Já pensou em ser voluntário em uma pesquisa científica?

Fazer parte de um estudo científico como voluntário (alguns diriam “cobaia”) é uma das experiências mais curiosas que um indivíduo pode ter.

Imagine só a emoção de estar no princípio de uma descoberta. Será que o exercício físico ajuda a reduzir o ronco? Quais seriam os efeitos da poluição atmosférica na qualidade dos espermatozoides? Há questões que não podem ser respondidas de outra forma senão pesquisando.

Desde pequeno eu queria ser cientista, e isso me guiou até a escolha do curso universitário. Aos 18, quando comecei a estudar biomedicina na Unifesp, me deparei com um universo repleto de todo tipo de pesquisa –com camundongos, ratos, coelhos, cultura de células, bactérias, vírus… e com humanos.

A primeira pesquisa que participei como voluntário era para os pesquisadores entenderem melhor como o corpo humano funciona enquanto dorme e como o sono é atrapalhado por alguns problemas de saúde. (Ainda estamos longe de saber completamente como ele funciona, seja no sono ou na vigília.)

Nesse caso, eu era um voluntário saudável –sem insônia ou apneia grave. Muitos outros estudos precisam de participantes sãos para entender, por exemplo, como funciona a memória em uma situação de estresse (sim, participei), ou qual é o risco de uma pessoa se contaminar com HPV (vírus do papiloma humano) morando em São Paulo (sim, de novo).

Conhecer os pesquisadores, tentar entender o que estão fazendo e poder doar um pouco de tempo, de sangue ou mesmo uma noite de sono para que eles promovam o avanço da ciência era para mim mais do que só camaradagem, era uma chance de viver integralmente a ciência e de aprender como ela é feita.

TRATANDO DOENÇAS

Mergulhar numa dessas pesquisas pode ser a chance de abandonar a inércia e tentar fazer algo para sanar aquele problema que é arrastado há anos. Dor nas costas, incontinência urinária, tabagismo… novas e velhas formas de se tratar são testadas a todo momento.

A vantagem de receber um tratamento dentro de um protocolo de pesquisa é que o compromisso da equipe é um empurrãozinho para que o cuidado com a saúde seja mantido, com dados coletados regularmente e telefonemas para saber se tudo está OK.

Em estudos epidemiológicos pode haver o acompanhamento de pacientes ao longo de anos para entender a história natural de uma doença. O ponto positivo é que, a qualquer sinal de inconformidade, o paciente é encaminhado para tratamento e tem sua saúde monitorada pelos pesquisadores.

E no caso do teste de novas drogas? Será que há risco ao participar de um protocolo de pesquisa? Sim, há, mas geralmente não são riscos altos. Dependendo do estágio em que a pesquisa clínica está, ainda não se sabe se há grande chance de efeitos colaterais –nesse caso geralmente o paciente é internado e monitorado de perto.

Além disso, projetos de pesquisa que envolvem humanos têm de ser aprovados por dois comitês de ética em pesquisa, um local e um nacional, para poderem acontecer. Se o possível benefício é pequeno em comparação ao estresse causado, o projeto, via de regra, não vai para frente.

Todas as informações relevantes para a tomada de decisão de participar ou não têm de estar no termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), que é apresentado aos voluntários e tem de ser assinado por eles e por um representante da equipe.

DINHEIRO

No Brasil não pode haver remuneração em troca da participação em estudos. Essa é uma estratégia para evitar, entre outros problemas, o surgimento de “voluntários profissionais”. Por aqui só é possível ressarcir despesas com transporte e alimentação; em outros países, como os EUA, é possível ganhar dinheiro dessa forma.

Uma das exigências a serem cumpridas por investigadores e patrocinadores de pesquisas clínicas é ofertar, além dos novos tratamentos, as melhores terapias disponíveis até então para a condição que está sendo investigada. O que define qual tratamento cada paciente vai receber primeiro, porém, geralmente é um sorteio –uma maneira de garantir a qualidade das informações a serem coletadas.

Os pacientes desses estudos geralmente têm acesso a remédios muitas vezes ainda indisponíveis para a população em geral –é o caso dos testes de novos imunoterápicos contra o câncer, cujas vagas rapidamente se esgotam em centros de pesquisa mundo afora (há situações, no entanto, em que há mais vagas do que pacientes).

Mas nem tudo é perfeito, claro. Existe toda sorte de pesquisadores –os apaixonados e responsáveis, os desleixados, os frustrados, os preguiçosos, os malandros…– e há estreita correlação entre a confiabilidade da pesquisa e a boa conduta dos pesquisadores. É possível, sim, que haja muitas meias-verdades sendo publicadas em decorrência de estudos mal conduzidos.

Por outro lado, especialmente em estudos maiores e que envolvem dezenas de pesquisadores (e, às vezes, milhares de voluntários), há mecanismos estatísticos e de controle de qualidade que atenuam ou solucionam problemas do tipo –é como se uma pequena picaretagem tivesse seu efeito maléfico diluído num caldeirão de dados confiáveis. 

No caso de grandes indústrias farmacêuticas, boa parte dos lucros são reinvestidos em pesquisas, a fim de descobrirem novas drogas. São empreendimentos que chegam à casa dos bilhões de dólares –faz sentido fiscalizar de perto e garantir que o dinheiro seja bem gasto.

COMO PARTICIPAR?

Conversei com pessoas entendidas e pesquisei, mas não parece não haver, ao menos até agora, um site em português que contenha informações de estudos clínicos em andamento no Brasil. Provavelmente a maior parte deles está no site americano clinicaltrials.gov. Quando busquei, havia pouco mais de 1.000 estudos acontecendo em terras brasileiras.

Aviso: talvez o leitor se frustre com o jargão médico em inglês do portal. O ideal é pedir para seu médico traduzir o conteúdo e buscar meios de viabilizar o recrutamento para o estudo desejado, se for o caso.

Vale também prestar atenção aos canais de divulgação oficiais de Universidades e de institutos que praticam pesquisa clínica. Tem uma lista deles aqui.


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