Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Zika pode prejudicar cérebro muito tempo depois da infecção, mostra estudo em roedores https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/#respond Thu, 07 Jun 2018 03:06:46 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/zika-virus-estrutura-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=948 Dois trabalhos recentemente publicados mostram que o complexo panorama relacionado à zika pode ser ainda mais grave: a infecção pode ser devastadora também se acontecer após o nascimento e não somente no desenvolvimento intrauterino, como já se pensou. Além disso, os danos podem se estender até a vida adulta. Ambas as publicações estão no periódico especializado Science Translational Medicine.

O trabalho de publicação mais recente saiu nesta quarta-feira (6) e é fruto do esforço de uma equipe de cientistas da UFRJ, da Unifesp e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio.

Foram usados camundongos para mostrar que a infecção pelo vírus da zika poucos dias após o nascimento reduz permanentemente a força muscular dos animais, provoca o surgimento de crises epiléticas no curto prazo e aumenta a susceptibilidade a elas no longo prazo. 

A memória e a sociabilidade dos bichos também são prejudicadas. “Sabemos que algumas infecções neonatais podem estar associadas a doenças que surgem muitos anos mais tarde, como esquizofrenia e autismo”, diz a neurocientista Julia Clarke, da UFRJ, uma das coordenadoras do estudo.

Ela conta que a principal motivação era entender o que se passa com as 90% de crianças infectadas com zika que nascem sem alterações grosseiras, como a redução do tamanho da cabeça ou más-formações nos membros.

Essas complicações mais graves são mais comuns em infecções que acontecem no início da gestação, mas o que Clarke e colegas mostram é que elas podem ser relevantes mesmo quando acontecem no final do período (quando o desenvolvimento cerebral humano é comparável ao momento da infecção dos camundongos no estudo).

Uma mortalidade de 40% afligiu os grupos de camundongos com zika; os sobreviventes tinham menor peso corporal e tamanho do cérebro reduzido.

Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. "Mock" são os de animais controles, os marcados com "ZIKV" pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)
Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. “Mock” são os de animais controles, os marcados com “ZIKV” pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)

Cem dias depois da infecção, quando os animais já eram adultos, a quantidade de material genético do vírus permanecia elevada no cérebro, denunciando a atividade do patógeno.

A explicação para esse prejuízo neurológico seria uma permanente inflamação provocada pela replicação viral, algo que o organismo do roedor, assim como aparentemente acontece com o humano, tem dificuldade em solucionar.

Para testar a hipótese, os cientistas deram aos camundongos uma droga capaz de bloquear o TNF-alfa, molécula que participa de maneira importante do processo inflamatório.

“Agora que se sabe que a raiz dos danos neurológicos é a neuroinflamação causada pela intensa replicação do vírus no início da infecção, é possível buscar quem seriam os agentes responsáveis no organismo e atacá-los farmacologicamente”, diz a virologista da UFRJ Andrea Da Poian,  também coordenadora do estudo.

A droga escolhida para tratar os bichos, infliximabe, já é usada para tratar outras doenças inflamatórias, como a doença de Chron, artrite reumatoide e psoríase. O fato de ela já ser aprovada pela Anvisa facilitaria a eventual nova indicação, pulando etapas de estudos, já que aspectos de segurança e toxicidade são bem conhecidos.

Os animais tratados tiveram menor chance de desenvolver as crises epiléticas, mas mantiveram os sintomas motores e comportamentais. Os cientistas propõem que é possível que um tratamento baseado nesse raciocínio possa ajudar a atenuar os efeitos de longo prazo da infecção, mas ainda há muito que se avançar na questão.

“É difícil prever o que aqueles infectados ainda bebês podem desenvolver na fase adulta, mas é importante ter em mente que o que aconteceu ainda no útero pode, sim, ter consequências tardias”, diz Clarke.

“Está claro que um simples monitoramento da prevalência de microcefalia congênita ao nascer é uma medida insuficiente dos males trazidos pela neuropatologia causada pelo vírus da zika em crianças e adolescentes”, escrevem os autores na conclusão do estudo.

Além de Da Poian e Clarke, coordenaram o trabalho Iranaia Assunção-Miranda e Claudia P. Figueiredo, todas da UFRJ.

MACACOS

Um outro artigo recente, de pesquisadores da Universidade Emory e de outros centros de pesquisas nos EUA, mostrou, com experimentos em macacos resos (Macaca mulatta), que o vírus da zika é capaz, também em primatas, de provocar prejuízo no desenvolvimento cerebral.

Por meio de estudos histológicos (com fatias finas do órgão) e de ressonância magnética (que permite visualizar a estrutura), os cientistas observaram que o vírus da zika ataca especialmente o cérebro e a medula espinal –essa preferência recebe o nome de neurotropismo.

O patógeno reduz a quantidade de massa cinzenta no cérebro e altera a conectividade entre neurônios, prejudicando o funcionamento do órgão.

Os cientistas alertam que não há como fazer um paralelo entre o que se passa com os macacos e o que aconteceria com crianças e adolescentes humanos, mas que a tendência é que o desenvolvimento neurológico seja atrasado ou interrompido com a infecção, algo que deve demandar atenção dos serviços de saúde.


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Mosquito geneticamente modificado reduz em 80% a infestação em dois bairros de Piracicaba https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/03/30/mosquito-geneticamente-modificado-reduz-em-80-a-infestacao-em-dois-bairros-de-piracicaba/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/03/30/mosquito-geneticamente-modificado-reduz-em-80-a-infestacao-em-dois-bairros-de-piracicaba/#respond Thu, 30 Mar 2017 21:42:53 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=633 O mosquitinho geneticamente modificado da Oxitec que leva o ambicioso nome de “Aedes do Bem” teve mais um bom resultado em campo, na cidade de Piracicaba. Houve uma redução na casa 80% das larvas de Aedes aegypti selvagens em dois bairros diferentes, um na periferia da cidade e um na zona central.

Para fazer essa contabilidade entomológica, foram usadas armadilhas que capturam os ovos de mosquitos. Aqueles resultantes da reprodução dos mosquitos liberados não são contabilizados, já que eles são inviáveis, ou seja, não se tornarão mosquitos adultos.

Não necessariamente esse resultado implica em uma redução dos casos de dengue, que depende, entre outras coisas, do nível de aglomeração e do estado sorológico das pessoas (se elas tiveram dengue antes). Mas o que não se pode negar que é um bom motivo para a empresa comemorar.

Como mostrou o Cadê a Cura?, também houve redução do número de casos na área tratada inicialmente no bairro Cecap/Eldorado, que tinha alta incidência e que ficou abaixo da média municipal após a intervenção.

Para o diretor geral da Oxitec do Brasil, Jorge Espanha, o resultado é “espetacular” e se aproxima da meta de “perfeição” que seria o índice de 90%.

O gargalo para obter esse índice parece ser a reinfestação com mosquitos de outras áreas após o tratamento.

Por causa disso, explica, a Oxitec tem testado algumas novas táticas de liberação, com menos mosquitos, mas liberados em horários diferentes (de madrugada parece que eles têm melhor desempenho). Outro fator, diz Espanha, é o tempo, que também é monitorado para encontrar o melhor momento de liberação e otimizá-la.

Na cidade de Piracicaba, o projeto começou em 2015. “No segundo ano continuamos a ver resultados muito bons que, tenho certeza, fizeram uma grande diferença na vida dos moradores do bairro […] Os resultados iniciais no São Judas também mostram o acerto de nossa decisão em expandir o projeto para a região central de Piracicaba, em 2016”, disse o secretário de Saúde e Esportes, Pedro Mello, em comunicado à imprensa.

INTERESSE

Segundo Espanha, há diversos municípios interessados na tecnologia –que ainda não pode ser comercializada porque ainda não há liberação da Anvisa para essa finalidade.

Essas cidades estariam nos Estados de São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais e Pernambuco. Os contratos entre Oxitec e os municípios, no entanto, ainda não foi firmados.

“Não estamos buscando parceiro proativamente, mas estamos sendo muito pressionados”, afirma Espanha.

Para o diretor, ainda há um subdimensionamento do custo das doenças transmitidas pelo Aedes no Brasil. “Cinco dias de internação, afastamento do trabalho, pessoal no campo para controlar o vetor, campanhas educativas… Possivelmente gastamos bilhões de reais sem saber. E isso corrói os orçamentos [dos governos municipais, estaduais e federal].”

O pior de tudo, diz, é o prejuízo social. “Não tem como quantificar o impacto de um bebê com microcefalia, ou da morte de uma pessoa da família.”

No entanto, considerando os recursos –sempre limitados– no combate às doenças transmitidas pelo Aedes, seja zika, dengue ou chikungunya, ainda não sabemos o poder de competição da nova tecnologia.

Pelo menos, segundo Espanha, é possível combiná-la com a aplicação do fumacê, por exemplo, o que pode otimizar os resultados no campo e reduzir custos e o número mosquitos liberados.

 

Variação da infestação por Aedes selvagens ao longo de 2016 no bairro São Judas em comparação com o bairro Alvorada (controle) Credito: Divulgação/Oxitec

 

Mapa de calor da infestação (larvas capturadas em armadilhas) de Aedes selvagem bairro São Judas em comparação com o bairro Alvorada (controle) Credito: Divulgação/Oxitec

 

Variação da infestação por Aedes selvagens ao longo de 2016 no bairro do Cecap/Eldorado em comparação com o bairro Alvorada (controle) Credito: Divulgação/Oxitec

 

Mapa de calor da infestação (larvas capturadas em armadilhas) de Aedes selvagem bairro Cecap/Eldorado (que já estava sendo tratado) em comparação com o bairro Alvorada (controle) Credito: Divulgação/Oxitec


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Cesárea pode ter alterado a evolução do homem ao anular potencial prejuízo do cabeção do bebê https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/12/13/pelve-pequena-bebe-cabecudo/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/12/13/pelve-pequena-bebe-cabecudo/#respond Tue, 13 Dec 2016 08:02:45 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/12/6196615132_4eed6de9e6_b-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=497 Na intersecção entre gravidez e evolução, existe um problema geométrico: às vezes a cabeça do feto é simplesmente grande demais.

Se por um lado quanto maior o feto maior a chance de sobrevivência, por outro a dificuldade de encaixe pode ser letal tanto para o bebê quanto para quanto para a mãe. A taxa de ocorrência dessa desproporcionalidade cefalopélvica está entre 3% e 6% se olharmos para a média global.

Desse modo, faria sentido que em algum momento da história humana as mulheres de quadris largos tenham tido maior sucesso reprodutivo (fitness, evolutivamente falando) que as de quadris estreitos. 

(Há, no entanto, vantagens evolutivas em ter um quadril estreito, como a melhor dissipação de calor em ambientes quentes, mas nessa disputa os quadris grandes parecem ter levado vantagem por um um bom tempo.)

Por causa das cesáreas, mulheres de quadris estreitos, que antes tinham elevada chance de ter complicações no parto, conseguem fazer com que essa “desvantagem” evolutiva fosse praticamente anulada.

Se antes uma área de passagem do canal pélvico pequena demais perante o tamanho do bebê significava a morte de ambos, agora existe uma grande chance de uma mãe pequenina parir sem qualquer prejuízo.

Ou seja, se antes havia o que os biologistas chamam de “pressão evolutiva” a favor da permanência e disseminação de quadris grandes, hoje essa força da natureza não anda valendo grande coisa.

Curiosamente, trata-se de uma questão tipicamente humana –outros primatas e mamíferos não têm filhotes tão desproporcionalmente grandes.

HISTÓRIA

A técnica cirúrgica para realizar a cesárea é bastante antiga, embora não haja consenso exatamente onde surgiu primeiro. O método, claro, melhorou muito com o tempo: supõe-se que em seus primórdios, há mais de mil anos, ela era usada apenas para remover bebês de ventres de mães já mortas (já que não haveria outra maneira de ele sair dali).

Não seria difícil ter essa ideia já que, ao menos internamente, nossa anatomia se parece com a de outros mamíferos, como porcos –já comumente caçados, eviscerados e partidos com maestria por antigos caçadores.

Ilustração de uma cesárea, com um bebê nascendo do ventre de uma mãe já morta
Ilustração de uma cesárea, com um bebê nascendo do ventre de uma mãe já morta (Vida dos Doze Césares, de Suetônio)

QUADRIL FÊMEA

Também é tipicamente humano o “dilema obstétrico” de que nossa pelve teria sua forma moldada pelo conflito de dois fatores principais: a bipedalidade (que surgiu entre 4 e 5 milhões de anos atrás) e a capacidade de dar à luz a grandes bebês.

Cientistas analisaram a maneira com que a região se desenvolve ao longo da vida e a conclusão foi a de que a pelve feminina atingiria a conformação ótima para ter bebês com cabeças e corpos avantajados durante o ápice do período fértil. Depois disso, talvez por uma questão hormonal ou mesmo energética/nutricional, a pelve na mulher acaba perdendo essas propriedades e se “masculiniza”.

Ao por em perspectiva a história evolutiva das espécies, é possível admirar as sofisticadas soluções que a natureza trouxe para nossos problemas mais essenciais, como dar à luz.


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Vamos penar bastante antes de mapear todo o prejuízo causado pela zika em bebês https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/01/vamos-penar-bastante-antes-de-mapear-todo-o-prejuizo-causado-pela-zika-em-bebes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/01/vamos-penar-bastante-antes-de-mapear-todo-o-prejuizo-causado-pela-zika-em-bebes/#respond Fri, 01 Jul 2016 09:33:19 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/ZIKA-AVENER2-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=187 Em ciência e saúde, a história real é quase sempre mais complicada do que aquela que nos contam. Alguns novos estudos da agora não tão misteriosa relação entre zika e microcefalia foram publicados na última quarta (29).

A grande novidade de um deles, da revista “The Lancet”, é que não dá para confiar na microcefalia (definida pelo perímetro cefálico, ou circunferência da cabeça) como critério para saber quem foi ou não afetado pelo vírus da zika. Os cientistas já vinham especulando a respeito –o buraco causado pelo vírus vai bem mais embaixo e pode ser até “sutil”.

Um dos primeiros indícios de que isso poderia estar acontecendo é o fato de terem sido encontradas  lesões oculares em bebês cujas mães haviam sido infectadas por zika. Nessas crianças, o perímetro cefálico não acusava qualquer problema –só exames de imagem do cérebro (e do olho) mostravam alguma alteração.

O novo estudo foi bancado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e avaliou os primeiros 1501 investigados para zika. Destes, 899 foram descartados e os 602 restantes, de alguma maneira, teriam o que agora é chamado de “síndrome congênita da zika”.

O critério de classificação usado pelos cientistas (do mais provável caso de infecção para o menos provável) envolve a existência de exames laboratoriais que confirmem o vírus da zika, outros que descartem outras possíveis causas de microcefalia e exames de imagem do encéfalo.

A criação das cinco categorias ajuda a fazer algumas estatísticas. Uma delas mostra a relação entre o sintoma exantema (placas vermelhas ou rash) nas mães e a probabilidade de síndrome congênita do zika.

Como se vê, apesar de haver uma correlação entre a vermelhidão da pele e o nível de certeza diagnóstica, não dá para confiar muito nessa medida para saber se alguém tem zika. A chance de uma grávida com exantema ter um filho com síndrome congênita da zika é de apenas 71,1%, de acordo com os cientistas. Um grande número de mulheres que não tiveram vermelhidão na pele ficariam desassistidas se esse critério fosse eliminatório.

Abaixo coloquei o gráfico da mortalidade associada à cada nível de certeza diagnóstica. Também observamos um aumento conforme o grau de certeza sobe. O decréscimo justamente no ponto dos casos definitivos não quer dizer muita coisa –existe 95% de chance de o número real estar entre 4,4 a cada 1.000 e 86,6 a cada 1.000 (ou seja, na realidade não se sabe onde esse valor está. Isso porque o número de casos definitivamente confirmados é pequeno, e a margem de erro fica grande).

O mais interessante para o leigo, como eu, que não está imerso em maternidades medindo cabeças de recém-nascidos, é que o alardeado critério do tamanho da cabeça para microcefalia também não vale grande coisa.

O gráfico abaixo mostra que mesmo nos casos mais prováveis de síndrome congênita da zika, há uma parcela não desprezível que não seria selecionada pelo critério cabeça pequena mesmo em casos prováveis da síndrome congênita da zika. Vamos voltar em breve, aqui no Cadê a Cura?, a tratar desse assunto.

Em um comentário ao estudo, Jörg Heukelbach da Universidade Federal do Ceará e Guilherme Werneck, da UERJ, escreveram que seria possível incorporar sinais e sintomas neurológicos aos já conhecidos critérios de exantema da mãe e de perímetro cefálico, mas que a melhor aposta seria desenvolver um teste sorológico (já há algumas tentativas em curso) que pudesse ser incorporado na rotina pré-natal para detectar a zika e, quem sabe, permitir tratamento precoce (quem sabe com antibióticos, possibilidade mostrada em uma reportagem da Folha).

Diagrama de Venn que resume os achados
Diagrama de Venn que resume os achados (Reprodução/’The Lancet’)

“Enquanto o surto é um exemplo de quão rápido as evidências científicas podem (e devem) mudar a visão sobre uma doença, espera-se que as autoridades e a comunidade científica tenham de enfrentar por muitos anos as consequências da epidemia de zika, no Brasil e em qualquer outra parte do mundo”, concluem.

RESUMO DIFÍCIL

Os achados do artigo estão resumidos em um diagrama de Venn. Para quem não é muito fã da representação, basicamente o que ela quer dizer é que não dá para confiar em nenhum critério para bater o martelo quanto aos casos de infecção por zika. Há, inclusive, muitos casos que podem ter sérios prejuízos sem qualquer sintoma materno ou achado em exames de imagem neurológico –e talvez nem rastro de vírus tenha sobrado. Não há alternativa a não ser esperar para saber no que vai dar.

Na melhor das hipóteses, qualquer nascido durante esse surto, principalmente entre o final de 2015 e o começo de 2016, especialmente no Nordeste, estará sob suspeita de ter seu desenvolvimento neurológico (e de outras partes do organismo) afetado pelo vírus da zika. Enquanto isso, haverá inúmeros casos de pessoas desassistidas e bebês com casos não diagnosticados da recém-batizada síndrome congênita da zika, a qual a ciência ainda começa a compreender.

A única certeza que resta é que ainda vamos apanhar bastante da zika antes de achar um jeito de lidar corretamente com ela.


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Um estudo japonês de 2014 aponta que a chance de um bebê nascido com 37 semanas de gestação ter complicações respiratórias é 3,2 vezes aquela de um bebê de 38 semanas. Aqui estamos tratando de cesáreas eletivas.

Outras complicações são baixo peso, hipoglicemia e maior risco de internação na UTI. O risco diminui um pouco mais quando se escolhe aguardar até a 39ª semana.

Foi isso que motivou o Conselho Federal de Medicina a estabelecer a regra de que, no caso de a grávida querer fazer uma cesárea, ela deve ser informada dos riscos e aguardar até a 39ª semana.

Aqui tem uma excelente reportagem a respeito, da colega Natália Cancian.

Quem ganha e quem perde com a nova medida? Como vai ser o futuro das cesáreas? Vai aumentar?

Para discutir o assunto no “TV Folha ao Vivo” desta terça (22), fomos escalados eu e a Mariana Versolato, editora-adjunta de “Cotidiano”. A entrevistada é Rossana Francisco, coordenadora científica de obstetrícia da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo) e professora da Faculdade de Medicina da USP.

Veja abaixo o vídeo:

http://mais.uol.com.br/view/15903480

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