Quais doenças merecem um mês colorido só delas no calendário?

Gabriel Alves

No último dia 23, domingo, a Folha publicou uma reportagem minha e do meu colega Phil Watanabe a respeito dos famigerados meses coloridos, como o Outubro Rosa e o Novembro Azul.

Durante a entrevista dos médicos e outros especialistas para a reportagem, perguntei a eles: “Quais doenças, baseadas em sua importância, realmente merecem um mês de conscientização só delas?”

A resposta unânime foram as doenças cardiovasculares. Ninguém discorda de que é necessário que o brasileiro e a brasileira tenham ciência dos riscos de se ter colesterol e triglicérides elevados, pressão alta e obesidade, por exemplo –o risco de morrer por essas causas é mais que o dobro do que o de morrer de câncer.

O instituto Lado a Lado, o mesmo que popularizou o Novembro Azul da próstata no Brasil, criou o Setembro Vermelho com a ideia de alertar para os riscos das doenças cardiovasculares. O sucesso do mês colorido, no entanto, ainda está bem longe do Outubro Rosa ou do Novembro Azul.

O próprio Novembro Azul, aliás, é tema de polêmica, como você pôde ver na reportagem –ele era do diabetes e, de algum jeito, acabou sendo “roubado” pelos urologistas e simpatizantes da próstata.

O diabetes tem muito mais casos do que câncer de próstata –muitos mesmo– e mais mortes anuais (80 mil a 14 mil). Por ser um fator de risco importante para outras doenças, como as cardiovasculares, alguns tipos de câncer e amputações, por exemplo, certamente a doença metabólica merecia um mês só dela. Há muitas pessoas que não sabem como é a rotina de um diabético e nem os cuidados que a doença exige.

Se não está fácil para o diabetes, imagine para o suicídio (Setembro Amarelo, que compete com o Setembro Verde, da doação de órgãos e Vermelho, supreacitado). Claro que é uma causa importante a de evitar que as pessoas se suicidem, mas como competir com o apelo de um Outubro Rosa que consegue engajar desde a indústria da moda até os times de futebol americano?

Se fôssemos pegar aquilo que mais mata, deveríamos ter ao menos quatro meses principais: um para as doenças cardiovasculares (que incluem AVC e infarto), um para o câncer (sim, temos bem mais que um atualmente), um para as mortes violentas e por acidentes (as chamadas causas externas) e um mesinho (fevereiro, talvez?) para as doenças infecciosas.

Dar um mês inteiro para a população se conscientizar a respeito do câncer de bexiga, outro mês para o câncer de pênis e outro ainda o de laringe não vai fazer com que essas doenças tenham sua incidência reduzida sobremaneira. Mesmo porque essas pequenas campanhas raramente saem do submundo dos blogs de saúde da internet e dos compartilhamentos sem curtidas no Facebook.

Para o sucesso no mundo real, a componente de marketing é determinante. O câncer de mama, por exemplo, é um tema sexy. Tem o apelo da mulher, da beleza da mama, da superação do trauma e da mutilação. Por mais que o câncer de pulmão seja muito mais letal e que o câncer de pele afete muito mais gente, eles não carregam esse potencial.

Ainda que as minicampanhas chegassem aos destinatários desejados, às vezes eles são tão poucos que o esforço de atingi-los acaba não compensando em detecção precoce ou em recursos economizados. Esse é o motivo de os capitães do novembro azul não encamparem a briga contra o câncer de pênis (que mata cerca de 400 homens por ano).

Tem especialista que acha que as pessoas ainda não pegaram a mensagem do Outubro Rosa, da importância da prevenção (leia a reportagem para ver um pouco do debate a respeito). A melhor alternativa, fico imaginando, talvez seja abandonar a ideia de calendário-arco-íris e apenas fomentar os bons hábitos de vida e a prática de exercícios, que podem ajudar a prevenir um montão dessas doenças de uma só vez.

Crédito: Folha de S.Paulo


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