Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Tomar cálcio e vitamina D não ajuda a evitar fraturas, diz estudo com mais de 50 mil pacientes https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/12/29/tomar-calcio-e-vitamina-d-nao-ajuda-a-evitar-fraturas-diz-estudo-com-mais-de-50-mil-pacientes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/12/29/tomar-calcio-e-vitamina-d-nao-ajuda-a-evitar-fraturas-diz-estudo-com-mais-de-50-mil-pacientes/#respond Fri, 29 Dec 2017 18:26:02 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/206756985_fcdacc8f2b_o-147x180.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=875 Médicos e cientistas tinham arrumado um ótimo raciocínio para explicar como a suplementação com cálcio e vitamina D poderia ajudar a prevenir fraturas.

A lógica, resumidamente, seria a seguinte:

1) Por uma série de fatores, como falta de atividade muscular (exercícios) ou carência hormonal, o organismo para de construir osso. Mais precisamente esse tecido se desmineraliza, perdendo cálcio, a matéria-prima;

2) Com baixa densidade mineral –que pode ser mensurada em exames de imagem–, o osso se torna frágil, fácil de quebrar após quedas, por exemplo;

3) Uma solução possível, portanto, seria devolver a matéria-prima F–o cálcio– e arrumar um jeito de fomentar a fixação dele no osso;

4) Aí surge a vitamina D, um hormônio naturalmente produzido durante a exposição solar e que, ao que tudo indica, seria um fator importante para a mineralização óssea.

O problema é que, na prática, provavelmente não adianta incentivar o uso de cálcio e de vitamina D para prevenir fraturas. Um estudo publicado na revista médica “Jama”, feito com dados de vários outros –uma meta-análise–, mostrou que não há evidência científica suficiente para apostar nesse caminho.

Um dos critérios fundamentais para que os estudos entrassem na conta é a presença de grupos controles, que foram comparados aos grupos tratados para averiguar o efeito das doses. Ao todo, dados de 33 trabalhos foram compilados, totalizando 51.145 participantes.

A conclusão:  nenhum suplemento (cálcio, vitamina D ou a combinação dos dois) está associado a um menor risco de fraturas, independentemente da dose, do sexo do paciente, do histórico de fraturas, da ingestão de cálcio na dieta ou na concentração sanguínea de vitamina D.

MORTALIDADE

A substância, nos últimos anos, tem ganhado espaço graças, especialmente, à medicina laboratorial. Dificilmente alguém descobre que possui baixos índices de vitamina D sem um exame.

Qual seria a faixa ideal de concentração de vitamina D sanguínea é algo que ainda, vez ou outra, entra em discussão –a pessoa pode sofrer por anos dessa “deficiência” e ter uma saúde normal, mas há tentativas interessantes de se estabelecer parâmetros.

Um estudo alemão de 2012 (publicado no periódico “The American Journal of Clinical Nutrition”) analisou 5.562 mortes em meio a dados de cerca de 60 mil pacientes com o objetivo de investigar se a falta de vitamina D pode matar.

A conclusão é afirmativa: existe, sim, a chance de a morte chegar mais rápido para quem tem índices baixos. O nível sanguíneo de 25(OH)D, metabólito ativo da vitamina D comumente dosado, que garante proteção máxima seria alguma coisa entre 75 nmol/L e 87,5 nmol/L (metade das pessoas investigadas tinham concentração menor que 27,5 nmol/L).

Na prática, ponto para a suplementação com a vitamina. Algumas explicações possíveis para tamanha importância são os papéis desempenhados pelo hormônio no cérebro, prevenindo distúrbios cognitivos, e também na manutenção do sistema imunológico.

Quanto às fraturas, pelo jeito, o negócio é praticar atividades físicas adequadas para cada faixa etária –com cuidado.


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A questão sempre tem um aspecto pessoal importante, mas, do ponto de vista científico, será que a escolha do apresentador é justificável? Trago aqui dois números importantes para essa discussão.

Segundo um estudo recente publicado no periódico científico “The Journal of the National Cancer Institute”, a chance de  pessoas que buscam tratamentos alternativos (TA) morrerem por causa da doença é mais do que o dobro daquela dos pacientes que seguem a medicina convencional (MC).

Para realizar o estudo, os cientistas selecionaram 280 pacientes que seguiram tratamentos alternativos. Para cada um desses pacientes, dois outros com histórico clínico e dados demográficos equivalentes foram selecionados, totalizando 580 pacientes. Por causa do pequeno tamanho da amostra, não houve segmentação por tipo de TA.

O tamanho do prejuízo varia de acordo com o tipo de câncer. As curvas de sobrevivência mostram que  para o câncer de próstata, no período avaliado, de cerca de 66 meses, praticamente não há diferença entre tratamentos alternativos ou medicina convencional. Já para o câncer de cólon, essa diferença é enorme.

Curvas de sobrevivência de pacientes que seguiram tratamentos alternativos (liha sólida) ou convencionais (linha tracejada) para o câncer. No eixo das abscissas (horizontal), está o tempo, nas ordenadas (vertical) está o percentual de sobreviventes naquele instante. O tempo médio de acompanhamento foi de 66 meses. A, geral; B, câncer de mama; C, de próstata; D, de pulmão; E, colorretal (Reprodução/”The Journal of the National Cancer Institute”)

PÂNCREAS

Esse estudo não avaliou o caso do câncer de pâncreas, do qual Marcelo Rezende sofria. O que se sabe é que a fração dos pacientes vivos após cinco anos de tratamento é de apenas 8,2%, de acordo com estatísticas americanas. Só para fim de comparação, a fração de pacientes com câncer de cólon vivos após o mesmo período é de 64,9%.

O baixo índice de resolução dos cânceres de pâncreas pode ser uma das questões que provoquem essa guinada na busca por uma cura. No caso de Marcelo Rezende, ele apostou em tratamentos religiosos/espirituais e na mudança de hábitos alimentares, conforme divulgado em sua página no Facebook.

Pode-se argumentar que, ao se afastar da medicina, Rezende perdeu a chance de fazer parte dos 8,2%. Ao mesmo tempo, dependendo da gravidade da doença, essa chance logo de largada já poderia ser pífia.

Cada vez mais o foco da discussão no caso de pacientes com câncer avançado ou terminais tem se deslocado do tempo de sobrevida para a qualidade de vida –entre os fatores levados em conta estão o desejo do paciente e a amenização do sofrimento.

Nessa linha de argumentação, não parece correto condenar um homem por escolher como ele vai passar seus últimos meses de vida.


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Nesses tempos digitais também proliferam profissionais que alegam ter achado respostas completas e incontestes para levar saúde integral e até mesmo felicidade para seus clientes. No texto abaixo, feito especialmente para o Cadê a Cura?, a professora de dança e estudiosa de yoga Sylvia Maria fala sobre o assunto.

 

No mercado das terapias instantâneas, sobra marketing e falta embasamento, por Sylvia Maria

“A ansiedade é o mal da atualidade”; “A depressão atinge um recorde de pessoas”. Já ouviu algo assim? À primeira vista parece que estamos mais doentes do que nunca. Será que é esse mesmo o caso ou nossa percepção sobre o que é estar enfermo é que não está muito bem das pernas? Se for esse o caso, quem está lucrando?

Eu voltava de uma corrida no parque quando passei por uma banca de jornal. Vi várias revistas que falavam de bem-estar, atividade física e alimentação saudável. No dia seguinte, parei na mesma banca e fiz uma rápida contabilidade das capas: 40% eram relacionadas à questão corporal (atividade física e modalidades esportivas), à  alimentação saudável (novas dietas e receitas) ou a técnicas de relaxamento (meditação, yoga, atividades de concentração).

Isso me incomodou. Por que tantas pessoas têm buscando essas fórmulas prontas para se cuidar? Estamos realmente doentes ou tudo isso não passa de um novo mercado que cria dificuldades para vender facilidades?

A depressão é o tema da OMS no Dia Mundial da Saúde em 2017. É um problema de saúde pública e o número de afastamentos são evidência disso: 75 mil brasileiros foram afastados em 2016. Somos líderes, temos o maior número de casos de depressão entre os países em desenvolvimento.

Os índices de pessoas em depressão que tentam suicídio pode chegar a 24%, apontam estudos americanos. A doença é grave e há pouca discussão e conscientização. Vale ressaltar que trata-se de algo bem diferente de tristeza (uma dica de filme que explica bem as emoções é o “Divertida Mente”; também há um ótimo relato sobre o que é ter depressão que foi publicado aqui no Cadê a Cura?).

Mas um problema que geralmente passa batido são as pessoas que abusam do momento frágil de outras para lucrar com técnicas superficiais, recém-aprendidas, sem conteúdo nem embasamento científico –e ainda por cima em um ritmo “fast”.

De repente a pessoa olha, vê aquele método rápido-fácil-cool e mergulha de cabeça. Nesse processo voraz, ela perde a chance de olhar pra dentro e, de fato, descobrir e tentar resolver os problemas que estão escondidos.

E também existe a ansiedade, que afeta mais de um terço da população mundial pelo menos uma vez na vida. O sentimento pode até mesmo afastar as pessoas do trabalho, causando prejuízos diretos e indiretos. Vale ressaltar que a região metropolitana de São Paulo têm a maior incidência de perturbações mentais do mundo, de acordo com o relatório São Paulo Megacity Mental Health Survey.

Às vezes precisamos de uma pausa para cuidar das plantas, ler um livro e viajar em vez de ficar comparando a própria vida com o que é compartilhado minuto a minuto em redes sociais. Sem essa consciência, acabamos nos obrigando a (fingir) ter um status de alegria permanente.

No mundo real, resta a tristeza. Nos sentimos menos desejados e clamamos por um consolo instantâneo. De repente alguém tem a brilhante ideia de pegar uma técnica centenária ou milenar, dá um nome chique (molecular-funcional-coach-full), coloca um preço astronômico e… Puf! Eis a nova terapia do momento, feita sob medida para você. Será?

Não para por aí. Existe uma pressa enorme em formar os novos “terapeutas” –há cursos de cinco semanas, com formação on-line e por aí vai.

O que não se pode permitir é que pessoas despreparadas, sem vivência real da filosofia ou da técnica em que se baseiam essas novas modalidades continuem vendendo e reproduzindo suas invencionices em escala industrial e sem o cuidado verdadeiro com quem realmente precisa de ajuda. Não se forma um terapeuta em meses, muito menos semanas.

Qualquer método, seja  secular ou religioso deve ser vivido antes de ser ensinado. A medicina chinesa é estudada por anos pelo menos dois anos e tem de haver muita prática antes de o terapeuta ensinar alguém; os monges tibetanos meditam por horas, dias, semanas, para então serem considerados iniciantes –e a rotina é diária.

Na dança, ao aprender um passo, ele é testado no nosso corpo, treinamos, só então passamos pro aluno. Até que ele possa ensinar alguém? Meses! O ditado “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço” não funciona quando alguém precisa de apoio e de uma mudança verdadeira.

*SYLVIA MARIA é bióloga ambientalista, professora de danças árabes, estudiosa do yoga e curiosa da mente humana; e-mail: sylsaghira@gmail.com

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Na última segunda (18), saiu na Folha uma reportagem minha sobre os indianos que estão tentando reverter quadros de morte cerebral. A pesquisa conseguiu um inédito registro de ensaio clínico e deve testar quatro abordagens para tentar reviver um cérebro morto. Se você não leu, veja lá (tem até HQ).

Aqui, no blog Cadê a Cura?, quero continuar tratando da questão, e contar um pouco de minha conversa com Ira Pastor, CEO da Bioquark, que patrocina o estudo indiano. O principal interesse da empresa é o teste da Bioquantina, um extrato à base de oócitos (células precursoras do óvulo) de anfíbios.

ZUMBIS

Além do alarde que a notícia causou ao percorrer o mundo, também houve uma chuva de críticas. Uma das mais recorrentes é a de que eles estariam iniciando um “apocalipse zumbi”, tal como vemos em séries e quadrinhos.

A afirmação tem pouco fundamento. A parte verdadeira é que não se sabe em que estado essas pessoas “regressarão” de seu estado prévio de morte cerebral –muito do que elas foram pode ter sido perdido nas várias horas de inatividade cerebral que precederiam as intervenções dos pesquisadores, como células tronco e injeções de Bioquantina).

O resto é mentira: em apocalipses zumbis, o cenário imaginado –e mais plausível– é aquele em que um vírus é responsável por espalhar a “doença zumbi” ou em que zumbis transformam seres humanos em zumbis (mordendo-os, por exemplo), até que quase não existam mais “pessoas não zumbis”. Não dá para misturar alhos com bugalhos. Uma técnica de ressuscitação, por mais bizarra que seja, não é “transmissível”.

ÉTICA

Outra crítica comum foi a ausência de testes em espécies inferiores, como roedores e outros primatas. Como acontece no caso da fosfoetanolamina (“fosfo” ou “pílula do câncer”), a pesquisa estaria pulando etapas.

Difícil escapar dessa, mas Ira Pastor tenta: “De uma perspectiva estritamente bioética, quando você tem o envolvimento dos comitês de ética institucional e regional, a concordância da família, e a longa história desse tipo de pesquisa envolvendo “cadáveres vivos”, nós nos sentimos particularmente seguros.”

Sobre o quão fácil teria sido para vencer as barreiras e leis regulatórias, Pastor diz:

Na maioria dos países, há poucas obrigações regulatórias escritas no que se refere à pesquisa com aqueles que “recentemente faleceram” –claro que, ao trazermos essa questão à tona, não há dúvida de que as regras vão mudar. E quando houver novas regras, nós vamos lidar com elas quando for a hora, da maneira apropriada.

Na nossa opinião, o mais importante é que o mundo está aprendendo que essa maneira de fazer pesquisa existe. E que muitos médicos com os quais estamos lidando (de 18 países até agora) estão explorando maneiras de implementar esse protocolos onde atuam.

Os países podem inclusive desautorizar esse tipo de estudo, o que sem dúvida alguma pode acontecer. No entanto, em uma era de crescente expansão da flexibilidade no âmbito do acesso de pacientes “sem opção”, eu odiaria estar no lugar dos agentes reguladores e ter de explicar as famílias daqueles que acabaram de morrer que seus entes queridos não merecem esse tipo de oportunidade ou o “direito de tentar”.

LIMITES

Sobre estarem “brincando de Deus”, Pastor diz que o argumento foi usado por mais de um século sempre que houve um novo estudo que mudasse um paradigma, como o surgimento dos desfibriladores cardíacos e da respiração mecânica, além do transplante de órgãos.

Nós somos bem abertos à crítica científica em geral. Muitos cientistas  acham que o projeto é “demasiadamente ousado” –e isso não deixa de ser verdade. No entanto, nós antecipamos isso e, francamente, é até divertido sentar com esse povo e explicar nossas ideias. Eles acabam sendo “convertidos” e dizem: “ Wow, isso ainda é muito ousado mas vocês podem estar no caminho certo e, de repente, até conseguir algo.”

Não aceitamos quando dizem “vocês não devem seguir esse caminho por que vocês são capazes de obter sucesso”, o que se traduziria em levar um sujeito com morte cerebral para um estado de coma e assim dar a ele uma baixa qualidade de vida e mais custos para o sistema de saúde.

Esse tipo de crítica é ridículo –será que uma pessoa morta tem uma qualidade de vida melhor que a de um paciente em coma?. Pensando que podemos ter sucesso nessa transição científica monumental, seria ingênuo pensar que tudo estaria acabado e que não faríamos testes em outras condições que afetam o estado de consciência, fazendo eventualmente os pacientes acordarem.

Além disso, em um sistema que gasta trilhões de dólares anualmente, nós achamos que alguns pacientes em coma a mais não farão tanta diferença assim.

E você? O que acha desse projeto?


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A estranha história do vírus bovino que, até agora, não explicou microcefalia nenhuma

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A estranha história do vírus bovino que, até agora, não explicou microcefalia nenhuma https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/08/a-estranha-historia-do-virus-bovino-que-ate-agora-nao-explicou-microcefalia-nenhuma/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/08/a-estranha-historia-do-virus-bovino-que-ate-agora-nao-explicou-microcefalia-nenhuma/#respond Fri, 08 Jul 2016 20:58:24 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/sorofetal-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=246 Em algumas cidades do Nordeste, o índice de microcefalia é notório, muito maior que em outros lugares onde também há mosquitos aedes e vírus da zika circulantes.

A vontade de muitos pesquisadores é explicar essa situação. Será que em alguns locais a microcefalia é mais grave que em outros? Por que há mais casos no Nordeste do que no Sudeste, por exemplo, sendo que nas bandas de cá também há mosquitos e vírus aos montes?

Hoje ninguém discute que o vírus da zika causa microcefalia: já há evidência acumulada equivalente há décadas de pesquisas anteriores no mesmo tema. No entanto, ainda há uma grande lacuna: explicar essa discrepância geográfica em relação às consequências da infecção. Vale lembrar que os danos da zika podem ser muito mais sutis do que a alteração da circunferência da cabeça e do tamanho do cérebro.

As hipóteses são as mais variadas. Nutrição inadequada, background genético e coinfecção viral são algumas delas. Nesta última se ancora a recente polêmica a respeito de que um vírus bovino (VDVB –vírus da diarreia viral bovina) poderia agravar os efeitos da zika.

Os cientistas, segundo informações que chegaram à imprensa, teriam achado vestígios do VDVB em tecidos de fetos e recém-nascidos com zika que morreram.

O problema, como mostrado em reportagem minha publicada na última quarta na Folha, é que existe uma grande chance de esses achados se deverem a um produto muito usado em laboratório, o soro fetal bovino.

Resumindo a ópera, os cientistas teriam, primeiro, que descartar qualquer chance de contaminação laboratorial das amostras antes de dizer que havia chance de infecção pelo vírus bovino.

Não parece ser o caso, porém. Se fosse real, seria um senhor achado científico –nunca antes foi detectada uma infecção humana, conta o virologista especializado em VDVB da UFRGS Paulo Roehe.

Como hipótese e resultado vazaram (concomitantemente a uma reunião sobre o tema entre pesquisadores e representantes do governo), era esperado que o alarmismo, como sempre acontece, ocupasse o espaço da prudência.

Resta-nos torcer para que os cientistas, jornalistas e população não caiam nas ciladas das explicações fáceis e que o governo mais ajude do que atrapalhe nesse processo de descoberta.


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Vamos penar bastante antes de mapear todo o prejuízo causado pela zika em bebês https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/01/vamos-penar-bastante-antes-de-mapear-todo-o-prejuizo-causado-pela-zika-em-bebes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/01/vamos-penar-bastante-antes-de-mapear-todo-o-prejuizo-causado-pela-zika-em-bebes/#respond Fri, 01 Jul 2016 09:33:19 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/ZIKA-AVENER2-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=187 Em ciência e saúde, a história real é quase sempre mais complicada do que aquela que nos contam. Alguns novos estudos da agora não tão misteriosa relação entre zika e microcefalia foram publicados na última quarta (29).

A grande novidade de um deles, da revista “The Lancet”, é que não dá para confiar na microcefalia (definida pelo perímetro cefálico, ou circunferência da cabeça) como critério para saber quem foi ou não afetado pelo vírus da zika. Os cientistas já vinham especulando a respeito –o buraco causado pelo vírus vai bem mais embaixo e pode ser até “sutil”.

Um dos primeiros indícios de que isso poderia estar acontecendo é o fato de terem sido encontradas  lesões oculares em bebês cujas mães haviam sido infectadas por zika. Nessas crianças, o perímetro cefálico não acusava qualquer problema –só exames de imagem do cérebro (e do olho) mostravam alguma alteração.

O novo estudo foi bancado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e avaliou os primeiros 1501 investigados para zika. Destes, 899 foram descartados e os 602 restantes, de alguma maneira, teriam o que agora é chamado de “síndrome congênita da zika”.

O critério de classificação usado pelos cientistas (do mais provável caso de infecção para o menos provável) envolve a existência de exames laboratoriais que confirmem o vírus da zika, outros que descartem outras possíveis causas de microcefalia e exames de imagem do encéfalo.

A criação das cinco categorias ajuda a fazer algumas estatísticas. Uma delas mostra a relação entre o sintoma exantema (placas vermelhas ou rash) nas mães e a probabilidade de síndrome congênita do zika.

Como se vê, apesar de haver uma correlação entre a vermelhidão da pele e o nível de certeza diagnóstica, não dá para confiar muito nessa medida para saber se alguém tem zika. A chance de uma grávida com exantema ter um filho com síndrome congênita da zika é de apenas 71,1%, de acordo com os cientistas. Um grande número de mulheres que não tiveram vermelhidão na pele ficariam desassistidas se esse critério fosse eliminatório.

Abaixo coloquei o gráfico da mortalidade associada à cada nível de certeza diagnóstica. Também observamos um aumento conforme o grau de certeza sobe. O decréscimo justamente no ponto dos casos definitivos não quer dizer muita coisa –existe 95% de chance de o número real estar entre 4,4 a cada 1.000 e 86,6 a cada 1.000 (ou seja, na realidade não se sabe onde esse valor está. Isso porque o número de casos definitivamente confirmados é pequeno, e a margem de erro fica grande).

O mais interessante para o leigo, como eu, que não está imerso em maternidades medindo cabeças de recém-nascidos, é que o alardeado critério do tamanho da cabeça para microcefalia também não vale grande coisa.

O gráfico abaixo mostra que mesmo nos casos mais prováveis de síndrome congênita da zika, há uma parcela não desprezível que não seria selecionada pelo critério cabeça pequena mesmo em casos prováveis da síndrome congênita da zika. Vamos voltar em breve, aqui no Cadê a Cura?, a tratar desse assunto.

Em um comentário ao estudo, Jörg Heukelbach da Universidade Federal do Ceará e Guilherme Werneck, da UERJ, escreveram que seria possível incorporar sinais e sintomas neurológicos aos já conhecidos critérios de exantema da mãe e de perímetro cefálico, mas que a melhor aposta seria desenvolver um teste sorológico (já há algumas tentativas em curso) que pudesse ser incorporado na rotina pré-natal para detectar a zika e, quem sabe, permitir tratamento precoce (quem sabe com antibióticos, possibilidade mostrada em uma reportagem da Folha).

Diagrama de Venn que resume os achados
Diagrama de Venn que resume os achados (Reprodução/’The Lancet’)

“Enquanto o surto é um exemplo de quão rápido as evidências científicas podem (e devem) mudar a visão sobre uma doença, espera-se que as autoridades e a comunidade científica tenham de enfrentar por muitos anos as consequências da epidemia de zika, no Brasil e em qualquer outra parte do mundo”, concluem.

RESUMO DIFÍCIL

Os achados do artigo estão resumidos em um diagrama de Venn. Para quem não é muito fã da representação, basicamente o que ela quer dizer é que não dá para confiar em nenhum critério para bater o martelo quanto aos casos de infecção por zika. Há, inclusive, muitos casos que podem ter sérios prejuízos sem qualquer sintoma materno ou achado em exames de imagem neurológico –e talvez nem rastro de vírus tenha sobrado. Não há alternativa a não ser esperar para saber no que vai dar.

Na melhor das hipóteses, qualquer nascido durante esse surto, principalmente entre o final de 2015 e o começo de 2016, especialmente no Nordeste, estará sob suspeita de ter seu desenvolvimento neurológico (e de outras partes do organismo) afetado pelo vírus da zika. Enquanto isso, haverá inúmeros casos de pessoas desassistidas e bebês com casos não diagnosticados da recém-batizada síndrome congênita da zika, a qual a ciência ainda começa a compreender.

A única certeza que resta é que ainda vamos apanhar bastante da zika antes de achar um jeito de lidar corretamente com ela.


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‘Pílula do câncer’ falha de novo, mas ministério decide continuar testes https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/#respond Sat, 18 Jun 2016 18:04:17 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/share_big_iqsc_fosfoetanolamina_437-15_foto-cecc3adlia-bastos-07-180x95.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=179 A ‘pílula do câncer’, suposta panaceia anticâncer desenvolvida por um professor da USP (agora já aposentado) falhou mais uma vez em testes do MCITC (antigo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e que agora abrange também as Comunicações).

Desta vez, a droga foi produzida pela Unicamp, com grau de pureza superior a 98% (a ‘pílula do câncer’ original tinha menos de um terço de ‘fosfo’). Outras substâncias também foram testadas: monoetanolamina e fosfobisetanolamina.

Os novos testes bancados pelo MCTIC foram conduzidos pelo Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (Cienp, de Florianópolis) e apontaram um desempenho pífio dos compostos no combate a células de câncer de pulmão, de pele (melanoma) e de pâncreas.

A única das três substâncias testadas que teve alguma atividade antitumoral foi a monoetanolamina (repere bem, não é a ‘fosfo’), na cavalar e quase astronômica concentração de de 10 mM, desempenho superado facilmente por drogas clássicas como cisplatina e gencitabina.

No único resultado de inibição parcial de crescimento e de redução da viabilidade de células tumorais produzidos pela fosfo, o efeito seria consequência do aumento da acidez do meio de cultura provocado pela adição da substância.

HORA DE MUDANÇA?

Depois de outros seis estudos apontando na mesma direção, era a chance de a fosfo ser sepultada, mas, ao que tudo indica, a política e a paixão levam vantagem sobre a ciência e a razão.

Segundo informa o jornal “O Estado de São Paulo”, especialistas do ministério sugeriram encerrar a empreitada fosfoetanolamínica, que já consumiu alguns milhões dos cofres públicos.

No entanto, ainda haveria o desejo de pesquisar se a droga possui outro tipo de mecanismo de ação, como anti-inflamatória ou analgésica.

Independetemente dos estudos do MCTIC, vale lembrar que a fosfo também será testada em humanos, em estudos clínicos. Na prática, isso significa pular etapas –normalmente uma droga só é testada em humanos quando há resultados favoráveis em células e animais.

De qualquer maneira, falta pouco para que saibamos definitivamente se todo o mito que envolve a fosfoetanolamina tem algo de verdadeiro.


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Abordagem ‘agnóstica’ é a nova maneira de estudar (e talvez tratar) o câncer

Futebolização do debate sobre a maconha não ajuda a entender ou resolver a questão

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A crise e os tropeços científicos no Brasil 2: religião, nacionalismo e desenvolvimento https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/10/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-2-religiao-nacionalismo-e-desenvolvimento/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/10/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-2-religiao-nacionalismo-e-desenvolvimento/#respond Tue, 10 May 2016 09:04:06 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/1021px-Heliconius_mimicry-180x180.png http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=74 Uma das sortes que tenho com esse espaço do Cadê a Cura? é a de abrir a discussão de temas importantes.

Em atenção ao meu último post, quando discuti um pouco do imbróglio científico brasileiro, o professor de filosofia (e de filosofia da ciência) Wagner de Campos Sanz, da Universidade Federal de Goiás, escreveu o e-mail abaixo. Volto adiante.

 

Caro Sr. Gabriel Alves,

De modo geral, podemos dizer que o senhor coloca-se do lado correto no campo da disputa entre aqueles que defenderiam mais verbas para a pesquisa e aqueles que como o governador de São Paulo estariam em contra. Como o governador não se manifestou publicamente, a filtração tem que ser tomada com muito cuidado, pelas razões que exporei abaixo

Adicionalmente, a saraivada disparada pela profa. Suzana Houzel deve ser tomada com cuidado. Ela é apreciada no país, mas tomou a decisão de se afastar do Brasil e dirigir-se aos EUA e certamente ela precisa produzir algum tipo de justificativa perante a comunidade na qual ela atua de forma imediata.

Não acredite que o Brasil é pior país do mundo para fazer pesquisas. Se você olhar para a península ibérica verá dois países que vivem uma crise brutal, muito maior que a nossa, sofrem uma redução muito mais drástica em suas verbas e ainda assim possuem pesquisadores gabaritados. Ninguém simplesmente troca de país para outro pelo fato de que as verbas para pesquisa não são suficientes e isso vale na maior parte dos países do mundo! As trocas como a da profa. Houzel costumam envolver uma grande dose de ambição e motivação estritamente pessoal, incluindo as finanças pessoais. Não queremos com isso dizer que não existam razões objetivas para a troca. Todavia, diferentes atores vêm a situação de modo diferente.

O que é inaceitável na argumentação de Houzel, na sua própria e na do governador é o fato de assumir que uma parcela pequena e não expressiva da comunidade acadêmica poderia decidir o que é e o que não é relevante na pesquisa e, assim, decidir quem recebe e quem não recebe financiamento. Aliás, essa foi uma das características do PSDB na administração federal que criou a excrescência dos chamados centros de excelência. O partido favoreceu vários grupos politicamente próximos a ele que foram tratados como centros de excelência sem ter as condições para isso, ou seja, sem ter o reconhecimento internacional para tanto. E esses centros não estiveram restritos a área biológica.

Porém, o que parece-me mais notável como lacuna no seu texto é o fato de que o problema das verbas vem a público intimamente alinhado com um ambiente político mais e mais influenciado pela religião e sobretudo em uma área muito sensível ao debate metafísico-teológico, as biomédicas. Não só cogita-se um ministro criacionista como o próprio governador é reconhecidamente um cristão ligado a movimentos de direita dentro da igreja, coisa que você não comentou.

 

Saudações,

Wagner Sanz

Dr. em Filosofia, UFG

 

Retorno. De fato, eu, Suzana Herculano e o governador Geraldo Alckmin temos (aparentemente) um ponto comum de pensamento: os melhores devem ter mais verba. Para um leigo, existe um jeito melhor de buscar uma cura ou de entender um fenômeno do que apostar as fichas no melhor cientista da área?

A  métrica utilizada, contudo, deveria contemplar tanto áreas “estratégicas” quanto a produtividade do pesquisador. Claro que decidir o que é ou não estratégico cabe a um bom gestor, e é essa a parte da equação que provavelmente traria mais erros, ou injustiças, na distribuição do dinheiro.

Dar mais para os melhores não significa que os menos excelentes devam ser limados –o que existe na academia hoje é muita gente acomodada atrás da “isonomia”. Marcelo Leite, em sua coluna desta segunda (9), intitulada “Fracos e Medíocres”, trata muito bem do tema.

Sobre a possível falta de nacionalismo de Suzana, não gosto do julgamento. Mayna Zatz, uma dos melhores pesquisadoras na área de doenças neuromusculares (como a distrofia de Duchenne), resolveu ficar no país, na USP; o geneticista Alysson Muotri é professor da Universidade da Califórnia em San Diego, onde pesquisa, entre outras coisas, as mudanças neuronais do autismo. É possível listar inúmeros exemplos de ótimos cientistas que ficaram ou que foram.

Eu só lamento a nossa capacidade de retenção não ser maior do que a atual. Com a evasão, o país perde a chance de avançar cientificamente mas a cura para uma doença não deixará de ser encontrada por falta de motivação.

CRIACIONISMO

Toma-se como prudente a separação entre ciência e religião. Difícil discordar ao ver absurdos científicos como a “Teoria do Design Inteligente” (nome quase palatável do criacionismo científico).

Em política, estamos sujeitos aos achismos de quem quer que seja –ateu ou bispo. Encontrar os coeficientes (ou pesos) adequados para cada elemento da somatória de considerações de cada ponto de vista está longe de ser uma ciência exata.  

A ciência não vai se livrar da influência da religião (como já aconteceu no caso das células-tronco embrionárias) assim como a religião não vai deixar de ser questionada pela ciência (quando se nega a evidência da diversificação das espécies por um mecanismo não divino ou quando se afirma que a Terra tem 10 mil anos de idade).

Não acho impossível que um religioso possa ser um bom gestor científico, mas o tom de enfrentamento de colocar um criacionista no MCTI certamente não foi salutar para a ainda teórica gestão Temer. Se consolidada, a indicação não agregaria valor à pasta e sinalizaria (mais uma vez) o quão desimportante é a ciência para nossos políticos. Atualmente já hipotetiza-se um “desconvite” Marcos Pereira (PRB) para a Ciência no também hipotético governo.

Enfim, o erro de impedir que o povo se beneficie de uma boa ciência no país não muda de tamanho por ter vindo de um cristão da Opus Dei ou de uma revolucionária marxista.

 


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Se quiserem saber mais sobre a terra de ninguém entre ciência e religião, leiam o blog “Darwin e Deus”, do excelente Reinaldo José Lopes.

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Leia outros posts:

A não tão simples relação entre o consumo de sódio e a hipertensão

A escalada de casos de autismo e a relação com o uso de inseticidas

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A não tão simples relação entre o consumo de sódio e a hipertensão https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/04/27/a-nao-tao-simples-relacao-entre-o-consumo-de-sodio-e-a-hipertensao/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/04/27/a-nao-tao-simples-relacao-entre-o-consumo-de-sodio-e-a-hipertensao/#respond Wed, 27 Apr 2016 05:50:01 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/04/salt-shardayyy-180x110.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=19 Entre tantos temas possíveis, decidi que o primeiro post do Cadê a Cura? será sobre uma doença emblemática, que aflige 30% dos brasileiros e que tem grande impacto em todo o mundo –a hipertensão.

Um pequeno estudo, publicado recentemente por um grupo da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS), mostrou que, mesmo entre hipertensos, não há um bom conhecimento sobre que alimentos contém alto teor de sal, responsável por agravar a doença.

Poucos sabiam, por exemplo, que sopas instantâneas (somente 52,5% das pessoas), molhos de salada (48,9%), queijo mussarela (43,9%) ou comidas enlatadas (36,7%) teriam alto teor de sódio –a parte “maligna” do sal de cozinha.

Entre os alimentos “do lado negro” mais reconhecidos estavam: linguiça (90,5% sabia), salgadinho industrializado (90,5%), salame (88,2%) e temperos prontos (77,8%).

Por que o sódio faz mal?

No nosso organismo, o íon sódio é capaz de “segurar” uma grande quantidade de água dentro dos vasos sanguíneos. Muito líquido em pouco espaço gera uma pressão elevada. Profissionais da saúde costumam apelar para uma redução do consumo do nutriente, que é importante para o adequado funcionamento do organismo, mas que, em excesso, está associado a complicações graves de saúde.

A pressão excessiva pode causar danos aos vasos, rompendo-os e alterando seu funcionamento. Por exemplo, a formação de placas ateroscleróticas nos vasos é acelerada com a hipertensão. Além de causar doenças renais e cardiovasculares, a hipertensão também é um fator de risco para demência.

Ter pressão descontrolada, em resumo, é um convite para se ter um infarto ou um AVC em algum momento da vida. Das pessoas que sofrem com esses eventos cardiovasculares, 70% e 80%, respectivamente, apresentam a condição.

SÓDIO

Houve um apaixonado debate desde o começo do século passado sobre a relação entre ingestão de sódio e hipertensão. Enquanto cientistas traçavam correlações entre as duas coisas (países com maior consumo de sódio tinham mais casos de hipertensão, por exemplo), outros brigavam para dissuadi-los da ideia de que seria necessário estabelecer um limite diário do nutriente.

Na década de 1970  falava-se em 4,6 gramas diários de sódio (11,8 gramas de sal); hoje, em alguns países, fala-se em um número 10 a 5 vezes menor que esse, ou seja, tão pouco quanto 460 mg de sódio diários (1,2 grama de sal de cozinha). A OMS e Ministério da Saúde sugerem até 5 g de sal diários –uma colher de chá–, que contém aproximadamente 2 g de sódio.

Do lado dos “céticos do sódio”, pesava o argumento de que não havia até então um estudo prospectivo que permitisse bater o martelo sobre a relação (mais ou menos o pé em que há pouco estávamos sobre a relação entre zika e microcefalia). Atualmente ainda permanece um resquício dessa discussão –não sobre a relação entre sódio e hipertensão, que é inquestionável, mas sobre outros fatores também importantes para a condição.

Se fosse o sal o único responsável, bastava parar de ingeri-lo para sanar o problema –o que geralmente não acontece. Estudos indicam que existem, sim, indivíduos cuja pressão arterial responde muito bem à mudança de sódio na dieta.

Em algumas pessoas, a quantidade de sódio no organismo pode influenciar na fabricação de uma proteína que provoca sua eliminação pelo sistema renal. Em outras, esse caminho não funcionaria tão bem, explicando porque nem sempre reduzir o sódio, mesmo drasticamente, resolve o problema.

Ao contrário: o organismo poderia trabalhar, inclusive, para aumentar a pressão sanguínea.

Um estudo de 1979 mostrou que aumentar a ingestão diária de sódio de 230 mg (baixíssima) para 6900 mg (6,9 g, o que equivale a 17,7 g de sal, altíssima para os padrões atuais) tanto poderia aumentar quanto diminuir a pressão sanguínea. O efeito era muito variável.

A lição: mesmo que o estudo apresentasse problemas, não é tão óbvio que mexer na ingestão de sódio vá trazer grande benefício. Na verdade, um grande estudo concluiu que esse benefício fica na casa de 1 mmHg, ou seja, a pressão de 14 por 9 cairia, em média, para 13,9 por 8,9 –irrisório.

Existe mais coelho nesse mato: problemas de equilíbrio hormonal, “versões problemáticas” de algumas proteínas do organismo (herança genética).

Já que tenho que tomar remédio mesmo, posso abusar do bacon e da salsicha?

Claro que não. Apesar das dúvidas que alguns lançam sobre a relação entre sódio e hipertensão, uma coisa é certa: o excesso não ajuda em nada, sobrecarrega os rins e altera o funcionamento do cérebro (uma correlação foi encontrada entre consumo de sódio e declínio cognitivo).

Tudo bem que correlação não implica causalidade, mas, com tudo jogando contra, melhor não arriscar, não é?

 

ESTATÍSTICAS

Todo ano, em torno de  10 milhões de pessoas morrem por consequência da pressão arterial elevada.

Um dado um tanto chocante é que, na média, o homem brasileiro já é pré-hipertenso (ou seja, pressão arterial sistólica entre 120 e 140 mmHg e diastólica entre 80 e 90 mmHg). Se ainda não for, o risco de se tornar hipertenso é elevado para boa parte da população.

A hipertensão é caracterizada por pressão maior que 14 por 9 (sistólica de 140 mmHg e diastólica de 90 mmHg), mas seu diagnóstico pode requerer testes de esforço (em esteira ergométrica, por exemplo) e medição em diferentes momentos e circunstâncias.

No país, estima-se que 30% das pessoas sejam  hipertensas (embora boa parte, talvez mais que a metade delas, ignore o fato). Conforme a vida passa, a chance de a hipertensão aparecer aumenta:

Como se vê no gráfico, homens mais novos têm uma propensão maior à hipertensão que mulheres, o que se reverte na terceira idade (mas elas ainda estão na vantagem, já que vivem, em média, uns bons aninhos a mais). Negros têm uma chance até 40% maior de serem atingidos pela condição. Olhe só:

Para melhorar a pressão arterial, a receita é aquela mesma de sempre: emagrecer, fazer exercícios três vezes por semana, não fumar, não beber muito, não se estressar à toa… e mesmo assim não é garantido que ela vá embora.

Os tratamentos com medicamento envolvem tanto a estratégia de relaxar os vasos sanguíneos, diminuir o conteúdo deles (diuréticos), reduzir o bombeamento do coração ou impedir que o organismo atue aumentando a pressão das veias e artérias, por exemplo.


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