‘Antes do Viagra, pensava-se que a disfunção erétil era psicológica’, diz pesquisador
Sabia que a forma do comprimido Viagra, um diamante azul, foi escolhida porque seria difícil de falsificar? Além disso, era o formato que mais agradava os consumidores.
Há 20 anos, a droga chegava ao mundo para mudar quase tudo que se sabia sobre disfunção erétil. Foi publicada neste domingo (18), na Folha, uma reportagem minha a respeito dessa trajetória.
Enquanto aprendia sobre essa história, tive a oportunidade de entrevistar Ian Osterloh, químico e médico britânico que liderou os estudos clínicos do Viagra em meados da década de 1990.
Segundo ele, as inúmeras cartas que a Pfizer recebeu durante o desenvolvimento da droga fizeram a companhia perceber de que se tratava realmente de uma condição séria e que merecia tratamento.
A entrevista, aqui organizada em tópicos, revela detalhes do início da jornada que levou ao lançamento da droga em 1998 e de como ela mudou o pensamento predominante à época, de que uma droga oral contra a impotência não seria viável.
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INÍCIO DO TRABALHO
Eu me deparei com o projeto UK-92480, que depois veio a ser conhecido como citrato de sildenafila, no final dos anos 1980, quando colegas da Pfizer, em Sandwich, Inglaterra, me contaram sobre a ideia de bloquear as enzimas conhecidas como PDEs [fosfodiesterases].
Eles acreditavam que seria possível produzir uma droga capaz de bloquear a PDE-5 que pudesse ajudar a relaxar os vasos sanguíneos e tratar pessoas que tivessem pressão sanguínea elevada e/ou angina.
Naquela época, eu trabalhava no departamento de assuntos regulatórios, mas logo eu mudei de função para ajudar a implantar duas novas unidades de testes clínicos da Pfizer (uma perto de Sandwich e outra na Bélgica).
Um pouco depois, no início dos anos 1990, nós já estávamos estudando sildenafila como potencial tratamento para angina, mas os resultados não eram particularmente encorajadores. Em outro estudo clínico, que aconteceu no País de Gales, no entanto, alguns voluntários reportaram estar com melhores ereções. Então decidimos ver onde esse caminho nos levaria.
Eu comecei a trabalhar mais no UK-92480 em 1993 e, após alguns estudos-pilotos encorajadores, passei a me dedicar integralmente a esse projeto em 1994, planejando quais seriam os próximos estudos para descobrir quão bem a droga funcionaria em homens com disfunção erétil (DE).
DESENVOLVIMENTO INUSUAL
Há vários aspectos inusuais a respeito do desenvolvimento do Viagra como tratamento para DE. Obviamente já falamos sobre a mudança de direção do programa [de angina para disfunção erétil].
Quando nós falamos pela primeira vez sobre nossos planos de tratar DE para experts de fora da companhia, eles se mostraram céticos. Ninguém entendia como uma droga, especialmente uma que expande os vasos sanguíneos, poderia atuar nos vasos do pênis sem que houvesse grandes efeitos em outras partes do corpo. Muitos experts pensavam que nunca haveria um tratamento oral efetivo.
Outro aspecto inusual: os resultados dos testes eram cada vez melhores. Normalmente, no desenvolvimento de novas drogas, as expectativas são altas no começo, mas você tem de baixá-las –ou o tratamento não é tão efetivo como você esperava ou você não pode administrá-lo para certos pacientes ou os efeitos colaterais limitam a dose. E pode haver muitas outras razões para que uma promessa perca seu potencial.
COMPLEXIDADE X SIMPLICIDADE
A DE é uma condição complexa, com muitas possíveis causas, e há muitos agentes vasoconstritores e vasodilatadores agindo no organismo –ou seja, o próprio corpo faz um coquetel de substâncias para para regular a contração e o relaxamento dos vasos sanguíneos.
De início, eu não pensava que uma droga solitária, agindo em apenas um caminho químico, teria um efeito tão dramático na maioria dos homens. Foi ótimo ver que os resultados dos testes superaram nossas expectativas. E, claro, foi algo fantástico para os pacientes.
CONSCIENTIZAÇÃO
Nosso programa levou a uma grande conscientização sobre a DE e sobre a importância de conhecer suas causas. Antes dele, muitas pessoas consideravam que a doença tinha predominantemente uma origem psicológica. Agora virtualmente todos os experts concordam que a maior parte dos pacientes têm uma disfunção orgânica. Ou seja, homens que têm outras doenças que culminam na DE –como diabetes, aterosclerose ou hipertensão– podem se beneficiar dos tratamentos dessas condições.
Outro aspecto que não aparece na maior parte dos programas de desenvolvimento de novas drogas é tamanho interesse público –muitos homens com DE nos escreviam ou nos ligavam explicando como a condição tinham efeitos devastadores em seus relacionamentos e quão desesperados eles estavam para receber um tratamento efetivo. Essas cartas nos convenceram que havia uma demanda séria.
Vale lembrar que após o lançamento do medicamento em 1998, os testes continuaram –foram 120 estudos clínicos, somando 14.000 anos de vida de pacientes acompanhadas, além de trabalhos que levaram a identificar que o medicamento poderia ajudar pacientes com hipertensão arterial pulmonar.
SATISFAÇÃO E MUDANÇA DA HISTÓRIA
No início era apenas um projeto do qual era ótimo fazer parte –pesquisávamos um novo mecanismo de ação e eu estava ciente de que havia uma enorme necessidade de um medicamento para DE. Fico muito feliz de a Pfizer ter apoiado o projeto, especialmente em seu início. Tenho certeza de que em muitas outras companhias o projeto seria descontinuado.
Antes de nosso programa, a maior parte dos homens se mostrava relutante em falar de DE e não tinha ideia de que era um problema tão comum e também não sabiam que poderia haver um tratamento. Foi recompensador trazer um novo medicamento para o mercado capaz de ajudar homens e parceiras(os). O viagra já foi prescrito para algo como 66 milhões de homens em todo o mundo.
MERCADO HOJE
A maior parte dos homens hoje têm acesso a vários tratamentos diferentes contra a DE. No entanto, todos devem tomar cuidado para adquirir medicamentos de uma fonte confiável e sempre após consultar um profissional de saúde.
Essas drogas são algumas das mais falsificadas em todo o mundo. Entre os riscos estão uma elevada quantidade de princípio ativo e a presença de substâncias estranhas ou tóxicas.
ATUAÇÃO
Saí da Pfizer em 2007, mas continuei a trabalhar com a indústria farmacêutica como consultor, em inúmeros projetos de diversas companhias. Por exemplo, pude ajudar uma companhia a aprovar na Europa um medicamento que encolhe miomas uterinos, reduzindo o sangramento excessivo.
BRASIL
Nunca estive no Brasil, mas sempre fui um grande fã do futebol brasileiro desde que comecei a acompanhar o esporte; tenho uma bola autografada pelo Pelé.
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