Em vez de projeto de lei, que tal mais estudos sobre as drogas emagrecedoras?

Gabriel Alves

Em 30 de maio, quando escrevi o texto “Médicos querem ampliar o uso de emagrecedores e resgatar drogas ‘banidas’ pela Anvisa” não imaginei que um projeto de lei emperrado há quase 6 anos nas engrenagens do Legislativo iria para frente logo em seguida.

Na terça-feira (20), o PL 2.431/2011, que libera o uso e a comercialização dos derivados anfetamínicos que tiveram registro cancelado pela Anvisa em 2010,  teve sua aprovação final no Congresso e agora deve, sob protestos da agência e aplausos dos médicos, ser sancionado pelo presidente Michel Temer (leia reportagem a respeito).

O texto do PL aprovado é bastante sucinto:

Art. 1º Ficam autorizados a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos anorexígenos sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(O fato de estar no modelo B2 significa que serão substâncias controladas, com tarja preta e retenção de receita –contribuição do Senado Federal para a proposta.)

A aprovação tem imenso respaldo da classe médica de entidades como o Conselho Federal de Medicina, Conselho Nacional de Saúde, Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Associação Brasileira de Nutrologia.

Esse grande apoio ao PL está embasado na experiência clínica e em resultados observados no passado pelos médicos. Segundo a Anvisa, porém, faltam estudos que mostrem que as drogas sejam eficazes e seguras o suficiente para garantir o registro.

Querendo saber um pouco mais sobre o consenso científico na área, pesquisei no PubMed, indexador que abriga boa parte dos mais relevantes trabalhos na área biológica e da saúde, pelo nome das drogas a serem liberadas no país. O resultado, em números de estudos que as mencionam, foi o seguinte:

  • Femproporex (conhecido no exterior como “brazilian diet pill”), 70 menções
  • Anfepramona, 406 menções
  • Mazindol, 908 menções
  • Sibutramina, 1288 menções

Boa parte dos artigos subsidiam a decisão da Anvisa, alegando, por exemplo, falta de evidência ou alto risco de complicações relacionadas aos sistemas cardiovascular e nervoso.

Mesmo assim, a maior parte dos médicos permanece a favor da liberação dos derivados anfetamínicos via projeto de lei. Um caminho mais prudente não seria brigar pelo financiamento de estudos que atestem, de forma inquestionável, tal eficácia?

Quem sabe aí não seja possível liberar essas drogas não só no Brasil, mas também na Europa, onde nenhuma tem registro, e nos EUA, onde só a Anfepramona é comercializada? Novos estudos também funcionariam como um antídoto para esse perigoso hábito de atropelar a Anvisa.

A indústria alega que é caro demais financiar estudos de drogas sem patente, mas não vi ninguém dizer o que “caro” significa nesse contexto. De quanto estamos falando? Será que o governo também não daria uns tostões?

As drogas em questão são baratíssimas: o tratamento com sibutramina custa R$ 30 ao mês, por exemplo. Compare com os quase R$ 1000 de drogas mais modernas como a liraglutida (Saxenda).

Essa pesquisa teria um potencial infinitamente maior de trazer algum resultado proveitoso do que aquela praticada para demonstrar o pífio desempenho da fosfoetanolamina (“pílula do câncer”) no tratamento oncológico. Para isso os governo federal e o governo de São Paulo destinaram mais de R$ 10 milhões.

Vou dar um voto de confiança para os endocrinologistas brasileiros e fazer uma proposta: que tal fingir que esse PL nunca existiu e tentar tomar uma decisão com uma base científica mais sólida?

Com quase 20% da população obesa no país, não faltariam voluntários para os estudos.


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