Quantas vidas é possível salvar ao expandir o uso de uma droga anticâncer no SUS?

Gabriel Alves

A discussão  não é muito diferente daquela que estamos acompanhando no STF a respeito da possível obrigação de o Estado bancar o tratamento de doenças raras.

O motivo da discussão é óbvio: vai faltar dinheiro. Daí algumas ressalvas de ministros do Supremo de somente atender às necessidades daqueles que não têm condições de pagar pelo tratamento. A discussão é interessante e vale, em essência, para qualquer novo tratamento que venha a ser disponibilizado.

Na onda do Outubro Rosa, alguns pesquisadores brasileiros resolveram fazer a conta para um medicamento ainda não completamente incorporado pelo SUS,  o trastuzumabe, e de outra molécula, o pertuzumabe, para o tratamento de um tipo específico de câncer de mama.

O trastuzumabe (vendido como Herceptin, da farmacêutica Roche) é aprovado para casos iniciais, mas não para casos avançados. Nos planos de saúde, ele e outras drogas que tem como alvo o receptor do fator de crescimento epidérmico 2 (HER2), já são usadas nesses casos.

Esse tipo de tumor contra o qual o trastuzumabe é eficiente –chamado de HER2-positivo– responde por 15% a 20% dos casos de câncer de mama e possui pior prognóstico.

O tratamento internacionalmente considerado como ideal, relatam os autores do estudo, consiste de quimioterapia mais trastuzumabe mais pertuzumabe.

O trastuzumabe consta na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde, embora haja uma ressalva sobre o alto custo.. O tratamento de uma paciente com a droga pode superar os R$ 10 mil mensais, enquanto apenas a quimioterapia convencional custa poucas centenas de reais.

VIDAS

Se o trastuzumabe, cujo custo pode superar os R$ 10 mil mensais para uma paciente (a quantidade administrada varia conforme o peso), estivesse disponível para o tratamento de câncer avançado, das 2.008 mulheres (número estimado) que podem chegar à forma metastática da doença em 2016, 1.408 estariam vivas depois de dois anos. Sem o remédio, as expectativa é que apenas 808 cheguem até lá.

Se o pertuzumabe também estivesse disponível, esse número seria de 1.576 pacientes vivas após dois anos –uma diferença de 768 vidas.

Os médicos fizeram as estimativas baseadas em estudos anteriores que mediram a eficácia do trastuzumabe e do pertuzumabe, anticorpos que fazem parte da abordagem de nova geração para o tratamento de câncer, a imunoterapia. O trabalho está no “Journal of Global Oncology”.

“Este é só um exemplo de como a demora excessiva para incorporar novos medicamentos oncológicos pelo SUS pode acarretar em maior perda de vidas”, afirmou em um comunicado à imprensa o oncologista e integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Gilberto Amorim.

“Não podemos nos abster de ter uma visão crítica sobre as falhas e os problemas graves que existem. Neste caso específico, as pacientes tratadas no SUS recebem um tratamento distinto do que ocorre na rede privada.”

2019

Alguns fatos dão um tempero especial à questão dessas mortes provavelmente evitáveis e do artigo científico de que estamos tratando. O primeiro é que quatro dos oito autores receberam, de alguma forma, recursos ou apoio financeiro de uma das principais interessadas em ampliar o uso do trastuzumabe e do pertuzumabe, a farmacêutica Roche.

O Herceptin (trastuzumabe) é da companhia e a Genentech, empresa do mesmo grupo, fabrica o Perjeta (pertuzumabe).

Apesar de sugerir que tenhamos cautela, esses financiamentos ou custeios não invalidam as conclusões –essas informações aparecem no próprio artigo científico.

Quando os pesquisadores e médicos são reconhecidos por suas qualidades, como é o caso de Amorim e do também autor Carlos Barrios, eles naturalmente são procurados pela indústria para que conduzam testes de novas drogas, façam consultorias técnicas ou participem de congressos.

Outro fator importante é que em 2019 vence a patente do Herceptin. Certamente não faltam interessados em produzir moléculas parecidas (biossimilares) que possam substituí-lo a um custo mais baixo.

No melhor dos mundos, a farmacêutica, interessada em ocupar o mercado brasileiro, e o governo entram desde já em um acordo para que as drogas possam ser utilizadas, com um preço menor, nos casos em que são indicadas. Ou será que vamos ter que esperar até 2019?


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