Como fabricantes de vacina da dengue estão lidando com o problema da zika?
Há alguns posts, trouxe aqui a notícia de que seria possível uma interação indesejada entre anticorpos contra o vírus da dengue e o vírus da zika. Isso seria particularmente problemático na questão das vacinas contra a dengue, já que a ideia seria justamente gerar um monte de anticorpos contra os quatro subtipos virais.
Nesta semana, recebi a resposta da Sanofi Pasteur, a multinacional francesa que ganhou a corrida e que já está fabricando uma vacina contra a dengue que é aplicada em três doses (uma a cada 6 meses) e que promete reduzir enormemente os casos graves. Reproduzo a carta a seguir:
A Sanofi Pasteur esclarece pontos importantes sobre a vacina contra a dengue atualmente aprovada no país.
Os estudos mencionados na reportagem foram realizados “in vitro” – fora de sistemas vivos em recipientes de vidro, não realizado em humanos. Portanto, os dados não podem ser extrapolados para a vida real.
Zika é um flavivírus da mesma família que o vírus da dengue, e na vida real, os dados iniciais apontam que a imunidade à dengue poderia, na verdade, ser associada à diminuição da gravidade da doença em infecção subsequente por febre amarela ou vírus da encefalite japonesa. Além disso, um estudo recente relacionado à epidemia de Zika na Polinésia não demonstrou um impacto negativo da imunidade prévia à dengue na SGB[Síndrome Guillain-Barré] Zika¹.
Importante ressaltar que não foi observado em nenhum dos estudos clínicos de fase 3 realizados durante 6 anos e nos estudos em andamento com a vacina contra a dengue, a potencialização de casos de Zika.
A vacina foi utilizada em aproximadamente 29.000 indivíduos de diferentes faixas etárias e em 15 países diferentes, inclusive no Brasil. Sua segurança e eficácia foram avaliadas criteriosamente pela ANVISA e outras Agências reguladoras, que confirmam seu benefício, eficácia e segurança para países endêmicos.
Estudo publicado no Jornal Brasileiro de Economia da Saúde avaliou o potencial do impacto da vacinação contra dengue no Brasil: por meio de um programa amplo de vacinação (entre 9 a 40 anos), em cinco anos, poderia se reduzir a incidência da dengue em até 81% no País.
1.Guillain-Barré Syndrome outbreak associated with Zika virus infection in French Polynesia: a case-control study. Cao-Lormeau VM et al. Volume 387, Issue 10027, 9–15 April 2016, Pages 1531–1539. doi:10.1016/S0140-6736(16)00562-6
Alguns pontos a esclarecer: não é porque não observaram os efeitos da potencialização dependente de anticorpos (antibody-dependent enhancement) em humanos que esse efeito não existe. Na verdade, eles nem buscaram por isso em particular, o que impede que se crave um número relacionado à chance desse fenômeno acontecer. Pode ser 1%, ou 0,0001%? Ninguém sabe ainda. Não há dolo –não havia zika durante os testes. O que não pode acontecer é ignorarem o problema agora.
De alguma forma, sinto minha crítica contemplada pelo Instituto Butantan. Vi hoje no portal da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) que o instituto vai aproveitar os estudos em andamento de fase 3 (em um grande número de pessoas) da vacina da dengue para testar e medir a relação com a zika.
Essa vacina é uma parceria do instituto com a USP e os NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA) e ainda está em testes. De fato, o Butantan tem uma janela de oportunidade de buscar ativamente essas informações ainda durante o estudo. A Sanofi é, de certo modo, refém daquilo que aparecer durante o monitoramento dos vacinados.
Sou um entusiasta das vacinas (a ideia de se ver livre de uma doença antes que ela tenha chance de se instalar não é fantástica?), mas tudo tem que ser feito com o máximo de abrangência e responsabilidade, para que, no futuro, pessoas do movimento antivacina não tenham um motivo real para protestar. Hoje eles não tem nenhum –apenas a própria ignorância.
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