carboidratos e gorduras). Seu organismo, contudo, se ressente, com a imunidade e funções de reparo e regeneração prejudicadas.

Numa segunda etapa do estudo, foram utilizados camundongos para entender experimentalmente se a desnutrição materna poderia de alguma maneira favorecer a infecção pelo vírus da zika em fetos.

Havia quatro grupos: grupo controle (camundongos sem intervenção), grupo infectado com zika, grupo com dieta de baixa proteína e o grupo infectado e que recebeu dieta de baixa proteína.

Alguns animais do grupo infectado submetido a dieta hipoproteica apresentaram anormalidades da placenta, com uma estrutura degenerada que permitia uma mistura do sangue da mãe com células do feto.

Faz sentido pensar que essa degeneração pode funcionar como uma avenida para o vírus da zika infectar o feto. E os filhotes, de fato, apresentaram um cérebro menor, com menos proliferação celular, e cortex cerebral (área considerada mais nobre) reduzida.

Figura mostra diferença no tamanho do cérebro e na espessura do córtex em filhotes de camundongos provocada pela infecção pelo vírus da zika associada à dieta materna com pouca proteína (Reprodução/Science Advances)

“A infecção pelo vírus da zika é um processo patológico complexo no qual a magnitude das anomalias congênitas não está somente associada à carga viral em cada tecido. Fatores indiretos como o dano à placenta também pode ter papel importante”, escrevem os autores no artigo. Para eles, aprofundar o conhecimento da síndrome é crucial para encarar futuras epidemias.

“Só melhorar a dieta não vai ajudar a proteger contra as infecções pelo vírus da zika, mas ela pode determinar a severidade da síndrome congênita”, diz Zoltán Molnár, professor de fisiologia de Oxford, em comunicado à imprensa.

Além da desnutrição, outros fatores podem ajudar a explicar a síndrome congênita da zika: carga genética, infecção anterior pelo vírus da dengue e até mesmo contaminação por uma toxina.


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Por que a zika afetou mais o Nordeste? Uma toxina pode ser a explicação https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/por-que-a-zika-afetou-mais-o-nordeste-uma-toxina-pode-ser-a-explicacao/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/por-que-a-zika-afetou-mais-o-nordeste-uma-toxina-pode-ser-a-explicacao/#respond Tue, 03 Sep 2019 11:04:08 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Screenshot-2019-09-03-at-02.41.47-320x215.png https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1134 Uma das maiores questões que o surto de zika deixou foi esta: por que o Nordeste teve tantos bebês com microcefalia e outras complicações neurológicas? Um levantamento mostra que 88,4% dos casos graves estudados são de lá enquanto somente 8,7% são do Sudeste. Como explicar a discrepância, se a circulação do vírus foi intensa em ambas as regiões?

Cientistas do Rio de Janeiro (Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, UFRJ, IOC/Fiocruz) e de Pernambuco (Universidade Federal Rural de Pernambuco) encontraram uma possível resposta: uma toxina.

Trata-se da saxitocina (STX), molécula produzida pela Raphidiopsis raciborskii, uma cianobactéria (ou alga-azul) bastante comum na América do Sul. A STX tem capacidade de se ligar às células nervosas e causar um efeito paralisante que pode ser letal mesmo em pequenas quantidades.

O Nordeste é a região onde há maior ocorrência de amostras de água ricas em cianobactérias. A hipótese dos cientistas é que, de alguma maneira, a STX poderia facilitar o surgimento de casos graves de microcefalia. Por azar, no do início do surto de zika, em 2015, o NE passava por uma grande seca, uma das piores da história. É possível que parte da população tenha recorrido a estoques de água especialmente contaminados.

O limite de segurança adotado pelo Ministério da Saúde para a presença da STX na água é de 3 microgramas  (0,000003 grama) por litro de água, informam os pesquisadores, mas concentração da toxina raramente chega a tanto nos reservatórios do semiárido. Mesmo depois de ferver e filtrar, é possível que a molécula permaneça inteira e cause efeitos deletérios no organismo.

Ocorrência de cianobactérias no Brasil entre 2014 e 2018; Nordeste concentra amostras com quantidade elevada de micro-organismos (Crédito: Reprodução/Pedrosa CSG e colaboradores)

O primeiro experimento dos cientistas envolveu o uso de minicérebros, organoides construídos em laboratório que permitem estudar o comportamento do tecido nervoso em resposta a mutações genéticas, infecções e tratamentos.

Após a exposição ou não à STX, minicérebros foram ou não infectados pelo vírus da zika. O resultado: o fato de ter sido exposto à toxina aumentou em 2,5 vezes a morte de células pelo vírus da zika. Sozinha, a STX não foi especialmente danosa aos miniórgãos.

O próximo passo envolveu testes em animais. Os cientistas testaram, em camundongos fêmeas, uma ingestão de toxina em uma concentração de 15 nanogramas por litro –menos de um centésimo do limite estabelecido para humanos–, diretamente diluída na água dos bichos, ao longo de uma semana.

Depois disso, as fêmeas acasalaram e foram infectadas com o vírus da zika, mimetizando o que poderia ter ocorrido com mulheres no Nordeste.  Os filhotes dessas fêmeas apresentaram uma redução significativa do córtex (camada mais externa do cérebro) e, neles, a morte de células-tronco também se acentuou.

A conclusão dos cientistas é que é possível explicar, ao menos em parte, o tamanho da crise de zika no Nordeste brasileiro.

“A sinergia entre a cianobactéria e o vírus da zika faz o alerta de que a exposição à STX deveria também ser considerada uma preocupação de saúde pública durante os surtos de arboviroses. É importante esclarecer que a microcefalia e outras anomalias congênitas ligadas à zika são multifatoriais. Outros elementos, portanto, podem ter contribuído para o padrão incomum de distribuição da síndrome congênita da zika no Brasil”, escrevem os autores.

 

Figura mostra efeito dos tratamentos com STX e vírus da zika no cérebro de camundongos; há especial redução do córtex cerebral em especial nos filhotes de mães tratadas com a toxina e depois infectados com o vírus (Crédito: Reprodução/Pedrosa CSG e colaboradores)

“Desnutrição, genética, coinfecções ou infecções anteriores muito provavelmente também contribuíram. Nenhum trabalho científico é definitivo, justamente porque sempre surgem novas questões a partir dele, e poderá sempre ser refutado com novos dados científicos”, explica um dos autores do trabalho, o neurocientista Stevens Rehen, do Instituto D’Or e da UFRJ.

“O trabalho foi todo realizado no Brasil, apesar dos poucos recursos disponíveis”, diz Rehen. O estudo contou com apoio da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), BNDES, Finep e Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (Ministério da Saúde).

Devido à relevância para a saúde pública, a pesquisa foi publicada primeiro na forma de pré-print, ou seja, foi disponibilizada ao público antes mesmo de ser revisada por cientistas independentes, não ligados ao estudo.


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Zika pode prejudicar cérebro muito tempo depois da infecção, mostra estudo em roedores https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/#respond Thu, 07 Jun 2018 03:06:46 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/zika-virus-estrutura-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=948 Dois trabalhos recentemente publicados mostram que o complexo panorama relacionado à zika pode ser ainda mais grave: a infecção pode ser devastadora também se acontecer após o nascimento e não somente no desenvolvimento intrauterino, como já se pensou. Além disso, os danos podem se estender até a vida adulta. Ambas as publicações estão no periódico especializado Science Translational Medicine.

O trabalho de publicação mais recente saiu nesta quarta-feira (6) e é fruto do esforço de uma equipe de cientistas da UFRJ, da Unifesp e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio.

Foram usados camundongos para mostrar que a infecção pelo vírus da zika poucos dias após o nascimento reduz permanentemente a força muscular dos animais, provoca o surgimento de crises epiléticas no curto prazo e aumenta a susceptibilidade a elas no longo prazo. 

A memória e a sociabilidade dos bichos também são prejudicadas. “Sabemos que algumas infecções neonatais podem estar associadas a doenças que surgem muitos anos mais tarde, como esquizofrenia e autismo”, diz a neurocientista Julia Clarke, da UFRJ, uma das coordenadoras do estudo.

Ela conta que a principal motivação era entender o que se passa com as 90% de crianças infectadas com zika que nascem sem alterações grosseiras, como a redução do tamanho da cabeça ou más-formações nos membros.

Essas complicações mais graves são mais comuns em infecções que acontecem no início da gestação, mas o que Clarke e colegas mostram é que elas podem ser relevantes mesmo quando acontecem no final do período (quando o desenvolvimento cerebral humano é comparável ao momento da infecção dos camundongos no estudo).

Uma mortalidade de 40% afligiu os grupos de camundongos com zika; os sobreviventes tinham menor peso corporal e tamanho do cérebro reduzido.

Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. "Mock" são os de animais controles, os marcados com "ZIKV" pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)
Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. “Mock” são os de animais controles, os marcados com “ZIKV” pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)

Cem dias depois da infecção, quando os animais já eram adultos, a quantidade de material genético do vírus permanecia elevada no cérebro, denunciando a atividade do patógeno.

A explicação para esse prejuízo neurológico seria uma permanente inflamação provocada pela replicação viral, algo que o organismo do roedor, assim como aparentemente acontece com o humano, tem dificuldade em solucionar.

Para testar a hipótese, os cientistas deram aos camundongos uma droga capaz de bloquear o TNF-alfa, molécula que participa de maneira importante do processo inflamatório.

“Agora que se sabe que a raiz dos danos neurológicos é a neuroinflamação causada pela intensa replicação do vírus no início da infecção, é possível buscar quem seriam os agentes responsáveis no organismo e atacá-los farmacologicamente”, diz a virologista da UFRJ Andrea Da Poian,  também coordenadora do estudo.

A droga escolhida para tratar os bichos, infliximabe, já é usada para tratar outras doenças inflamatórias, como a doença de Chron, artrite reumatoide e psoríase. O fato de ela já ser aprovada pela Anvisa facilitaria a eventual nova indicação, pulando etapas de estudos, já que aspectos de segurança e toxicidade são bem conhecidos.

Os animais tratados tiveram menor chance de desenvolver as crises epiléticas, mas mantiveram os sintomas motores e comportamentais. Os cientistas propõem que é possível que um tratamento baseado nesse raciocínio possa ajudar a atenuar os efeitos de longo prazo da infecção, mas ainda há muito que se avançar na questão.

“É difícil prever o que aqueles infectados ainda bebês podem desenvolver na fase adulta, mas é importante ter em mente que o que aconteceu ainda no útero pode, sim, ter consequências tardias”, diz Clarke.

“Está claro que um simples monitoramento da prevalência de microcefalia congênita ao nascer é uma medida insuficiente dos males trazidos pela neuropatologia causada pelo vírus da zika em crianças e adolescentes”, escrevem os autores na conclusão do estudo.

Além de Da Poian e Clarke, coordenaram o trabalho Iranaia Assunção-Miranda e Claudia P. Figueiredo, todas da UFRJ.

MACACOS

Um outro artigo recente, de pesquisadores da Universidade Emory e de outros centros de pesquisas nos EUA, mostrou, com experimentos em macacos resos (Macaca mulatta), que o vírus da zika é capaz, também em primatas, de provocar prejuízo no desenvolvimento cerebral.

Por meio de estudos histológicos (com fatias finas do órgão) e de ressonância magnética (que permite visualizar a estrutura), os cientistas observaram que o vírus da zika ataca especialmente o cérebro e a medula espinal –essa preferência recebe o nome de neurotropismo.

O patógeno reduz a quantidade de massa cinzenta no cérebro e altera a conectividade entre neurônios, prejudicando o funcionamento do órgão.

Os cientistas alertam que não há como fazer um paralelo entre o que se passa com os macacos e o que aconteceria com crianças e adolescentes humanos, mas que a tendência é que o desenvolvimento neurológico seja atrasado ou interrompido com a infecção, algo que deve demandar atenção dos serviços de saúde.


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Uma pessoa que já teve dengue tem chance de ter uma infecção mais grave por zika? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/ade-zika/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/ade-zika/#respond Thu, 29 Jun 2017 21:23:30 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/06/ZIKA_PERNAMBUCO_43_60961915-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=715 Médicos e cientistas estavam com uma pulga atrás da orelha: será que infecções anteriores pelo vírus da dengue poderiam, de alguma maneira, agravar o efeito do vírus da zika no organismo? A resposta é não.

Um ano atrás, em junho e julho, dois estudos, um na revista “Nature Immunology” e um na revista “Science”, apontavam uma possível interação perigosa entre as infecções. E as vacinas contra a dengue (aquela então recém-lançada pela francesa Sanofi e a que vem sendo desenvolvida pela parceria NIH-Butantan-USP) poderiam piorar esse quadro.

Ao proteger o organismo contra a dengue e gerar anticorpos, essas vacinas estariam, no fim das contas, dando armas (esses mesmos anticorpos, veja só) para outro perigoso inimigo: o vírus da zika.

Imunologistas já haviam descrito um fenômeno batizado de ADE (antibody-dependent enhancement, algo como potencialização dependente de anticorpos). Os anticorpos, em vez de neutralizar e promover a aniquilação de um vírus, acabam se ligando a ele de uma forma “frouxa”, permitindo que ele se reproduza sem dificuldades no interior de células do organismo.

Se fosse verdadeira, essa seria uma possível explicação para as graves consequências que observamos no Brasil, como o surto de microcefalia e de outras más-formações associados à zika.

Protegido, os vírus passariam incólumes pelo sistema imunológico e poderiam infectar mais rapidamente as células do organismo, usurpando as estruturas intracelulares com a finalidade de se replicar.

Vale notar que a ADE é uma das possíveis explicações para as infecções recorrentes pelo vírus da dengue terem maior potencial para complicações: como existem quatro subtipos do vírus, é possível ter dengue quatro vezes em uma escala crescente de gravidade.

Com relação à zika, porém, segundo dois novos estudos científicos, não há indícios de que a ADE sequer aconteça, tampouco seja culpada pelos casos de microcefalia no país e outras consequências graves do surto da doença, como a síndrome paralisante de Guillain-Barré.

Uma dessas pesquisas, conduzida por pesquisadores dos EUA, foi feita em macacos. Eles infectaram os animais com vírus da dengue algum tempo atrás e agora resolveram infectá-los com o vírus da zika.

Resultado: a dinâmica do vírus da zika no sangue dos macacos, independentemente se tiveram dengue ou não, é a mesma. Veja a figura abaixo:

(Crédito: Reprodução/”Nature Communications”)

O gráfico mostra o aumento da quantidade de genoma viral (RNA) no soro ao longo do tempo; após sete dias, o valor se estabiliza. Ambos os grupos (previamente infectados com dengue em laranja e nunca expostos aos arbovírus em preto) atingem a viremia máxima de zika no segundo dia de infecção. A linha tracejada indica o limite de detecção do método empregado. O estudo está na revista “Nature Communications”.

EM GENTE

Outra pesquisa que aponta na mesma direção, feita com seres humanos, é uma que foi liderada por Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de Rio Preto. No estudo, 65 pacientes foram separados em dois grupos: aqueles que já tinham tido dengue ou não.

Os pesquisadores mediram (por meio da quantificação do RNA viral) a quantidade de vírus em cada um dos grupos, quando as pessoas apresentaram uma nova infecção, fosse ela dengue ou zika.

A conclusão, como mostra a figura abaixo, não difere daquela do estudo americano.

(Crédito: Reprodução/”Clinical Infectious Diseases”)

No gráfico, a comparação foi feita entre grupos que tiveram dengue (direita) com os que não tiveram (esquerda) e que estavam sofrendo, por um período de até cinco dias, com uma nova infecção pelo vírus da zika (ZIKV) –ainda na fase aguda. Não houve diferença de carga viral entre os grupos.

Outro método de verificar se a ADE está acontecendo é avaliando a produção de citocinas, uma família de moléculas importantes para  sinalização de eventos do organismo como a inflamação, estresse oxidativo ou proliferação celular. Os cientistas também não viram diferenças nesse sentido na direção dengue-zika.

Já para a dengue, pode ser que o ADE tenha uma participação, afirma Nogueira. “Mas não há argumentos irrefutáveis para nenhum dos lados. Temos que lembrar que a ADE é uma teoria que explica muita coisa, mas não explica tudo. É algo fácil de ver in vitro e até em alguns modelos animais, mas ninguém nunca demonstrou que a ADE ocorra em seres humanos.”

Nogueira conta que a ideia de estudar o tema nasceu após a publicação de artigos mostrando, in vitro e em camundongos, que o ADE poderia, eventualmente, ser um complicador para o lançamento e comercialização de vacinas contra a dengue.

“Conversei com o Jorge Kalil [professor da USP, também autor da pesquisa] e, como São José do Rio Preto sempre teve bastante dengue e estavam surgindo casos de zika, seria o melhor lugar para realizar um estudo para saber se o fenômeno ocorria.”

Um ano depois e com o estudo publicado no periódico “Clinical Infectious Diseases”, Nogueira conclui que, pelo menos para a infecção de zika após a de dengue que “ou o fenômeno da ADE não existe ou ele é tão raro que, no fim das contas, é irrelevante”.

A pesquisa de Nogueira e colaboradores foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).


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Entenda como a vacina da dengue pode dar errado e o que a zika tem com isso https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/24/entenda-como-a-vacina-da-dengue-pode-dar-errado-e-o-que-a-zika-tem-com-isso/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/24/entenda-como-a-vacina-da-dengue-pode-dar-errado-e-o-que-a-zika-tem-com-isso/#respond Fri, 24 Jun 2016 12:45:07 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/13383578915_a94b2952ae_k-180x145.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=193 Na Folha desta sexta (24), peguei carona na reportagem do excelente Reinaldo José Lopes e discuti um pouco do que pode dar errado com as vacinas contra a dengue.

Em seu texto, Reinaldo conta a respeito de um novo estudo, que revelou que a infecção prévia por dengue pode facilitar uma outra posterior por zika.

Minha parte foi lembrar que isso não seria completamente inesperado. Outros cientistas já haviam visto isso mesmo entre os subtipos do vírus da dengue (o que seria a explicação para a chance de dengue hemorrágica, mais grave, aumentar conforme aumenta o número de infecções).

Esse efeito é chamado de pontecialização dependente de anticorpos. Vou tentar ser didático (digam-me se consegui nos comentários):

  • Imagine que você foi infectado por dengue (pela primeira vez) e que o subtipo do vírus é o 3 (são quatro possíveis).
  • Se você for infectado por uma segunda vez pelo mesmo tipo 3 (DENV3), os anticorpos que seu organismo criou em resposta (você sobreviveu, estamos supondo), darão cabo rapidamente desse repetido invasor.
  • No entanto, se o vírus dessa segunda infecção é do subtipo 1 (DENV1), os anticorpos contra o DENV3 não terão grande afinidade contra ele. Pior: eles vão ajudá-lo a invadir as células do hospedeiro (você).
  • Se os vírus fossem bandidos, no caso o veneno contra o primeiro bandido (DENV3) acaba virando uma arma no arsenal do segundo malfeitor(o DENV1).

 

E AS VACINAS?

Nessa história, imagine um organismo bem protegido contra três dos quatro subtipos virais de dengue, e mais ou menos conta um quarto tipo (no caso, o DENV2, como contei antes).

Se o DENV2 não pôde ser neutralizado, esse bandinho ganhou de presente três tipos de armas (os anticorpos contra DENV1, DENV3 e DENV4 e passou a ser especialmente virulento.

O problema, você talvez já saiba, é que a vacina que vem por aí (já aprovada pela Anvisa) tem relativamente baixa proteção contra o tal do DENV2, que é meio diferentão dos demais em sua morfologia.

Quando tentam fazer uma vacina quadrivalente, a ideia é que os vírus modificados geneticamente (que compõem a vacina) consigam cutucar o sistema imunológico e fazer o organismo fabricar anticorpos que ataquem os quatro subtipos de vírus –o que acontece, mas não com a mesma eficácia para todos eles.

O que nos resta é torcer para não vir uma epidemia de dengue cuja principal cepa é o DENV2.

 

ZIKA? ZICA!

Com o vírus da zika (ZIKV), a zica é a mesma –o jeitão dele lembra bem os da dengue. Anticorpos contra os vírus da dengue potencializam a infecção por ZIKV, o que poderia, ao menos em parte, explicar o fenômeno brasileiro com epidemia de microcefalia.

Uma teórica cura pra esse problema seria um antígeno universal, um pedaço de vírus que nos fizesse produzir anticorpos tão espetaculares que atacariam indistintamente todos esses malditos flavivírus que nos atazanam a vida.

O problema é que esses teóricos pedaços não são bons o suficiente (por enquanto, pelo menos) para produzir anticorpos –não dá para ter sorte em tudo, não é?


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