Cadê a Cura? https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br Sobre doenças e suas complicações e o que falta para entendê-las e curá-las Thu, 19 Mar 2020 00:39:51 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A internet está cheia de curas impossíveis, achismos e charlatães, diz neurologista https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/12/20/a-internet-esta-cheia-de-curas-impossiveis-achismos-e-charlataes-diz-neurologista/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/12/20/a-internet-esta-cheia-de-curas-impossiveis-achismos-e-charlataes-diz-neurologista/#respond Fri, 20 Dec 2019 11:00:54 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/32913725404_e6ec730c66_c-320x215.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1225 O neurologista Saulo Nader, do canal do YouTube NeurologiaePsiquiatria TV, escreve para o blog Cadê a Cura? e fala sobre sua indignação com as pseudociências, que ganham espaço especialmente na internet e põem a saúde e a vida das pessoas em risco.

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Por Saulo Nader, neurologista

Enquanto o Uber rasgava o trânsito da metrópole com a agilidade de uma tartaruga, me perdia contemplando as varandas gourmet. Tanta vida ocorrendo naqueles espacinhos iluminados que se apinham no horizonte da capital.

Um casal parecia discutir em uma; em outra, crianças corriam animadas; em uma lá no meio do prédio vermelho, uma cena que me captou: um homem de cadeira de rodas segurava o celular e navegava entorpecido em sua telinha. Seu olhar cansado exalava curiosidade. Será que buscava informação sobre saúde no mundo virtual?

Talvez ele procurasse no cyberespaço dicas para saber mais de sua vertigem (uma doença traiçoeira) ou simplesmente como lidar com o desafio de ser deficiente na cidade dos buracos. Escrevi um lembrete para gravar um vídeo sobre o assunto.

Naquela noite, eu comemorava o marco de mil pacientes atendidos em meu consultório, mil vidas que esbarraram na minha e que tive a oportunidade de, por meio da ciência médica, tentar ajudar.

Mil vidas, mil histórias, mil doenças… O número chacoalhava dentro do meu cérebro. Em meu canal no YouTube, contudo, tenho vídeos já com mais de um milhão de visualizações. Ou seja, somente por essa portinha mágica do smartphone, esbarrei em mais de um milhão de vidas.

Um milhão de pessoas é mais do que qualquer médico atenderá em toda sua carreira, por mais trabalhador que seja. De fato, a tecnologia quebra barreiras.

Um vídeo não substitui o médico, lógico que não. Mas leva informação às pessoas que anseiam por ajuda, dá um caminho para chegar à sonhada melhora. Tomara que um bom vídeo ajude aquele senhor ali parado, divagando no seu celular, ter ajuda para aliviar suas tonturas e a viver melhor com sua aliada de rodinhas.

O primeiro passo em busca da sonhada melhora é o conhecimento.

Ali, sentado no banco de um carro qualquer, em uma rua conturbada, pensei no poder que as mídias sociais podem dar a algumas pessoas e como muita gente usa esse poder para o mal, infelizmente.

Uma informação desencontrada, de má fé ou exploradora pode deixar um grande estrago nessas vidas, como as que vejo nas varandinhas.

Curas impossíveis, orientações equivocadas e causas inexistentes de doenças podem devastar uma existência. Crendices e achismos disfarçados com a roupagem professoral da ciência abundam por aí. Charlatões maquiados com a pompa e o jargão médico enganam livremente.

Tem de tudo: ervas milagrosas, vitaminas mágicas, Pedro de Jesus, o louco da vitamina D, o insano da glutamina, as pílulas da inteligência, a fosfoetalamina, o ódio contra vacinas e os chás de rosas. Obscurantismo e ocultismo vendendo falsa saúde, o mundo assombrado por demônios. Esse livro, “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, escrito pelo incrível Carl Sagan, expõe o capeta que ganhou asas no mundo digital: a pseudociência.

Essas pessoas que usam da fé para enganar e em, boa parte das vezes, para enriquecer não se importam com o ser humano, apenas com o bolso. Em tom messiânico, prometem a cura por vias anticientíficas, místicas e irreais. Esse discurso entorpece os sentidos e engana a alma.

Ninguém está imune à pseudociência, mas, quanto mais boa informação houver, maior a esperança de que os dias adiante serão melhores. Existe muito conteúdo médico e de saúde com qualidade nessa galáxia confusa que é a internet, não tenha dúvida — conhecimento bom, baseado em evidência científica.

“Chegamos, amigo”, despertou-me dos meus pensamentos a voz rouca do motorista. Há um provérbio chinês que diz que mais vale acender uma vela do que lamentar a escuridão. Acendi a minha. E, nas varandas gourmet, vida acontecendo.

 


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Por que a Anvisa libera produtos homeopáticos? Veja as respostas da agência https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/12/02/por-que-a-anvisa-libera-produtos-homeopaticos-veja-as-respostas-da-agencia/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2019/12/02/por-que-a-anvisa-libera-produtos-homeopaticos-veja-as-respostas-da-agencia/#respond Mon, 02 Dec 2019 12:00:35 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/b703e13bb0948aa6f54f914e867e30485a2525b52fb6280e43c2c23447bee6a8_5dd70efe5c317-1-320x215.jpg https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=1202

Já que os produtos homeopáticos têm baixa chance de causarem problemas para a saúde, eles podem ser liberados com um menor rigor do que remédios convencionais, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pela regulação de medicamentos no país.

No último dia 22, a Folha publicou a reportagem Movimento que rebaixou homeopatia no Reino Unido e na Austrália chega ao Brasil. Para entender melhor o status regulatório dos produtos homeopáticos no país, procurei a Anvisa .

Países como Austrália, Reino Unido e França começaram a retirar a homeopatia de seus sistemas públicos de saúde ou a restringi-la. A FTC (Federal Trade Comission), agência dos EUA responsável por proteger consumidores, já havia declarado que os medicamentos homeopáticos não tem garantia de eficácia ou de segurança.

A homeopatia se baseia em princípios estabelecidos em 1790 por Samuel Hahnemann, como o que diz que “similar cura similar” e o de ganho de potência por meio de diluições. Por exemplo, uma substância que causa coceira poderia ser usada para tratar esse tipo de sintoma, desde que extremamente diluída na formulação do remédio homeopático.

O fato é que os remédios homeopáticos não passam pelo mesmo processo de validação do que os remédios convencionais. Enquanto uma vacina ou um antibiótico tem que apresentar uma série de estudos mostrando eficácia e segurança antes de serem lançados, os homeopáticos se baseiam em relatos de casos e na aprovação prévia em outros países, sem um arcabouço científico mais robusto.

Esses produtos “podem ter sua comprovação de eficácia demonstrada pelo próprio uso tradicional, pelo registro em farmacopeia nacional [espécie de grande catálogo de remédios] ou em outros compêndios aceitos por agências reguladoras internacionais.”, diz a Anvisa.

Isso acontece porque esses itens oferecem baixo risco, segundo a agência. “Como consequência, medicamentos homeopáticos são indicados como ‘auxiliares’ no tratamento de outras doenças ou dos sintomas de doenças.” Caso seja proposto que um medicamento homeopático trate uma doença grave, serão exigidos estudos de fase 1, 2, 3, com animais e seres humanos, diz a Anvisa.

A seguir, a íntegra das respostas enviadas pela agência:

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Uma vez aprovado pela Anvisa, um tratamento pode ser revogado por ausência de eficácia? Se sim, qual o caminho e o que isso requereria? É o mesmo caminho para medicamentos homeopáticos e não homeopáticos? Qualquer medicamento ou produto pode ter o seu registro revisto a partir do surgimento de evidências sobre o seu perfil de segurança e eficácia. Este tipo de fenômeno é normalmente identificado pelo trabalho de farmacovigilância a partir das notificações feitas por pacientes, médicos e outros profissionais de saúde.

O que sustenta a existência dos tratamentos homeopáticos hoje em dia no Brasil? Demanda popular, tradição, presença em outros países, legislação (como a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares)? Todos medicamentos autorizados pela Anvisa possuem comprovação de eficácia e segurança, incluindo os medicamentos homeopáticos. A diferença está no rito de validação de cada produto.

Há diferentes métodos para validar a eficácia de um medicamento e isto está relacionado com o seu perfil de risco e alegações terapêuticas aprovadas para cada produto.

Os medicamentos homeopáticos estão no grupo próximo aos fitoterápicos e produtos tradicionais fitoterápicos que podem ter sua comprovação de eficácia demonstrada pelo próprio uso tradicional, pelo registro em farmacopeia nacional [espécie de grande catálogo de remédios] ou em outros compêndios aceitos por agências reguladoras internacionais.

Os homeopáticos estão neste grupo porque são considerados produtos de baixo risco. Como consequência, medicamentos homeopáticos são indicados como “auxiliares” no tratamento de outras doenças ou dos sintomas de doenças.

Essa demonstração pelo uso tradicional ou por relato em compêndios é válida apenas para o aspecto da eficácia. Os requisitos de boas práticas de fabricação, que tratam da linha de produção, são os mesmos para todos os medicamentos, podendo variar apenas de acordo com características específicas de cada produto (por exemplo, os medicamentos biológicos).

No caso das farmácias de manipulação, as regras vigentes são as mesmas independentemente da natureza do produto, ou seja, iguais para medicamentos sintéticos, fitoterápicos, homeopáticos ou mesmo cosméticos.

Farmácias de manipulação fabricam produtos personalizados de acordo com a indicação de cada médico para seu paciente.

O rigor e o processo para aprovação de medicamentos homeopáticos não deveriam ser igual aos empregados para os tratamentos convencionais? Por que são diferentes? Tratam-se de produtos diferentes. O rito de aprovação definidos pela regulação é compatível com o perfil de risco e as indicações aprovadas para estes produtos.

No Brasil, qualquer medicamento homeopático que se proponha a tratar uma doença grave deverá se submeter às mesmas exigências feitas para medicamentos mais complexos, por exemplo, com a exigência de estudos clínicos de fase 1, 2 e 3.

Atualmente não temos no Brasil homeopáticos com estas indicações.

Como a agência enxerga a mudança de posicionamento em relação aos medicamentos homeopáticos em países como Austrália e Reino UnidoPara fazer essa avaliação seria necessário olhar em detalhes o contexto regulatório de cada um desses dois países e os estudos referenciados no texto.

De toda forma, é importante ressaltar que os medicamentos homeopáticos atualmente aprovados pela Anvisa não são indicados como tratamento de doenças graves citados nos dois documentos. No Brasil esses produtos são indicados como produtos “auxiliares”.

A regulamentação dos medicamentos fitoterápicos no Brasil recebe um tratamento bastante semelhante às normas da Alemanha, França e Suíça.

Existe alguma preocupação com relação ao fato de o emprego de tratamentos homeopáticos, por serem alternativos à medicina convencional, poderem acarretar abandono dos tratamentos sabidamente eficazes em doenças graves, como asma e câncer? Os medicamentos homeopáticos, como qualquer medicamento, têm indicações aprovadas que devem ser observadas e que não podem ser extrapoladas. É importante destacar que o diagnóstico, prescrição e orientação corretos feitos ao paciente pelo médico é fundamental para a condução de qualquer tratamento.

Sobre a eventual conduta de profissionais que possam induzir a substituição indevida de tratamento, é importante consultar o CFM [Conselho Federal de Medicina], que é o conselho profissional que cuida deste aspecto.


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O colunista Reinaldo José Lopes, um dos melhores jornalistas de ciência do país, escreveu semana passada na Folha que ele não enxerga esses seres geneticamente superiores num horizonte próximo. Discordo. Consigo avistá-los logo ali dobrando a esquina.

A prova de que isso faz sentido são as próprias bebês chinesas: elas teriam sido manipuladas para serem resistentes à infecção por HIV. Bastou alterar um dos cerca de 20 mil genes humanos e voilà, ganha-se uma (pequena) vantagem genética (apesar de esse tipo de experimento ser proibido naquele país e, dado os riscos, eticamente questionável).

Já inteligência e aptidão musical, por exemplo, são características complexas, que dependem da interação de dezenas ou centenas de genes com o ambiente. Com o que sabemos hoje, ainda seria difícil manipular essa teia de informação de modo a gerar resultados previsíveis.

Por outro lado, há um bom punhado de características que podem ser incrementadas a partir de alterações no DNA.

Um exemplo famoso é a miostatina, molécula que tem por papel reduzir a produção de músculo. Suponha que seja possível alterar (ou deletar) o gene da miostatina para torná-la menos eficiente. O resultado: menos gordura, mais músculos e uma clara superioridade física. Veja abaixo imagem de camundongo cujo gene da miostatina foi desativado:

Camundongo normal (à esq.) e camundongo cujo gene da miostatina foi deletado (Crédito: Se-Jin lee)

Outro exemplo é o gene da alfa-actinina 3, uma proteína importante no processo de contração muscular. Alguns indivíduos carregam uma variante do gene que permite um ciclo mais rápido de contração e relaxamento, ou seja, mais velocidade na corrida. Esse mesmo gene pode ter papel importante em outras características, como adaptação ao exercício, recuperação e no risco de lesões.

O DEC2 também é um gene interessante, que, ao que tudo indica, parece ser importante na definição da necessidade de horas de sono para um indivíduo. Imagine dormir apenas 4h para ficar novinho em folha? Algumas pessoas carregam uma mutação que otimiza o período do sono.

A lista poderia se estender: ossos mais duros, imunidade a venenos, resistência aeróbica, maior altura e envergadura… Não faltam oportunidades de otimização da espécie.

Por outro lado, Lopes está coberto de razão ao lembrar que os genes podem ter mais de uma função no organismo, ou seja, que ao mexer numa engrenagem molecular ali, podemos gerar um efeito inesperado e/ou indesejado acolá, como infertilidade ou maior chance de desenvolver câncer. Mas isso não quer dizer que ninguém vá trilhar esse caminho (como mostrou o cientista chinês He Jiankui).

Perguntei a alguns especialistas o que eles pensavam a respeito do tema. Veja as respostas abaixo:

Os avanços da edição genética permitirão a existência de super-humanos no futuro? Por quê?

Se o termo “super-humano” se referir a modificações de genes relacionados com características físicas relativamente bem-definidas, como força, por exemplo, a resposta seria sim. Embora a edição de genes ainda não seja totalmente isenta de falhas, os desafios técnicos deverão ser resolvidos nos próximos anos. Entretanto, se o termo se referir a tentativas de mudar características do indivíduo com vistas a transformações comportamentais, sociais ou morais, imagino que não. A bioética já está se ocupando de discutir esse tema, vide o lançamento da Declaração em Bioética e Edição de Genes em Humanos pelo Observatory of Bioethics and Law (OBD, Barcelona).
Marimélia Porcionatto, professora da Unifesp

Para que isso aconteça, primeiro precisamos conhecer os genes que nos tornariam “super-humanos” (supondo que um super-humano teria grande inteligência, saúde perfeita e uma bela aparência – é isso?!). Hoje ainda não conhecemos os genes que influenciam essas características. Mas um dia conheceremos.  E já quase temos a tecnologia para modificar esses genes. Logo, sim, poderemos criar super-humanos. Iremos? Se a tecnologia/conhecimento de fato existirem, acho quase inevitável. Porém, os super-humanos já existem hoje. Somos todos nós que já temos acesso às maravilhas da medicina moderna, à educação, ao saneamento básico. Compare a saúde (e aparência) das pessoas com nível socioeconômico alto com a média da humanidade. Eis os super-humanos —eles já existem…
Lygia Veiga Pereira, professora da USP

Enquanto a utilização da tecnologia para tratar doenças é justificável, o uso para mudar características de bebês é perigosamente eugênico. Num futuro incerto, poderiam os pais equivocados escolher o fenótipo de seus filhos? Estatura aumentada, visão infra-vermelho, pele altamente resistente, sem contar outras características comportamentais? Qual o limite do uso de uma técnica de consequências tão profundas? Considerando-se apenas as questões técnicas, a imaginação é o limite. Quando lidamos com o bem estar e possível sobrevivência da humanidade, porém, o limite que se impõe é a ética. O mundo como um todo deve discutir profundamente todas as implicações do uso desta tecnologia e que apenas as que tragam o bem estar dos seres humanos sejam permitidas. Cabe a nós decidir o que fazer com o conteúdo da caixa de Pandora…
João Bosco Pesquero, professor da Unifesp

A gente já conseguiria selecionar os embriões perante características físicas bem-definidas. Inclusive a empresa 23andMe já havia avisado que poderia selecionar embriões baseados na cor dos olhos, dos cabelos, pele etc, gerando grande polêmica —isso aconteceu já há algum tempo. Imagine na China, com uma tecnologia que a gente nem conhece tão bem, uma triagem de embriões e, em cima dessa triagem, a edição de alguns genes. Esses indivíduos poderiam ser transformados, deixando-os mais robustos,  modificando até mesmo características comportamentais, reduzindo a capacidade de sentir medo. Eticamente é um assunto complexo. Em teoria, já teríamos metodologia para fazer super-humanos há cinco ou dez anos. Se já foram feitos ou não, é outra história.
Ciro Martinhago, médico geneticista

A resposta mais óbvia é sim. Quando se fala em possibilidades científicas, existem gargalos fundamentais e gargalos tecnológicos. Nós nunca vamos viajar em uma velocidade maior do que a luz, porque isso é uma impossibilidade física fundamental. A edição de genoma, por outro lado, enfrenta apenas limitações tecnológicas, que vêm sendo superadas. A barreira é dada pelo estado atual da técnica, não pela natureza. Ética, moral, religião ou medo nunca foram capazes de conter por muito tempo avanços tecnológicos que podem curar doenças, aumentar a longevidade ou, até mesmo, produzir características físicas mais desejáveis. Se isso é bom ou ruim para a sociedade como a vemos hoje, trata-se de um debate filosófico, não científico.
Natália Pasternak, bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência

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À primeira vista pode parecer conveniente ingerir algumas cápsulas por dia ou misturar algum pó na comida a fim de que a substância convença o organismo a gastar a gordura estocada, provocando emagrecimento.

O problema é que nem sempre —ou quase nunca— a gordura vai embora tão facilmente. Se mesmo no caso de medicamentos aprovados o efeito de emagrecimento é limitado, o que dizer de suplementos quem nem passam por testes tão rigorosos?

Um grupo de cientistas dos EUA está fazendo um grande esforço para tentar elucidar a questão. Eles apresentaram os primeiros resultados na Obesity Week, evento que aconteceu no começo deste mês na cidade americana de Nashville, no estado de Tennessee.

Apesar da profusão de possíveis tratamentos alternativos para a doença e do mercado potencialmente bilionário (são 2 bilhões de pessoas com obesidade e sobrepeso no mundo), há poucas evidências de que os suplementos funcionem (claro que a questão é complicada, tanto que publicamos recentemente na Folha uma reportagem que fala um pouco dos desafios enfrentados por quem tem obesidade).

Os pesquisadores analisaram mais de 14 mil estudos e constataram que aqueles feitos em humanos e que atendem a alguns critérios mínimos de qualidade são pouquíssimos, cerca de 300. Restaram alguns trabalhos sobre cálcio, vitamina D, chá-verde e quitosana, por exemplo.

Mesmo assim, o impacto desses tratamentos na perda de peso é limitado ou nulo. E às vezes pode ser até perigoso, como no caso de suplementos que contêm quantidades (não declaradas no rótulo) de hormônios tireoidianos ou substâncias emagrecedoras, como a sibutramina, gerando riscos cardiovasculares e hepáticos, entre outros.

A médica Katherine Saunders, da Universidade Cornell, disse que não é raro que pacientes obesos passem a consumir suplementos indicados por conhecidos e até mesmo deixem de lado o tratamento convencional —mudança de hábitos de vida e uso de medicamentos.

Assim, pelo que se sabe, provavelmente não vale a pena recorrer a suplementos. É mais negócio economizar o dinheiro e investir no acompanhamento de perto por profissionais de saúde.

O jornalista Gabriel Alves viajou a convite da Novo Nordisk


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Nesses tempos digitais também proliferam profissionais que alegam ter achado respostas completas e incontestes para levar saúde integral e até mesmo felicidade para seus clientes. No texto abaixo, feito especialmente para o Cadê a Cura?, a professora de dança e estudiosa de yoga Sylvia Maria fala sobre o assunto.

 

No mercado das terapias instantâneas, sobra marketing e falta embasamento, por Sylvia Maria

“A ansiedade é o mal da atualidade”; “A depressão atinge um recorde de pessoas”. Já ouviu algo assim? À primeira vista parece que estamos mais doentes do que nunca. Será que é esse mesmo o caso ou nossa percepção sobre o que é estar enfermo é que não está muito bem das pernas? Se for esse o caso, quem está lucrando?

Eu voltava de uma corrida no parque quando passei por uma banca de jornal. Vi várias revistas que falavam de bem-estar, atividade física e alimentação saudável. No dia seguinte, parei na mesma banca e fiz uma rápida contabilidade das capas: 40% eram relacionadas à questão corporal (atividade física e modalidades esportivas), à  alimentação saudável (novas dietas e receitas) ou a técnicas de relaxamento (meditação, yoga, atividades de concentração).

Isso me incomodou. Por que tantas pessoas têm buscando essas fórmulas prontas para se cuidar? Estamos realmente doentes ou tudo isso não passa de um novo mercado que cria dificuldades para vender facilidades?

A depressão é o tema da OMS no Dia Mundial da Saúde em 2017. É um problema de saúde pública e o número de afastamentos são evidência disso: 75 mil brasileiros foram afastados em 2016. Somos líderes, temos o maior número de casos de depressão entre os países em desenvolvimento.

Os índices de pessoas em depressão que tentam suicídio pode chegar a 24%, apontam estudos americanos. A doença é grave e há pouca discussão e conscientização. Vale ressaltar que trata-se de algo bem diferente de tristeza (uma dica de filme que explica bem as emoções é o “Divertida Mente”; também há um ótimo relato sobre o que é ter depressão que foi publicado aqui no Cadê a Cura?).

Mas um problema que geralmente passa batido são as pessoas que abusam do momento frágil de outras para lucrar com técnicas superficiais, recém-aprendidas, sem conteúdo nem embasamento científico –e ainda por cima em um ritmo “fast”.

De repente a pessoa olha, vê aquele método rápido-fácil-cool e mergulha de cabeça. Nesse processo voraz, ela perde a chance de olhar pra dentro e, de fato, descobrir e tentar resolver os problemas que estão escondidos.

E também existe a ansiedade, que afeta mais de um terço da população mundial pelo menos uma vez na vida. O sentimento pode até mesmo afastar as pessoas do trabalho, causando prejuízos diretos e indiretos. Vale ressaltar que a região metropolitana de São Paulo têm a maior incidência de perturbações mentais do mundo, de acordo com o relatório São Paulo Megacity Mental Health Survey.

Às vezes precisamos de uma pausa para cuidar das plantas, ler um livro e viajar em vez de ficar comparando a própria vida com o que é compartilhado minuto a minuto em redes sociais. Sem essa consciência, acabamos nos obrigando a (fingir) ter um status de alegria permanente.

No mundo real, resta a tristeza. Nos sentimos menos desejados e clamamos por um consolo instantâneo. De repente alguém tem a brilhante ideia de pegar uma técnica centenária ou milenar, dá um nome chique (molecular-funcional-coach-full), coloca um preço astronômico e… Puf! Eis a nova terapia do momento, feita sob medida para você. Será?

Não para por aí. Existe uma pressa enorme em formar os novos “terapeutas” –há cursos de cinco semanas, com formação on-line e por aí vai.

O que não se pode permitir é que pessoas despreparadas, sem vivência real da filosofia ou da técnica em que se baseiam essas novas modalidades continuem vendendo e reproduzindo suas invencionices em escala industrial e sem o cuidado verdadeiro com quem realmente precisa de ajuda. Não se forma um terapeuta em meses, muito menos semanas.

Qualquer método, seja  secular ou religioso deve ser vivido antes de ser ensinado. A medicina chinesa é estudada por anos pelo menos dois anos e tem de haver muita prática antes de o terapeuta ensinar alguém; os monges tibetanos meditam por horas, dias, semanas, para então serem considerados iniciantes –e a rotina é diária.

Na dança, ao aprender um passo, ele é testado no nosso corpo, treinamos, só então passamos pro aluno. Até que ele possa ensinar alguém? Meses! O ditado “faça o que eu digo mas não faça o que eu faço” não funciona quando alguém precisa de apoio e de uma mudança verdadeira.

*SYLVIA MARIA é bióloga ambientalista, professora de danças árabes, estudiosa do yoga e curiosa da mente humana; e-mail: sylsaghira@gmail.com

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Criopreservação de humanos ainda é ambição bem distante https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/03/01/criopreservacao-de-humanos-ainda-e-ambicao-bem-distante/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2017/03/01/criopreservacao-de-humanos-ainda-e-ambicao-bem-distante/#respond Thu, 02 Mar 2017 00:36:50 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2017/03/alcor-180x124.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=606 Alguns entusiastas podem olhar para o novo método de descongelamento proposto por John Bischof e colegas em artigo na “Science Translational Medicine” e pensar que foi um importante passo rumo às grandes ambições da criogenia humana. Talvez tenha mesmo sido, mas a ciência ainda está bem distante de conseguir congelar e descongelar um ser humano com sucesso.

O plano seria criopreservar o corpo de quem acabou de morrer, para, quem sabe, em um futuro distante, curar doenças hoje letais e até mesmo conseguir fazer um download das memórias e da personalidade do indivíduo para um supercomputador ou avatar robótico.

Apesar de bastante controversa, essa possibilidade atrai alguns entusiastas e endinheirados que pagam dezenas de milhares de dólares para terem seus corpos armazenados a temperaturas superfrias (perto de -200°C) por tempo indeterminado.

Para a maioria dos cientistas, porém, a possibilidade de acordar depois de décadas ou séculos de criopreservação só tem espaço na ficção.

E um dos motivos é o que se entende sobre a consciência –provavelmente formada não só pelo arranjo físico de neurônios, mas também pela informação que eles conduzem e transmitem. Ela dificilmente sairia ilesa dessa animação suspensa.

A técnica de preservação funciona bem com células e embriões, mas para cada nível de complexidade subsequente –tecido, órgão ou sistema–, as informações e os desafios crescem de forma exponencial.

O método de descongelamento por radiofrequência (conheça abaixo) pode ser crucial no avanço do nível celular para o de tecidos e órgãos (onde miram os autores do estudo). Mas, com tudo o que se sabe até agora, o melhor conselho ainda é matricular-se em uma academia, evitar excessos e ir ao médico regularmente.

 


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Agência dos EUA quer que consumidores parem de ser enganados por remédios homeopáticos https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/11/22/o-fim-da-homeopatia/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/11/22/o-fim-da-homeopatia/#respond Tue, 22 Nov 2016 04:15:37 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/11/8281090605_3de4c754b8_k-180x101.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=494 Será o final de uma era? A FTC (Federal Trade Comission), agência dos EUA responsável por proteger os consumidores, quer que, naquele país, os medicamentos homeopáticos deixem de alegar que curam deonças.

Esses testes incluiriam, idealmente, uma fase pré-clínica (em culturas de células e  em animais) e fases clínicas, com humanos –incluindo ensaios  do tipo duplo-cego, quando nem o paciente nem o clínico que o avalia sabe se o paciente tomou o medicamento testado ou um outro que serve de referência ou ainda um placebo.

Um porém: a aprovação e regulação de medicamentos é função de outra agência, a FDA (Food and Drug Administration). Na prática, o que a FDA fez no passado (que não é muito diferente do que a Anvisa fez por aqui) foi permitir que os medicamentos homeopáticos conquistem sua licença de comercialização com base em “respostas” coerentes com o corpo teórico da disciplina, que se baseia em princípios de séculos atrás e, no mínimo, questionáveis dos pontos de vista físico, químico e biológico.

(Por exemplo, a homeopatia se baseia em conceitos como o de que a água conseguiria manter uma “memória” das moléculas que estavam nela diluídas ou que repetidas diluições –que diminuem a concentração de uma substância tóxica, por exemplo– conseguiriam fazer o medicamento se tornar um tratamento eficaz contra a intoxicação.)

No fim das contas, nos EUA, o remédio homeopático poderá até ser vendido na prateleira da farmácia, mas terá de ter um aviso dizendo que não funciona, de modo a não enganar o consumidor. Talvez o mercado homeopático, de quase US$ 3 bilhões anuais nos EUA, nem seja tão abalado, mas os críticos dessa modalidade de medicina alternativa veem o anúncio da FTC com muitos bons olhos. 

DEFENSORES

Os entusiastas da homeopatia costumam trazer relatos pessoais e de conhecidos como argumento de que a área é legítima.

Para eles, o problema seria usar a “régua” da medicina tradicional, da ciência cartesiana, para medir e quantificar os benefícios da antiga modalidade terapêutica. Em outras palavras, os efeitos suscitados pelo uso de remédios homeopáticos são tão individualizados, complexos ou sutis que passariam despercebidos por testes de eficácia tradicionais, apesar de existirem.

Provavelmente muito dessa percepção de sucesso poderia ser explicada pelo efeito placebo. Vale notar que não existem estudos grandes e sérios que apontem a eficácia suscitada pela terapia com homeopatia. Ao contrário.

Uma grande revisão de 2015 encomendada pelo governo australiano procurou estudos que testassem o efeito da homeopatia sobre uma série de doenças. A conclusão, além daquela de que não existem resultados favoráveis à homeopatia, foi a de que “pessoas que optam pela homeopatia podem colocar suas vidas em risco se eles rejeitarem ou adiarem tratamentos para os quais existe bom nível de evidência para segurança e eficácia”.

Meu palpite, no entanto, é que dificilmente a homeopatia será abalada pelo “choque de realidade” imposto pela FTC ou por quem quer que seja. As pessoas buscam narrativas interessantes para escolher tratamentos que se adequem a seus estilos de vida e a suas convicções. A homeopatia combina com o discurso natureba “contra os químicos”. É o mesmo tipo de pensamento que criou os mais novos “vilões” da saúde: o leite e os alimentos que contém glúten.

Talvez por causa de uma enorme dedicação dos homeopatas e dos pacientes-entusiastas, não se observem sinais de ruína na área: o campo de atuação está  profundamente enraizado nas escolas médicas e nos milhares de consultórios mundo afora.

Fora uns poucos enxeridos, ninguém fala mal de homeopatia. E ninguém parece querer mexer nesse vespeiro. Pelo menos até agora.


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Molécula presente no chá-verde inibe infecção por vírus da zika em células https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/29/molecula-presente-no-cha-verde-inibe-infeccao-por-virus-da-zika-em-celulas/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/07/29/molecula-presente-no-cha-verde-inibe-infeccao-por-virus-da-zika-em-celulas/#respond Fri, 29 Jul 2016 05:10:29 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/07/2974463970_9c69160634_b-180x120.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=295 Será que a melhor dica antizika para o verão é trocar a cerveja e a coca-cola por chá-verde? Uma substância presente na bebida é capaz de inibir a infecção de células pelo vírus da zika, mostra um novo estudo.

Trata-se da molécula epigalocatequina galato (EGCG). Ela conseguiu, em estudo com culturas de células, inibir ao menos 90% da entrada do vírus da zika. Já havia sido demonstrado que a molécula era capaz de bloquear vírus como os da hepatite C e da influenza e também o HIV.

Estudos anteriores em ratos mostraram que o EGCG é capaz de cruzar a barreira placentária e, portanto, poderia proteger o feto. Além disso, não há registro de que a molécula possa causar más-formações nos fetos dos roedores.

Essas duas características podem ser uma boa pista a respeito do potencial de o EGCG se tornar um medicamento que protegesse mãe e bebê.

A pesquisa foi realizada por cientistas brasileiros da Unesp e da Famerp (Faculdade de Medicina de Rio Preto) e foi publicada na revista “Virology”.

LIMITAÇÕES

Apesar de ter sido feito dentro dos padrões de rigor esperados de um estudo sério, a capacidade de resolver problemas da pesquisa ainda é limitada.

Cabe questionar: alguma das doenças (hepatite C, Aids e gripe) já foi efetivamente prevenida em humanos com uso do do EGCG? Nada foi provado até agora.

Claro que todo avanço é bem-vindo, ainda mais em tempos de crise. No entanto, temos sempre que basear a discussão em evidências sólidas e, mesmo assim, desconfiar.

O caso da fosfoetanolamina é o antiexemplo simbólico. Há poucas evidências de que ela pode funcionar e, mesmo assim e muitas delas acabaram sendo postas em xeque com os novos testes, encomendados pelo Ministério da Ciência.

Para não cair no conto do vigário (e trocar a cerveja e a coca por chá-verde), aguarde pelo menos os próximos passos da pesquisa do EGCG –os testes em animais. E aí que (literalmente) o bicho pega.


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‘Pílula do câncer’ falha de novo, mas ministério decide continuar testes https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/06/18/pilula-do-cancer-falha-de-novo-mas-ministerio-decide-continuar-testes/#respond Sat, 18 Jun 2016 18:04:17 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/share_big_iqsc_fosfoetanolamina_437-15_foto-cecc3adlia-bastos-07-180x95.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=179 A ‘pílula do câncer’, suposta panaceia anticâncer desenvolvida por um professor da USP (agora já aposentado) falhou mais uma vez em testes do MCITC (antigo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e que agora abrange também as Comunicações).

Desta vez, a droga foi produzida pela Unicamp, com grau de pureza superior a 98% (a ‘pílula do câncer’ original tinha menos de um terço de ‘fosfo’). Outras substâncias também foram testadas: monoetanolamina e fosfobisetanolamina.

Os novos testes bancados pelo MCTIC foram conduzidos pelo Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (Cienp, de Florianópolis) e apontaram um desempenho pífio dos compostos no combate a células de câncer de pulmão, de pele (melanoma) e de pâncreas.

A única das três substâncias testadas que teve alguma atividade antitumoral foi a monoetanolamina (repere bem, não é a ‘fosfo’), na cavalar e quase astronômica concentração de de 10 mM, desempenho superado facilmente por drogas clássicas como cisplatina e gencitabina.

No único resultado de inibição parcial de crescimento e de redução da viabilidade de células tumorais produzidos pela fosfo, o efeito seria consequência do aumento da acidez do meio de cultura provocado pela adição da substância.

HORA DE MUDANÇA?

Depois de outros seis estudos apontando na mesma direção, era a chance de a fosfo ser sepultada, mas, ao que tudo indica, a política e a paixão levam vantagem sobre a ciência e a razão.

Segundo informa o jornal “O Estado de São Paulo”, especialistas do ministério sugeriram encerrar a empreitada fosfoetanolamínica, que já consumiu alguns milhões dos cofres públicos.

No entanto, ainda haveria o desejo de pesquisar se a droga possui outro tipo de mecanismo de ação, como anti-inflamatória ou analgésica.

Independetemente dos estudos do MCTIC, vale lembrar que a fosfo também será testada em humanos, em estudos clínicos. Na prática, isso significa pular etapas –normalmente uma droga só é testada em humanos quando há resultados favoráveis em células e animais.

De qualquer maneira, falta pouco para que saibamos definitivamente se todo o mito que envolve a fosfoetanolamina tem algo de verdadeiro.


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A crise e os tropeços científicos no Brasil: Alckmin, ‘fosfo’, Suzana Herculano e ministro criacionista https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/ https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/2016/05/06/a-crise-e-os-tropecos-cientificos-no-brasil-alckmin-fosfo-suzana-herculano-e-ministro-criacionista/#respond Fri, 06 May 2016 09:30:02 +0000 https://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/Creación_de_Adán_Miguel_Ángel-180x82.jpg http://cadeacura.blogfolha.uol.com.br/?p=59 O melhor jeito de encontrar novos tratamentos para doenças, entender as relações humanas de uma comunidade pré-histórica ou decifrar as forças que regem o Universo é por meio da pesquisa científica. Para isso, são necessários alguns ingredientes fundamentais: pessoas com boa formação, interessadas em dedicar-se ao ofício; verba; acreditação e estímulo do poder público e da sociedade.

Os problemas não são de hoje, mas os últimos dias foram notáveis –sofremos golpes em cada uma dessas cláusulas pétreas.

Comecemos pelo dinheiro. Ao dizer que muitos dos estudos apoiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) não tinham finalidade prática e que não deveriam ser financiados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) revelou um pouco mais de como sua cabeça funciona nas questões de ciência e saúde.

A resposta foi dura e veio de todos os lados, inclusive da Fapesp –que faz uma análise estratégica e meritocrática de quais projetos vai apoiar. Chega a ser curioso: é o próprio governador quem escolhe o presidente da fundação. O comentário de bastidor revela a lamentável falta de sintonia do mandatário com a agência de fomento.

O governador também foi um dos primeiros a abraçar a popular causa da fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, cuja efetividade, ao menos por ora, é meramente especulativa e pouco respalda por experimentos científicos.

Criticar a pesquisa básica, um dos motores do desenvolvimento cultural e social, e apoiar estudos desacreditados e a produção de um remédio incerto não condizem com a formação na área médica e com a longa trajetória política de Alckmin.

A pesquisa científica no Brasil já anda despriorizada, subfinanciada. Com a crise, milhares de mestrandos e doutorandos (que são os que realmente põem a mão na massa) ficaram sem bolsas de estudos da Capes, fundação ligada ao MEC, afetando a formação da próxima geração de pesquisadores do país.

Em São Paulo, o dinheiro destinado pela Fapesp para bolsas de pesquisa está sujeito a um ajuste (para mais ou para menos) de acordo com a receita do Estado –e o panorama não é favorável.

Os professores universitários e pesquisadores também viram os financiamentos para seus estudos minguarem. O dinheiro é essencial para comprar reagentes, equipamentos e custear viagens, por exemplo.

JEITINHO AMERICANO

Até a criatividade do brasileiro tem limites. Depois de ter de lançar mão de uma campanha de crowdfunding para manter seu laboratório funcionando por algum tempo, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel anunciou sua saída da UFRJ para a Universidade Vanderbilt, nos EUA (bom para os irmãos do norte, ruim para a gente).

Além do financiamento parco, ela reclama do engessamento da carreira acadêmica –não é possível negociar salários ou usar dinheiro de pesquisa de uma maneira eficiente (leia aqui entrevista dada à Folha).

Para quem fica nesta terra, o cenário acaba de piorar um pouco mais. O provável governo Temer já está negociando entregar o ministério da Ciência e Tecnologia ao comando do PRB. O assunto veio à tona com força porque o favorito a assumir a pasta, o deputado federal Marcos Pereira, presidente nacional do partido, é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus.

Ele se declara criacionista –o criacionismo nega a evolução das espécies e ignora a maioria do conhecimento biológico obtido no último século. Se existe algo que deixa biologistas (e outros, como geólogos) furiosos –a esmagadora maioria não criacionista– é ver essa “teoria” ganhar espaço na ciência. Imagine como esses pesquisadores se sentem com a verossímil hipótese de um criacionista no comando do ministério, escolhendo projetos prioritários…

Muita gente, de novo, ficou brava. Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência queria alguém mais técnico e lamentou o troca-troca na pasta. Em nota que não citava explicitamente o nome de Pereira, a Sociedade Brasileira de Física declarou: “Nos parece inaceitável a indicação de um ministro com posições ideológicas ortogonais às da ciência moderna.”

Por mais que Pereira possa ser um bom gestor, o talvez futuro presidente Michel Temer já começa dando um passo atrás nas relações com a comunidade científica, já tão abalada e renegada.

Para a Saúde, ele cogita nomes de médicos importantes, de fora da política partidária. Por que não manter esse critério para a Ciência? A proposta até então aventada é a de que seu possível governo seria de coalizão, para botar a casa em ordem.

Concluindo: toda essa fragilidade atravanca o progresso e adia ainda mais o sonho brasileiro de se tornar um país desenvolvido, capaz de brigar em pé de igualdade por descobertas científicas, inclusive novos remédios e tratamentos para as diversas doenças que nos afligem. A cura para nossa ciência, ao que tudo indica, ainda está um tanto distante.

Enquanto o país sofre para achar algum caminho viável, só resta desejar boa sorte para Suzana lá nos EUA. Por favor, não se esqueça de nós.


Leia mais sobre esse mesmo assunto: A crise e os tropeços científicos no Brasil 2: religião, nacionalismo e desenvolvimento

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