Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Assembleia Estadual de SP deve iniciar nas próximas semanas a CPI da fosfoetanolamina https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/10/11/cpi-da-fosfo/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/10/11/cpi-da-fosfo/#respond Wed, 11 Oct 2017 06:07:08 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/10/38595515-reuniaes-conjuntas-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=811 Deputados estaduais de São Paulo planejam iniciar nas próximas semanas as atividades de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a fosfoetanolamina, a chamada “pílula do câncer”.

Segundo o Cadê a Cura? apurou, um dos possíveis alvos da investigação é o estudo realizado no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), que apontou a ineficácia da substância para tratar pacientes com câncer em estágio avançado. De dezenas de pacientes testados, apenas um obteve melhora –não necessariamente atribuível à candidata a droga anticâncer.

Defensores da substância afirmam que o suposto mecanismo de ação da droga requer um sistema imunológico preservado para gerar resultados positivos. No caso, os voluntários já estariam debilitados e não teriam condições de exibir tal resposta.

No entanto, não há evidência científica que permita esse tipo de avaliação.

Os deputados também almejam colocar em xeque a escolha da dosagem e do modo de administração do estudo do Icesp, algo questionado pelo criador da fosfoetanolamina, Gilberto Chierice, professor aposentado da USP.

Apesar de ter distribuído a droga por anos e para centenas de pessoas, Chierice preferiu não palpitar na dosagem usada no estudo do Icesp e afirmou ser necessária a realização de testes específicos para essa finalidade.

A CPI também pode se focar nos buracos no princípio da história da “fosfo”. Há relatos de que a substância foi testada em seres humanos em hospitais do interior de São Paulo em meados da década de 1990. Os dados, no entanto, nunca foram publicados.


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Pesquisadores rompem com grupo e lançam ‘pílula do câncer’ como suplemento alimentar https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/02/10/fosfo-suplemento/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/02/10/fosfo-suplemento/#respond Sat, 11 Feb 2017 00:56:39 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/02/fosfo-suplemento-180x180.png http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=574 O então ministro da Ciência Tecnologia e Inovação em março de 2016, Celso Pansera (PMDB), deu a ideia e alguém foi lá e fez: fosfoetanolamina virou suplemento alimentar.

“Seria uma forma de tirar essa substância do câmbio negro e dar legalidade a esse produto. Sabemos que existe um mercado subjacente”, disse, à época.

Um pouco antes disso, no final de 2015, o médico Renato Meneguelo e o cientista Marco Vinícius Almeida se separavam do grupo original que pesquisava a “fosfo” no Brasil, comandado por Gilberto Chierice (então professor da USP em São Carlos).

Fast forward: Almeida e Meneguelo estão lançando sua própria versão do suposto medicamento anticâncer –como suplemento.

“Não aguentávamos mais uma série de acordos que não iam pra frente pela postura arrogante de alguns do grupo”, disse Almeida, no Facebook.

A “pílula do câncer”, como ficou conhecida a fosfoetanolamina, atualmente encontra-se em testes no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. Ainda é obscuro se e como foram os testes pelos quais a substância passou anteriormente.

Apesar do uso irregular por milhares de pacientes, não há evidência científica de que a droga trate qualquer tipo de câncer, ou melhore a qualidade de vida dos pacientes.

A motivação para a dupla lançar a “fosfo” versão suplemento veio também, segundo eles, da morosidade das pesquisas no Brasil.

“Não concordei que os testes fossem feitos em um único centro”, disse Meneguelo em um vídeo postado em seu perfil no Facebook.

“Eu nunca falei que estava em busca de um remédio que curasse o câncer. Eu queria um composto que melhorasse 20% de vida de quem tem câncer terminal, porque a dor é insuportável para o paciente e para a família. Não é uma dor de barriga”, afirmou.

Ele disse ter ido a vários países, como Egito, Uruguai, Espanha e EUA, em busca de parcerias para a produção da fosfo com o rótulo de “suplemento alimentar”.

Foi nos EUA que conseguiram estabelecer a parceria que visa exportar para o Brasil as cápsulas. Para Almeida, o suplemento terá uma série de aplicações: “Regula seu metabolismo, diminui o estresse oxidativo das células humanas e consequentemente diminui a possibilidade de doenças degenerativas se desenvolverem em organismos devidamente suplementados com fosfoetanolamina.”

A droga teve sua distribuição no Brasil proibida pelo STF ano passado. O esperado é que com o enquadramento como suplemento alimentar –e não como medicamento– seja facilitada a comercialização no país. Segundo Meneguelo disse ao jornal “O Estado de S. Paulo”, há boa documentação referente ao produto nos EUA, onde já seria comercializado há anos.

Já existe até um site onde é possível fazer reservas do composto (www.qualitymedicalline.com). A promessa é que esteja disponível a partir de 16 de março.

Há críticas à iniciativa dos empreendedores: alguns afirmam que o método de síntese não é igual ao empregado por Chierice, o que poderia interferir nos resultados — o que não dá afirmar com certeza, já que os testes independentes feitos até agora não apontam nenhum benefício bem documentado da molécula.

Segundo o blog do jornalista Herton Escobar, no site do “Estado”, cada cápsula custará R$ 3,80 e a produção inicial será de 500 mil delas. A parceria amarrada pelos empreendedores envolve o laboratório uruguaio Federico Diaz, a distribuidora Quality Medical Line e a Florida Supplement, que produzirá a substância.


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Na última segunda (18), saiu na Folha uma reportagem minha sobre os indianos que estão tentando reverter quadros de morte cerebral. A pesquisa conseguiu um inédito registro de ensaio clínico e deve testar quatro abordagens para tentar reviver um cérebro morto. Se você não leu, veja lá (tem até HQ).

Aqui, no blog Cadê a Cura?, quero continuar tratando da questão, e contar um pouco de minha conversa com Ira Pastor, CEO da Bioquark, que patrocina o estudo indiano. O principal interesse da empresa é o teste da Bioquantina, um extrato à base de oócitos (células precursoras do óvulo) de anfíbios.

ZUMBIS

Além do alarde que a notícia causou ao percorrer o mundo, também houve uma chuva de críticas. Uma das mais recorrentes é a de que eles estariam iniciando um “apocalipse zumbi”, tal como vemos em séries e quadrinhos.

A afirmação tem pouco fundamento. A parte verdadeira é que não se sabe em que estado essas pessoas “regressarão” de seu estado prévio de morte cerebral –muito do que elas foram pode ter sido perdido nas várias horas de inatividade cerebral que precederiam as intervenções dos pesquisadores, como células tronco e injeções de Bioquantina).

O resto é mentira: em apocalipses zumbis, o cenário imaginado –e mais plausível– é aquele em que um vírus é responsável por espalhar a “doença zumbi” ou em que zumbis transformam seres humanos em zumbis (mordendo-os, por exemplo), até que quase não existam mais “pessoas não zumbis”. Não dá para misturar alhos com bugalhos. Uma técnica de ressuscitação, por mais bizarra que seja, não é “transmissível”.

ÉTICA

Outra crítica comum foi a ausência de testes em espécies inferiores, como roedores e outros primatas. Como acontece no caso da fosfoetanolamina (“fosfo” ou “pílula do câncer”), a pesquisa estaria pulando etapas.

Difícil escapar dessa, mas Ira Pastor tenta: “De uma perspectiva estritamente bioética, quando você tem o envolvimento dos comitês de ética institucional e regional, a concordância da família, e a longa história desse tipo de pesquisa envolvendo “cadáveres vivos”, nós nos sentimos particularmente seguros.”

Sobre o quão fácil teria sido para vencer as barreiras e leis regulatórias, Pastor diz:

Na maioria dos países, há poucas obrigações regulatórias escritas no que se refere à pesquisa com aqueles que “recentemente faleceram” –claro que, ao trazermos essa questão à tona, não há dúvida de que as regras vão mudar. E quando houver novas regras, nós vamos lidar com elas quando for a hora, da maneira apropriada.

Na nossa opinião, o mais importante é que o mundo está aprendendo que essa maneira de fazer pesquisa existe. E que muitos médicos com os quais estamos lidando (de 18 países até agora) estão explorando maneiras de implementar esse protocolos onde atuam.

Os países podem inclusive desautorizar esse tipo de estudo, o que sem dúvida alguma pode acontecer. No entanto, em uma era de crescente expansão da flexibilidade no âmbito do acesso de pacientes “sem opção”, eu odiaria estar no lugar dos agentes reguladores e ter de explicar as famílias daqueles que acabaram de morrer que seus entes queridos não merecem esse tipo de oportunidade ou o “direito de tentar”.

LIMITES

Sobre estarem “brincando de Deus”, Pastor diz que o argumento foi usado por mais de um século sempre que houve um novo estudo que mudasse um paradigma, como o surgimento dos desfibriladores cardíacos e da respiração mecânica, além do transplante de órgãos.

Nós somos bem abertos à crítica científica em geral. Muitos cientistas  acham que o projeto é “demasiadamente ousado” –e isso não deixa de ser verdade. No entanto, nós antecipamos isso e, francamente, é até divertido sentar com esse povo e explicar nossas ideias. Eles acabam sendo “convertidos” e dizem: “ Wow, isso ainda é muito ousado mas vocês podem estar no caminho certo e, de repente, até conseguir algo.”

Não aceitamos quando dizem “vocês não devem seguir esse caminho por que vocês são capazes de obter sucesso”, o que se traduziria em levar um sujeito com morte cerebral para um estado de coma e assim dar a ele uma baixa qualidade de vida e mais custos para o sistema de saúde.

Esse tipo de crítica é ridículo –será que uma pessoa morta tem uma qualidade de vida melhor que a de um paciente em coma?. Pensando que podemos ter sucesso nessa transição científica monumental, seria ingênuo pensar que tudo estaria acabado e que não faríamos testes em outras condições que afetam o estado de consciência, fazendo eventualmente os pacientes acordarem.

Além disso, em um sistema que gasta trilhões de dólares anualmente, nós achamos que alguns pacientes em coma a mais não farão tanta diferença assim.

E você? O que acha desse projeto?


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‘Pílula do câncer’ falha de novo, mas ministério decide continuar testes https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/#respond Sat, 18 Jun 2016 18:04:17 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/share_big_iqsc_fosfoetanolamina_437-15_foto-cecc3adlia-bastos-07-180x95.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=179 A ‘pílula do câncer’, suposta panaceia anticâncer desenvolvida por um professor da USP (agora já aposentado) falhou mais uma vez em testes do MCITC (antigo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e que agora abrange também as Comunicações).

Desta vez, a droga foi produzida pela Unicamp, com grau de pureza superior a 98% (a ‘pílula do câncer’ original tinha menos de um terço de ‘fosfo’). Outras substâncias também foram testadas: monoetanolamina e fosfobisetanolamina.

Os novos testes bancados pelo MCTIC foram conduzidos pelo Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (Cienp, de Florianópolis) e apontaram um desempenho pífio dos compostos no combate a células de câncer de pulmão, de pele (melanoma) e de pâncreas.

A única das três substâncias testadas que teve alguma atividade antitumoral foi a monoetanolamina (repere bem, não é a ‘fosfo’), na cavalar e quase astronômica concentração de de 10 mM, desempenho superado facilmente por drogas clássicas como cisplatina e gencitabina.

No único resultado de inibição parcial de crescimento e de redução da viabilidade de células tumorais produzidos pela fosfo, o efeito seria consequência do aumento da acidez do meio de cultura provocado pela adição da substância.

HORA DE MUDANÇA?

Depois de outros seis estudos apontando na mesma direção, era a chance de a fosfo ser sepultada, mas, ao que tudo indica, a política e a paixão levam vantagem sobre a ciência e a razão.

Segundo informa o jornal “O Estado de São Paulo”, especialistas do ministério sugeriram encerrar a empreitada fosfoetanolamínica, que já consumiu alguns milhões dos cofres públicos.

No entanto, ainda haveria o desejo de pesquisar se a droga possui outro tipo de mecanismo de ação, como anti-inflamatória ou analgésica.

Independetemente dos estudos do MCTIC, vale lembrar que a fosfo também será testada em humanos, em estudos clínicos. Na prática, isso significa pular etapas –normalmente uma droga só é testada em humanos quando há resultados favoráveis em células e animais.

De qualquer maneira, falta pouco para que saibamos definitivamente se todo o mito que envolve a fosfoetanolamina tem algo de verdadeiro.


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A crise e os tropeços científicos no Brasil: Alckmin, ‘fosfo’, Suzana Herculano e ministro criacionista https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/#respond Fri, 06 May 2016 09:30:02 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/Creación_de_Adán_Miguel_Ángel-180x82.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=59 O melhor jeito de encontrar novos tratamentos para doenças, entender as relações humanas de uma comunidade pré-histórica ou decifrar as forças que regem o Universo é por meio da pesquisa científica. Para isso, são necessários alguns ingredientes fundamentais: pessoas com boa formação, interessadas em dedicar-se ao ofício; verba; acreditação e estímulo do poder público e da sociedade.

Os problemas não são de hoje, mas os últimos dias foram notáveis –sofremos golpes em cada uma dessas cláusulas pétreas.

Comecemos pelo dinheiro. Ao dizer que muitos dos estudos apoiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) não tinham finalidade prática e que não deveriam ser financiados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) revelou um pouco mais de como sua cabeça funciona nas questões de ciência e saúde.

A resposta foi dura e veio de todos os lados, inclusive da Fapesp –que faz uma análise estratégica e meritocrática de quais projetos vai apoiar. Chega a ser curioso: é o próprio governador quem escolhe o presidente da fundação. O comentário de bastidor revela a lamentável falta de sintonia do mandatário com a agência de fomento.

O governador também foi um dos primeiros a abraçar a popular causa da fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, cuja efetividade, ao menos por ora, é meramente especulativa e pouco respalda por experimentos científicos.

Criticar a pesquisa básica, um dos motores do desenvolvimento cultural e social, e apoiar estudos desacreditados e a produção de um remédio incerto não condizem com a formação na área médica e com a longa trajetória política de Alckmin.

A pesquisa científica no Brasil já anda despriorizada, subfinanciada. Com a crise, milhares de mestrandos e doutorandos (que são os que realmente põem a mão na massa) ficaram sem bolsas de estudos da Capes, fundação ligada ao MEC, afetando a formação da próxima geração de pesquisadores do país.

Em São Paulo, o dinheiro destinado pela Fapesp para bolsas de pesquisa está sujeito a um ajuste (para mais ou para menos) de acordo com a receita do Estado –e o panorama não é favorável.

Os professores universitários e pesquisadores também viram os financiamentos para seus estudos minguarem. O dinheiro é essencial para comprar reagentes, equipamentos e custear viagens, por exemplo.

JEITINHO AMERICANO

Até a criatividade do brasileiro tem limites. Depois de ter de lançar mão de uma campanha de crowdfunding para manter seu laboratório funcionando por algum tempo, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel anunciou sua saída da UFRJ para a Universidade Vanderbilt, nos EUA (bom para os irmãos do norte, ruim para a gente).

Além do financiamento parco, ela reclama do engessamento da carreira acadêmica –não é possível negociar salários ou usar dinheiro de pesquisa de uma maneira eficiente (leia aqui entrevista dada à Folha).

Para quem fica nesta terra, o cenário acaba de piorar um pouco mais. O provável governo Temer já está negociando entregar o ministério da Ciência e Tecnologia ao comando do PRB. O assunto veio à tona com força porque o favorito a assumir a pasta, o deputado federal Marcos Pereira, presidente nacional do partido, é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

Ele se declara criacionista –o criacionismo nega a evolução das espécies e ignora a maioria do conhecimento biológico obtido no último século. Se existe algo que deixa biologistas (e outros, como geólogos) furiosos –a esmagadora maioria não criacionista– é ver essa “teoria” ganhar espaço na ciência. Imagine como esses pesquisadores se sentem com a verossímil hipótese de um criacionista no comando do ministério, escolhendo projetos prioritários…

Muita gente, de novo, ficou brava. Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência queria alguém mais técnico e lamentou o troca-troca na pasta. Em nota que não citava explicitamente o nome de Pereira, a Sociedade Brasileira de Física declarou: “Nos parece inaceitável a indicação de um ministro com posições ideológicas ortogonais às da ciência moderna.”

Por mais que Pereira possa ser um bom gestor, o talvez futuro presidente Michel Temer já começa dando um passo atrás nas relações com a comunidade científica, já tão abalada e renegada.

Para a Saúde, ele cogita nomes de médicos importantes, de fora da política partidária. Por que não manter esse critério para a Ciência? A proposta até então aventada é a de que seu possível governo seria de coalizão, para botar a casa em ordem.

Concluindo: toda essa fragilidade atravanca o progresso e adia ainda mais o sonho brasileiro de se tornar um país desenvolvido, capaz de brigar em pé de igualdade por descobertas científicas, inclusive novos remédios e tratamentos para as diversas doenças que nos afligem. A cura para nossa ciência, ao que tudo indica, ainda está um tanto distante.

Enquanto o país sofre para achar algum caminho viável, só resta desejar boa sorte para Suzana lá nos EUA. Por favor, não se esqueça de nós.


Leia mais sobre esse mesmo assunto: A crise e os tropeços científicos no Brasil 2: religião, nacionalismo e desenvolvimento

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