Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Falta de proteína na dieta está associada à síndrome da zika em bebês https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/falta-de-proteina-na-dieta-esta-associada-a-sindrome-da-zika-em-bebes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2020/01/14/falta-de-proteina-na-dieta-esta-associada-a-sindrome-da-zika-em-bebes/#respond Tue, 14 Jan 2020 10:06:09 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/zika1-320x215.png https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1232 Cientistas do Brasil, Argentina, EUA e Inglaterra conseguiram adicionar mais uma peça ao quebra-cabeça da zika. Eles descobriram que a falta de proteína na dieta da mãe está associada a uma maior chance de o filho sofrer com os efeitos da infecção.

Os pesquisadores, coordenados por Patrícia Garcez, da UFRJ, relatam os novos achados na última edição da revista Science Advances.

Já se sabia que a maior parte dos casos da síndrome congênita da zika (ou SCZ, cujos efeitos vão além da microcefalia) surgiram no Nordeste, especialmente em regiões pobres. Os cientistas calcularam que existe uma correlação baixa, porém significante (ou seja, que não pode ser desprezada) entre as taxas de crianças nascidas com microcefalia e de pessoas desnutridas em 24 estados com áreas na região tropical.

Na primeira etapa da pesquisa, 83 mães de crianças com SCZ residentes no Ceará foram entrevistas para avaliar seus hábitos alimentares durante a gestação. Dessas, 37% tinham uma ingestão proteica abaixo do recomendado (61 gramas ao dia). A ingestão das mães da amostra em média era de 64 g/dia, abaixo da média regional, de cerca de 70 g/dia.

A proteína é um macronutriente está presente em quase todos os alimentos, mas em maior quantidade em carnes, ovos, iogurte, queijo, ervilha, feijão e soja, por exemplo.

Trata-se de uma das frações mais valiosas da dieta de uma pessoa, tanto no sentido monetário quanto metabólico. No caso de desnutrição proteica, é possível que a pessoa esteja até mesmo acima do peso, por causa do excesso dos outros macronutrientes (carboidratos e gorduras). Seu organismo, contudo, se ressente, com a imunidade e funções de reparo e regeneração prejudicadas.

Numa segunda etapa do estudo, foram utilizados camundongos para entender experimentalmente se a desnutrição materna poderia de alguma maneira favorecer a infecção pelo vírus da zika em fetos.

Havia quatro grupos: grupo controle (camundongos sem intervenção), grupo infectado com zika, grupo com dieta de baixa proteína e o grupo infectado e que recebeu dieta de baixa proteína.

Alguns animais do grupo infectado submetido a dieta hipoproteica apresentaram anormalidades da placenta, com uma estrutura degenerada que permitia uma mistura do sangue da mãe com células do feto.

Faz sentido pensar que essa degeneração pode funcionar como uma avenida para o vírus da zika infectar o feto. E os filhotes, de fato, apresentaram um cérebro menor, com menos proliferação celular, e cortex cerebral (área considerada mais nobre) reduzida.

Figura mostra diferença no tamanho do cérebro e na espessura do córtex em filhotes de camundongos provocada pela infecção pelo vírus da zika associada à dieta materna com pouca proteína (Reprodução/Science Advances)

“A infecção pelo vírus da zika é um processo patológico complexo no qual a magnitude das anomalias congênitas não está somente associada à carga viral em cada tecido. Fatores indiretos como o dano à placenta também pode ter papel importante”, escrevem os autores no artigo. Para eles, aprofundar o conhecimento da síndrome é crucial para encarar futuras epidemias.

“Só melhorar a dieta não vai ajudar a proteger contra as infecções pelo vírus da zika, mas ela pode determinar a severidade da síndrome congênita”, diz Zoltán Molnár, professor de fisiologia de Oxford, em comunicado à imprensa.

Além da desnutrição, outros fatores podem ajudar a explicar a síndrome congênita da zika: carga genética, infecção anterior pelo vírus da dengue e até mesmo contaminação por uma toxina.


Gostou? Compartilhe! Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou contate-me nas redes sociais (@gabrielalves038 no Instagram, no Facebook e no Twitter).

Clique aqui e receba as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

A internet está cheia de curas impossíveis, achismos e charlatães, diz neurologista

Dor nas costas pode ter origem em doença inflamatória

Por que a Anvisa libera produtos homeopáticos? Veja as respostas da agência

]]>
0
Por que a zika afetou mais o Nordeste? Uma toxina pode ser a explicação https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/por-que-a-zika-afetou-mais-o-nordeste-uma-toxina-pode-ser-a-explicacao/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/por-que-a-zika-afetou-mais-o-nordeste-uma-toxina-pode-ser-a-explicacao/#respond Tue, 03 Sep 2019 11:04:08 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/Screenshot-2019-09-03-at-02.41.47-320x215.png https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1134 Uma das maiores questões que o surto de zika deixou foi esta: por que o Nordeste teve tantos bebês com microcefalia e outras complicações neurológicas? Um levantamento mostra que 88,4% dos casos graves estudados são de lá enquanto somente 8,7% são do Sudeste. Como explicar a discrepância, se a circulação do vírus foi intensa em ambas as regiões?

Cientistas do Rio de Janeiro (Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, UFRJ, IOC/Fiocruz) e de Pernambuco (Universidade Federal Rural de Pernambuco) encontraram uma possível resposta: uma toxina.

Trata-se da saxitocina (STX), molécula produzida pela Raphidiopsis raciborskii, uma cianobactéria (ou alga-azul) bastante comum na América do Sul. A STX tem capacidade de se ligar às células nervosas e causar um efeito paralisante que pode ser letal mesmo em pequenas quantidades.

O Nordeste é a região onde há maior ocorrência de amostras de água ricas em cianobactérias. A hipótese dos cientistas é que, de alguma maneira, a STX poderia facilitar o surgimento de casos graves de microcefalia. Por azar, no do início do surto de zika, em 2015, o NE passava por uma grande seca, uma das piores da história. É possível que parte da população tenha recorrido a estoques de água especialmente contaminados.

O limite de segurança adotado pelo Ministério da Saúde para a presença da STX na água é de 3 microgramas  (0,000003 grama) por litro de água, informam os pesquisadores, mas concentração da toxina raramente chega a tanto nos reservatórios do semiárido. Mesmo depois de ferver e filtrar, é possível que a molécula permaneça inteira e cause efeitos deletérios no organismo.

Ocorrência de cianobactérias no Brasil entre 2014 e 2018; Nordeste concentra amostras com quantidade elevada de micro-organismos (Crédito: Reprodução/Pedrosa CSG e colaboradores)

O primeiro experimento dos cientistas envolveu o uso de minicérebros, organoides construídos em laboratório que permitem estudar o comportamento do tecido nervoso em resposta a mutações genéticas, infecções e tratamentos.

Após a exposição ou não à STX, minicérebros foram ou não infectados pelo vírus da zika. O resultado: o fato de ter sido exposto à toxina aumentou em 2,5 vezes a morte de células pelo vírus da zika. Sozinha, a STX não foi especialmente danosa aos miniórgãos.

O próximo passo envolveu testes em animais. Os cientistas testaram, em camundongos fêmeas, uma ingestão de toxina em uma concentração de 15 nanogramas por litro –menos de um centésimo do limite estabelecido para humanos–, diretamente diluída na água dos bichos, ao longo de uma semana.

Depois disso, as fêmeas acasalaram e foram infectadas com o vírus da zika, mimetizando o que poderia ter ocorrido com mulheres no Nordeste.  Os filhotes dessas fêmeas apresentaram uma redução significativa do córtex (camada mais externa do cérebro) e, neles, a morte de células-tronco também se acentuou.

A conclusão dos cientistas é que é possível explicar, ao menos em parte, o tamanho da crise de zika no Nordeste brasileiro.

“A sinergia entre a cianobactéria e o vírus da zika faz o alerta de que a exposição à STX deveria também ser considerada uma preocupação de saúde pública durante os surtos de arboviroses. É importante esclarecer que a microcefalia e outras anomalias congênitas ligadas à zika são multifatoriais. Outros elementos, portanto, podem ter contribuído para o padrão incomum de distribuição da síndrome congênita da zika no Brasil”, escrevem os autores.

 

Figura mostra efeito dos tratamentos com STX e vírus da zika no cérebro de camundongos; há especial redução do córtex cerebral em especial nos filhotes de mães tratadas com a toxina e depois infectados com o vírus (Crédito: Reprodução/Pedrosa CSG e colaboradores)

“Desnutrição, genética, coinfecções ou infecções anteriores muito provavelmente também contribuíram. Nenhum trabalho científico é definitivo, justamente porque sempre surgem novas questões a partir dele, e poderá sempre ser refutado com novos dados científicos”, explica um dos autores do trabalho, o neurocientista Stevens Rehen, do Instituto D’Or e da UFRJ.

“O trabalho foi todo realizado no Brasil, apesar dos poucos recursos disponíveis”, diz Rehen. O estudo contou com apoio da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), BNDES, Finep e Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (Ministério da Saúde).

Devido à relevância para a saúde pública, a pesquisa foi publicada primeiro na forma de pré-print, ou seja, foi disponibilizada ao público antes mesmo de ser revisada por cientistas independentes, não ligados ao estudo.


Gostou? Compartilhe! Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou contate-me nas redes sociais (@gabrielalves038 no Instagram, no Facebook e no Twitter).

Clique aqui e receba as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Técnica que usa micro-ondas testada no Icesp destrói tumor em quatro minutos

Refrigerantes e sucos, mesmo os naturais, podem aumentar risco de câncer

Em São Paulo, árvores contam histórias sobre a PAF, doença genética rara

]]>
0
Infecção anterior por dengue piora microcefalia por zika em roedores https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/infeccao-anterior-por-dengue-piora-microcefalia-por-zika-em-roedores/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/27/infeccao-anterior-por-dengue-piora-microcefalia-por-zika-em-roedores/#respond Wed, 27 Feb 2019 21:01:43 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/09/14345517822_4c8271d94e_k-180x116.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1099 Um estudo publicado nesta quarta (28) mostra que é possível que infecções anteriores pelo vírus da dengue piorem a gravidade da microcefalia gerada pelo vírus da zika. Os experimentos foram feitos em camundongos os resultados são mais uma peça no quebra cabeça que intriga cientistas desde 2015, quando o surto teve início no Brasil.

Os vírus da família dos flavivírus (como dengue, zika e febre amarela) apresentam neurotropismo, ou seja, têm uma preferência natural em infectar e se reproduzir em células do sistema nervoso, mas só o vírus da zika sabidamente causa microcefalia.

Nos experimentos, em camundongos fêmeas infectadas apenas com vírus da zika também houve redução no tamanho da cabeça, mas naqueles que já tinham anticorpos contra o vírus da zika a má-formação foi acentuada.

Uma explicação possível para o fenômeno é a atividade da proteína FcRN, responsável por transferir anticorpos da mãe para os fetos.

Comparação dos tamanhos da cabeça de fetos de camundongo controle, infectado com vírus da zika e infectado por vírus da zika em fêmea que já teve dengue (crédito: Science Advances)

No organismo dos fetos, os anticorpos antidengue, ao se ligarem de maneira inefetiva às partículas virais de zika, aumentariam o poder de infecção delas, ampliando o efeito e minimizando as chances de o organismo combatê-las.

A importância desse fenômeno, conhecido como potencialização dependente de anticorpos (ou ADE, na sigla em inglês), para explicar o grande número de casos de bebês com microcefalia e outras más-formações, especialmente no Nordeste, ainda é motivo de debate entre cientistas.

Recentemente um estudo epidemiológico em humanos apontou justamente o oposto do observado nesse novo estudo em animais, ou seja, que a imunidade para dengue poderia ajudar a prevenir casos graves decorrentes de infecção do vírus da zika.

O virologista Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de Rio Preto, foi um dos coordenadores do estudo com humanos, feito com 1.500 moradores de um bairro de Salvador. Segundo ele não dá para dizer que esse seja o mecanismo que explique a presença do surto de microcefalia no Nordeste. Se a explicação fosse apenas a infecção prévia por dengue, restaria ainda explicar as baixas taxas de casos de microcefalia nas regiões de Ribeirão Preto (interior de São Paulo), de Manaus e na Colômbia, por exemplo.

“Não bate com as evidências epidemiológicas que temos. Eu ainda não compro essa explicação”, afirma Nogueira.

Segundo os autores do novo estudo, que saiu na Science Advances, ainda falta compreender os mecanismos envolvidos no transporte de anticorpos da mãe para o feto em humano. Na nossa espécie, que tem uma gestação muito mais longa que a de camundongos (38 versus 3 semanas), alguns momentos do desenvolvimento parecem ser mais sensíveis do que outros.

No fim das contas ainda há questões a serem resolvidas enquanto o fantasma das arboviroses continua a nos assombrar.


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou contate-me nas redes sociais (InstagramFacebook Twitter). Se preferir, escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com

Clique aqui e receba as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Cremação de paciente que tomou droga radioativa gera contaminação nos EUA

Super-humanos? Talvez em breve

Entenda por que a dengue tipo 2 pode ser perigosa

]]>
0
Entenda por que a dengue tipo 2 pode ser perigosa https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/01/entenda-por-que-a-dengue-tipo-2-pode-ser-perigosa/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/02/01/entenda-por-que-a-dengue-tipo-2-pode-ser-perigosa/#respond Fri, 01 Feb 2019 10:18:49 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/BRAZIL-TREATMENT_53056421-180x134.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1074 Existem quatro subtipos de vírus da dengue: 1, 2, 3 e 4. Na prática, isso significa uma doença “quatro em um”. Isso porque quando um indivíduo se infecta com um dos tipos, no caso de uma boa resolução, ele se torna imune apenas a ele.

Ou seja, numa segunda vez que o indivíduo seja picado por um Aedes e pegue dengue (de um outro tipo) ele tem chance de ter a doença de novo. Pior: a infecção pode ser mais grave, na forma de dengue hemorrágica, mais letal.

Na dinâmica epidemiológica da dengue, a cada três ou quatro anos um dos tipos acaba sendo mais presente. Ao que tudo indica, nesse verão será o tipo 2 o que vai trazer mais preocupação aos brasileiros.

O tipo 2, em particular, representa uma espécie de desafio para a confecção de vacinas. Segundo estudos, a estrutura dele é peculiar em relação à dos demais tipos. É particularmente difícil, nesse vírus, encontrar um lugar onde os anticorpos possam se ligar e desencadear a resposta imunológica do organismo.

A vacina atualmente disponível contra a dengue no mercado, a Dengvaxia, da Sanofi, é menos eficaz contra o tipo 2 do que contra os demais, de acordo com pesquisas da própria empresa. Atualmente, ela só é indicada para quem já teve dengue ao menos uma primeira vez e é capaz de prevenir 93% de casos graves.

Uma nova infecção pode ser mais grave devido à ligação ineficaz de anticorpos, gerados em uma infecção anterior ou em resposta a uma vacina, aos vírus. É o que os cientistas chamam de potencialização dependente de anticorpos (ADE, na sigla em inglês).

O ADE também é uma das hipóteses para explicar por que houve tantos casos graves de zika no mundo nos últimos anos: os anticorpos antidengue se ligariam fracamente ao vírus da zika, amplificando seu potencial para causar desastres neurológicos.

 

Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou contate-me nas redes sociais (InstagramFacebook Twitter). Se preferir, escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Morre o cardiologista Antonio Carlos Carvalho, que ajudou a reduzir mortes por infarto

Quais são os riscos de ter diabetes do tipo 1?

Microambiente tumoral pode esconder resposta contra o câncer

]]>
0
Matemáticas desvendam comportamento da gripe e do ebola https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/08/23/matematicas-desvendam-comportamento-da-gripe-e-do-ebola/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/08/23/matematicas-desvendam-comportamento-da-gripe-e-do-ebola/#respond Thu, 23 Aug 2018 05:03:29 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/broad-street-320x213.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1003 O médico John Snow (1813-1858, não confundir com Jon Snow, o herói bastardo de “Game of Thrones”) mostrou, em meados do século 19, que um surto de cólera em Londres tinha a ver com água infectada. A conclusão veio de uma associação geográfica entre os casos e uma bomba de abastecimento contaminada com esgoto em Londres.

Era o fim a teoria do miasma, espécie de ar maléfico que espalharia doenças, e início da epidemiologia moderna —uma das área das ciências médicas que mais se valem de cálculos. Embora mais de 150 anos tenham passado, o importante papel da matemática para a compreensão da dinâmica das doenças não mudou.

Em uma de suas linhas de pesquisa, Shweta Bansal, matemática da Universidade Georgetown, em Washington, investiga o comportamento da gripe, doença sazonal causada pelo vírus influenza e o papel das interações sociais para sua disseminação.

Ela conseguiu associar o pico de afecção de adultos ao recesso escolar que acontece em dezembro nos EUA. Outra possibilidade de explicação seriam as viagens para ver a família, mas o rigor matemático mostrou que elas não são decisivas.

O resultado, explica Bansal, pode ajudar as autoridades a elaborarem estratégi23as de prevenção, as quais se somariam às recomendações de vacinação e de higienização das mãos.

Para chegar a essas conclusões, a cientista analisou relatórios semanais, com número de diagnósticos separados por idade, produzidos por de mais de 400 mil médicos espalhados pelo país. As localidades foram identificadas por meio do CEP –algo não muito diferente, em essência, do que fez Snow.

Ajustes tiveram de ser feitos levando em conta, por exemplo, as pessoas que não procuram atendimento médico ou que não têm seguro saúde —responsável por prover parte das informações. Esses dados do mundo real, ou seja, fora de um contexto de estudo controlado, nem sempre são fáceis de se obter e têm de ser ajustados também, por exemplo, pela densidade populacional e de médicos.

Uma outra pesquisa de modelagem matemática aplicada à epidemiologia, comandada por Lora Billings, da Montclair State University, em Nova Jersey, conseguiu aproximar modelos clássicos de espalhamento de doenças à realidade adicionando apenas uma camada de complexidade: uma perturbação, ou ruído, no jargão da área.

O ruído não é uma entidade transcendental. Ele pode ser reflexo da chegada de um novo indivíduo contaminado ou da presença de reservatórios (animais contaminados com os agentes infecciosos).

Mesmo em condições de aparente tranquilidade epidemiológica, pequenos surtos de ebola começaram a pipocar em países como Libéria, Serra Leoa e Guiné antes do grande boom. Resultado: mais de 11 mil mortos entre 2014 e 2016. Após um curto período mais silencioso, neste ano de 2018 já houve um novo surto na República Democrática do Congo.

A partir desse exemplo é possível visualizar a dificuldade de lidar também com outras doenças infecciosas, como dengue, zika e chikungunya.

O mosquito Aedes aegypti já chegou a ser declarado erradicado no Brasil na década de 1950 —e aqui estamos, em um cenário rico em surtos e no qual se busca vacinas para tentar conter a expansão das arboviroses (apesar da intensificação recente de manifestações antivacina, vale notar).

As duas cientistas americanas estão no Brasil a convite do consulado dos EUA, em uma iniciativa para promover colaborações científicas entre os dois países. Entre as possibilidades, diz Billings, está o estudo de como a mudança climática pode interferir no espalhamento das doenças transmitidas pelo Aedes.


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Risco de demência e diabetes é menor para quem consome álcool

Estudo decifra rota da zika até o Brasil –doença veio do Haiti

Edição genética de embriões é considerada ética por organização britânica

]]>
0
Estudo decifra rota da zika até o Brasil –doença veio do Haiti https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/08/14/zika-e-haiti/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/08/14/zika-e-haiti/#respond Tue, 14 Aug 2018 22:44:32 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/zika-virus-estrutura-320x213.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=987 Um estudo comandado por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em Pernambuco desvendou a rota percorrida pelo vírus da zika até que ele desembarcasse em terras brasileiras. Ao que tudo indica, a penúltima parada foi o Haiti: é possível que os próprios haitianos que vieram para o Brasil estivessem infectados, ou ainda que os militares brasileiros que participaram de uma missão de paz no país caribenho tenham trazido o patógeno.

O vírus, que no Brasil foi responsável por um surto de casos de microcefalia, especialmente na região Nordeste, antes passou por Polinésia Francesa, por países da Oceania, Ilha de Páscoa e só daí ela foi para a América Central e Caribe, antes de chegar por aqui. A rota se assemelha àquela percorrida pelos vírus da dengue e da chikungunya.

Além disso, os pesquisadores identificaram ao menos seis linhagens da variante asiática do vírus da zika circulando no Brasil. Um próximo passo nessa linha de pesquisa é tentar saber se os vários tipos têm comportamentos distintos entre si.

Do ponto de vista de saúde pública, com essa informação é possível traçar estratégias para tentar evitar ou reagir mais rapidamente à chegada de outros vírus no país.

“Nossos resultados enfatizam a necessidade de observar com atenção os procedimentos de biossegurança nos principais pontos de entrada e de garantir que haja uma vigilância sistemática para as arboviroses, a fim de monitorar a circulação e a evolução delas, conforme os vírus se espalham pelo mundo”, escrevem os autores do estudo, publicado na revista especializada International Journal of Genomics.

Outros elementos que ajudam a atacar a questão são o monitoramento de mosquitos, para ver quais vírus carregam, e os dados de diagnóstico clínico de pessoas com a doença.

No Brasil, desde o início do surto, em 2015, os casos suspeitos de zika superam 231 mil; os confirmados, 137 mil. O número de casos de síndrome fetal congênita (que inclui microcefalia, problemas de visão, de articulação entre outros) está em 2.931, e 11 mortes já foram ligadas à doença, segundo os dados mais recentes.

O trabalho da Fiocruz foi financiado pela Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco).


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Edição genética de embriões é considerada ética por organização britânica

Médicos defendem combinação de drogas no início do tratamento contra diabetes

Enfermeiras, psicólogas, nutricionistas e assistentes sociais têm mais desafios na carreira acadêmica

]]>
0
Zika pode prejudicar cérebro muito tempo depois da infecção, mostra estudo em roedores https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/zika-adulto/#respond Thu, 07 Jun 2018 03:06:46 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/zika-virus-estrutura-320x213.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=948 Dois trabalhos recentemente publicados mostram que o complexo panorama relacionado à zika pode ser ainda mais grave: a infecção pode ser devastadora também se acontecer após o nascimento e não somente no desenvolvimento intrauterino, como já se pensou. Além disso, os danos podem se estender até a vida adulta. Ambas as publicações estão no periódico especializado Science Translational Medicine.

O trabalho de publicação mais recente saiu nesta quarta-feira (6) e é fruto do esforço de uma equipe de cientistas da UFRJ, da Unifesp e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio.

Foram usados camundongos para mostrar que a infecção pelo vírus da zika poucos dias após o nascimento reduz permanentemente a força muscular dos animais, provoca o surgimento de crises epiléticas no curto prazo e aumenta a susceptibilidade a elas no longo prazo. 

A memória e a sociabilidade dos bichos também são prejudicadas. “Sabemos que algumas infecções neonatais podem estar associadas a doenças que surgem muitos anos mais tarde, como esquizofrenia e autismo”, diz a neurocientista Julia Clarke, da UFRJ, uma das coordenadoras do estudo.

Ela conta que a principal motivação era entender o que se passa com as 90% de crianças infectadas com zika que nascem sem alterações grosseiras, como a redução do tamanho da cabeça ou más-formações nos membros.

Essas complicações mais graves são mais comuns em infecções que acontecem no início da gestação, mas o que Clarke e colegas mostram é que elas podem ser relevantes mesmo quando acontecem no final do período (quando o desenvolvimento cerebral humano é comparável ao momento da infecção dos camundongos no estudo).

Uma mortalidade de 40% afligiu os grupos de camundongos com zika; os sobreviventes tinham menor peso corporal e tamanho do cérebro reduzido.

Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. "Mock" são os de animais controles, os marcados com "ZIKV" pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)
Cérebros de camundongos de estudo da UFRJ. “Mock” são os de animais controles, os marcados com “ZIKV” pertenciam a animais infectados (Reprodução/Science Translational Medicine)

Cem dias depois da infecção, quando os animais já eram adultos, a quantidade de material genético do vírus permanecia elevada no cérebro, denunciando a atividade do patógeno.

A explicação para esse prejuízo neurológico seria uma permanente inflamação provocada pela replicação viral, algo que o organismo do roedor, assim como aparentemente acontece com o humano, tem dificuldade em solucionar.

Para testar a hipótese, os cientistas deram aos camundongos uma droga capaz de bloquear o TNF-alfa, molécula que participa de maneira importante do processo inflamatório.

“Agora que se sabe que a raiz dos danos neurológicos é a neuroinflamação causada pela intensa replicação do vírus no início da infecção, é possível buscar quem seriam os agentes responsáveis no organismo e atacá-los farmacologicamente”, diz a virologista da UFRJ Andrea Da Poian,  também coordenadora do estudo.

A droga escolhida para tratar os bichos, infliximabe, já é usada para tratar outras doenças inflamatórias, como a doença de Chron, artrite reumatoide e psoríase. O fato de ela já ser aprovada pela Anvisa facilitaria a eventual nova indicação, pulando etapas de estudos, já que aspectos de segurança e toxicidade são bem conhecidos.

Os animais tratados tiveram menor chance de desenvolver as crises epiléticas, mas mantiveram os sintomas motores e comportamentais. Os cientistas propõem que é possível que um tratamento baseado nesse raciocínio possa ajudar a atenuar os efeitos de longo prazo da infecção, mas ainda há muito que se avançar na questão.

“É difícil prever o que aqueles infectados ainda bebês podem desenvolver na fase adulta, mas é importante ter em mente que o que aconteceu ainda no útero pode, sim, ter consequências tardias”, diz Clarke.

“Está claro que um simples monitoramento da prevalência de microcefalia congênita ao nascer é uma medida insuficiente dos males trazidos pela neuropatologia causada pelo vírus da zika em crianças e adolescentes”, escrevem os autores na conclusão do estudo.

Além de Da Poian e Clarke, coordenaram o trabalho Iranaia Assunção-Miranda e Claudia P. Figueiredo, todas da UFRJ.

MACACOS

Um outro artigo recente, de pesquisadores da Universidade Emory e de outros centros de pesquisas nos EUA, mostrou, com experimentos em macacos resos (Macaca mulatta), que o vírus da zika é capaz, também em primatas, de provocar prejuízo no desenvolvimento cerebral.

Por meio de estudos histológicos (com fatias finas do órgão) e de ressonância magnética (que permite visualizar a estrutura), os cientistas observaram que o vírus da zika ataca especialmente o cérebro e a medula espinal –essa preferência recebe o nome de neurotropismo.

O patógeno reduz a quantidade de massa cinzenta no cérebro e altera a conectividade entre neurônios, prejudicando o funcionamento do órgão.

Os cientistas alertam que não há como fazer um paralelo entre o que se passa com os macacos e o que aconteceria com crianças e adolescentes humanos, mas que a tendência é que o desenvolvimento neurológico seja atrasado ou interrompido com a infecção, algo que deve demandar atenção dos serviços de saúde.


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Exame baseado em inteligência artificial pode ajudar a achar tratamento contra o câncer

Melhores médicos: por que só há homens na lista do Datafolha?

Doença que afeta mais de um milhão de brasileiros, urticária crônica espontânea ainda é desconhecida

]]>
0
Contra Aedes, dengue e zika, Juiz de Fora inicia liberação de mosquitos transgênicos https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/11/30/juiz-de-fora-e-o-aedes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/11/30/juiz-de-fora-e-o-aedes/#respond Thu, 30 Nov 2017 21:39:03 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/BRAZIL-TREATMENT_53056421-180x134.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=828 A cidade mineira de Juiz de Fora, assim como Piracicaba (SP), fará uso de mosquitos geneticamente modificados para tentar combater o principal vetor urbano de zika, dengue e chikungunya, o Aedes aegypti.

Os primeiros testes tiveram início nesta quinta-feira (30) e devem cobrir uma área onde moram cerca de 10 mil pessoas e na qual há alto risco de dengue. Em 2016 houve mais de 35 mil notificações na cidade; no ano de 2017 elas somam 222.

Em entrevista à Folha, que foi o primeiro veículo a noticiar a chegada dos mosquitinhos transgênicos à cidade, a secretaria de saúde informou que foram gastos em 2016 R$ 7 milhões de reais além do previsto pelo orçamento inicial daquele ano.

A abordagem tecnológica, oferecida pela empresa Oxitec, segundo informações divulgadas nesta quinta, devem custar para o município R$ 3,3 milhões em quatro anos.

Apesar de o valor ser menor que o gasto extra de 2016, é mais do que o dobro que aquele informado inicialmente à Folha no mês de junho pelo município (R$ 1,32 milhão). O contrato só foi assinado em julho.

Devem ser liberados, de acordo com a empresa, dois milhões de mosquitos por semana e o projeto durará dois anos.

INCERTEZAS

Ainda há muita incerteza em relação a qual vai ser o comportamento do mosquito transgênico, também chamado de “Aedes do Bem” (nome comercial), na nova cidade. Isso pode levar a que ajustes tenham de ser feitos “durante o voo”, ao longo dos próximos meses e anos.

Em Piracicaba, por exemplo, houve índices de supressão que superaram os 80%. O acompanhamento será feito por meio de armadilhas que capturam os ovos das fêmeas locais. Os ovos dos Aedes transgênicos (só machos são liberados) com as fêmeas selvagens brilham e não se desenvolvem até à fase adulta.

A expansão da atuação da Oxitec no país vem acontecendo por meio de parcerias com prefeituras, as quais são formatadas como projetos de pesquisa. Isso se dá porque os Aedes do Bem não tem aval de agências reguladoras –já faz mais de dois anos que a tecnologia está na “fila” à espera de um parecer.

Os mosquitos são produzidos em Piracicaba e só os machos são “exportados” (em recipientes refrigerados), chegando a Juiz de Fora em estágio de pupa. Em uma espécie de “maternidade” local, os insetos chegam à fase adulta e são liberados. Eles vivem de dois a quatro dias na natureza. A expectativa da Oxitec é que, no futuro, Juiz de Fora possa abrigar todo o processo de produção.


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Pés gigantes em SP alertam sobre doença genética rara PAF, a polineuropatia amiloidótica familiar

Assembleia Estadual de SP deve iniciar nas próximas semanas a CPI da fosfoetanolamina

Grupo de pesquisa do A.C.Camargo vai tentar desvendar segredos da imunoterapia anticâncer

]]>
0
Empresa de biotecnologia Oxitec testará linhagem melhorada de Aedes aegypti transgênico https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/08/08/novo-aedes-transgenico/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/08/08/novo-aedes-transgenico/#respond Tue, 08 Aug 2017 23:46:00 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/BRAZIL-TREATMENT_53056421-180x134.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=764 Um inovação da empresa de biotecnologia Oxitec pode, além de reduzir seus custos operacionais, ampliar a ação de seus mosquitos Aedes aegypti transgênicos na natureza.

O novo mosquito é diferente do OX513A, usada em testes no país, em Juazeiro (BA), Piracicaba (SP) e, agora, em Juiz de Fora (MG), por exemplo. Ao cruzar com as fêmeas selvagens –e são elas que picam e transmitem doenças–, os machos tornam a prole delas inviável.

A linhagem OX5034 deu um passo adiante. Nela, os machos sobrevivem naturalmente e as fêmeas não se desenvolvem. E isso traz duas consequências importantes.

A primeira é a redução de custos da empresa, que atualmente separa mecanicamente pupas machos e fêmeas de insetos durante a produção dos mosquitos OX513A.

A segunda, epidemiologicamente mais interessante, é que com a prole masculina do inseto sobrevivendo, pode haver um efeito remanescente, isto é, a prole dos Aedes OX5034 nascidos nos locais de soltura e arredores podem continuar inviabilizando a prole de fêmeas remanescentes no futuro.

Esse segundo efeito também pode ter um efeito financeiro, reduzindo o número de mosquitos machos liberados para obter um mesmo efeito.

A artimanha molecular para criar o OX5034 é chamada de sex splicing: os biólogos conseguem fazer com que os mesmos genes sejam ativados diferentemente a depender do sexo da criatura.

TESTES

O novo mosquito, desenvolvido na sede da Oxitec, no Reino Unido, possivelmente será testado em Indaiatuba (SP), a 100 km da capital, que negocia com a empresa a realização de ensaios com 36 meses de duração em diferentes áreas da cidade. A autorização de liberação foi dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

A decisão do CNTBio indica que há baixo risco para a saúde humana, animal e vegetal, tendo também pouco impacto no ambiente. Convém lembrar que o combate direcionado ao Aedes aegypti não suscita muitos dilemas de natureza ambiental, já que se trata de uma espécie invasora.

“Trata-se de uma autorização só para fazer uma LPMA (Liberação Planejada no Meio Ambiente). Os resultados poderão ser submetidos posteriormente à CTNBio para a emissão de uma autorização para todo o território nacional”, explica Cecília Kosmann, entomologista e coordenadora de suporte científico da Oxitec.


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Um terço das causas de demência são evitáveis, aponta estimativa da revista ‘The Lancet’

Campanha cria história em quadrinhos de super-heróis com doenças inflamatórias intestinais

Quando o assunto é saúde, desconfie dos atalhos e das terapias rápidas

]]>
0
Uma pessoa que já teve dengue tem chance de ter uma infecção mais grave por zika? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/ade-zika/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/06/29/ade-zika/#respond Thu, 29 Jun 2017 21:23:30 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/06/ZIKA_PERNAMBUCO_43_60961915-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=715 Médicos e cientistas estavam com uma pulga atrás da orelha: será que infecções anteriores pelo vírus da dengue poderiam, de alguma maneira, agravar o efeito do vírus da zika no organismo? A resposta é não.

Um ano atrás, em junho e julho, dois estudos, um na revista “Nature Immunology” e um na revista “Science”, apontavam uma possível interação perigosa entre as infecções. E as vacinas contra a dengue (aquela então recém-lançada pela francesa Sanofi e a que vem sendo desenvolvida pela parceria NIH-Butantan-USP) poderiam piorar esse quadro.

Ao proteger o organismo contra a dengue e gerar anticorpos, essas vacinas estariam, no fim das contas, dando armas (esses mesmos anticorpos, veja só) para outro perigoso inimigo: o vírus da zika.

Imunologistas já haviam descrito um fenômeno batizado de ADE (antibody-dependent enhancement, algo como potencialização dependente de anticorpos). Os anticorpos, em vez de neutralizar e promover a aniquilação de um vírus, acabam se ligando a ele de uma forma “frouxa”, permitindo que ele se reproduza sem dificuldades no interior de células do organismo.

Se fosse verdadeira, essa seria uma possível explicação para as graves consequências que observamos no Brasil, como o surto de microcefalia e de outras más-formações associados à zika.

Protegido, os vírus passariam incólumes pelo sistema imunológico e poderiam infectar mais rapidamente as células do organismo, usurpando as estruturas intracelulares com a finalidade de se replicar.

Vale notar que a ADE é uma das possíveis explicações para as infecções recorrentes pelo vírus da dengue terem maior potencial para complicações: como existem quatro subtipos do vírus, é possível ter dengue quatro vezes em uma escala crescente de gravidade.

Com relação à zika, porém, segundo dois novos estudos científicos, não há indícios de que a ADE sequer aconteça, tampouco seja culpada pelos casos de microcefalia no país e outras consequências graves do surto da doença, como a síndrome paralisante de Guillain-Barré.

Uma dessas pesquisas, conduzida por pesquisadores dos EUA, foi feita em macacos. Eles infectaram os animais com vírus da dengue algum tempo atrás e agora resolveram infectá-los com o vírus da zika.

Resultado: a dinâmica do vírus da zika no sangue dos macacos, independentemente se tiveram dengue ou não, é a mesma. Veja a figura abaixo:

(Crédito: Reprodução/”Nature Communications”)

O gráfico mostra o aumento da quantidade de genoma viral (RNA) no soro ao longo do tempo; após sete dias, o valor se estabiliza. Ambos os grupos (previamente infectados com dengue em laranja e nunca expostos aos arbovírus em preto) atingem a viremia máxima de zika no segundo dia de infecção. A linha tracejada indica o limite de detecção do método empregado. O estudo está na revista “Nature Communications”.

EM GENTE

Outra pesquisa que aponta na mesma direção, feita com seres humanos, é uma que foi liderada por Maurício Lacerda Nogueira, da Faculdade de Medicina de Rio Preto. No estudo, 65 pacientes foram separados em dois grupos: aqueles que já tinham tido dengue ou não.

Os pesquisadores mediram (por meio da quantificação do RNA viral) a quantidade de vírus em cada um dos grupos, quando as pessoas apresentaram uma nova infecção, fosse ela dengue ou zika.

A conclusão, como mostra a figura abaixo, não difere daquela do estudo americano.

(Crédito: Reprodução/”Clinical Infectious Diseases”)

No gráfico, a comparação foi feita entre grupos que tiveram dengue (direita) com os que não tiveram (esquerda) e que estavam sofrendo, por um período de até cinco dias, com uma nova infecção pelo vírus da zika (ZIKV) –ainda na fase aguda. Não houve diferença de carga viral entre os grupos.

Outro método de verificar se a ADE está acontecendo é avaliando a produção de citocinas, uma família de moléculas importantes para  sinalização de eventos do organismo como a inflamação, estresse oxidativo ou proliferação celular. Os cientistas também não viram diferenças nesse sentido na direção dengue-zika.

Já para a dengue, pode ser que o ADE tenha uma participação, afirma Nogueira. “Mas não há argumentos irrefutáveis para nenhum dos lados. Temos que lembrar que a ADE é uma teoria que explica muita coisa, mas não explica tudo. É algo fácil de ver in vitro e até em alguns modelos animais, mas ninguém nunca demonstrou que a ADE ocorra em seres humanos.”

Nogueira conta que a ideia de estudar o tema nasceu após a publicação de artigos mostrando, in vitro e em camundongos, que o ADE poderia, eventualmente, ser um complicador para o lançamento e comercialização de vacinas contra a dengue.

“Conversei com o Jorge Kalil [professor da USP, também autor da pesquisa] e, como São José do Rio Preto sempre teve bastante dengue e estavam surgindo casos de zika, seria o melhor lugar para realizar um estudo para saber se o fenômeno ocorria.”

Um ano depois e com o estudo publicado no periódico “Clinical Infectious Diseases”, Nogueira conclui que, pelo menos para a infecção de zika após a de dengue que “ou o fenômeno da ADE não existe ou ele é tão raro que, no fim das contas, é irrelevante”.

A pesquisa de Nogueira e colaboradores foi financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).


Gostou? Compartilhe. Não gostou? Quer desabafar? Elogiar? Tem algo novo para me contar? Comente abaixo ou escreva para cadeacura (arroba) gmail (ponto) com.

Clique aqui e receba todas as novidades do blog

Você pode acessar (e divulgar) o blog Cadê a Cura? pelo endereço folha.com/cadeacura

Leia posts recentes:

Em vez de projeto de lei, que tal mais estudos sobre as drogas emagrecedoras?

Depoimento: ‘Praticar exercícios físicos foi o que me deu motivação para conseguir vencer o câncer’

Instituto Butantan negocia informações da vacina da dengue com farmacêutica MSD

]]>
0